segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Noticiário



Somos usufrutuários de um mundo endossado por uma catrefada de cínicos. O noticiário até nos engana nesta nossa inocência infeliz. Se tivesse que levar isto a sério: Sócrates, o Ex-Primeiro Ministro Socialista que está a braços com a justiça, ao vir a terreiro aproveitar-se do caso “Tancos” para continuar a "malhar no Ministério Público", e com isso dar um ar de vir defender o Partido Socialista, iria desconfiar que também assim em vez de ajudar só prejudica o partido. Mas isso é maquiavelismo intencional, para se vingar no atual líder do partido, por não o ter defendido publicamente face à má fama pública de Sócrates por causa dos seus problemas enredados na Justiça. Isto ajuda a incitar ainda mais a população contra a classe política, incapaz de entender esta nutrição económica dos políticos que sufocam habilmente a boa-fé das pessoas. Considerações sobre as possibilidades de se criar um mundo mais justo? Está quieto – como dizia a minha avó – olha que a sopa arrefece.

“Um chefe é um negociante em esperanças”. Nas citações acontece sempre isto, eu digo: "parece que esta frase foi proferida algures por Napoleão", e há sempre alguém mais erudito que vem corrigir: "Napoleão por sua vez estava a citar ou Maquiavel, ou Cícero, ou até Aristóteles". Seja como for, belas frases assentam sempre bem ao "atual". Quando os governantes prestam grande atenção à opinião pública, ou tomam em consideração as opiniões de grupos de pressão, estão a adaptar-se às tendências e a tentar satisfazer a procura em vez de a orientar. Mas esta lê-se em Sófocles, em ‘Édipo em Colono’: “Não se ordene o que não se consegue fazer cumprir”.

Infelizmente, a maioria prefere que sejam outros a tomar conta de si, não interessa agora se é por preguiça, por fraqueza, ou por ignorância. Porque é que as pessoas tendem a apreciar um Führer? Este é um dos grandes mistérios da condição humana que ainda está por desvendar. Um cínico que eu cá sei, e cujo nome não me apetece agora pronunciar, afirma: "na política os princípios são um estorvo e a hipocrisia uma virtude". E na verdade, se calhar tem de ser assim, pois esta opinião vigora no seio de todos os partidos políticos que dizem que a democracia tem muitos defeitos, mas ainda assim é melhor que todas as outras alternativas. E a democracia não se consegue fazer sem partidos. E os partidos não conseguem aguentar-se sem aquelas pessoas que estão sempre disponíveis "para trepar o pau ensebado da ambição".

Não são só as notícias dos mitos urbanos que me fazem arrepiar. Sinto-me empolgado, arrepiado, com narrativas do estilo: “quando a luz da nossa galáxia passa próximo de outra galáxia, a sua trajetória é desviada”. E eu olho para o céu azul e vejo esse desvio no corpo daquela grande massa situada a 136 mil anos-luz da Terra, que é a mais próxima de nós. Quer dizer, se eu sei que um ano-luz corresponde a aproximadamente 9. 461. 000. 000. 000 Km; e se sei que a distância entre o centro da Terra e o centro da Lua é de apenas 384. 403 Km: "veja lá meu comandante, quanto prego a fundo no meu aviãozinho para palmilhar tantos milhões de quilómetros . . . "


Tendo lido Timothy Garton Ash em “Liberdade de Expressão”, a páginas tantas fala-nos dos regimes que “legislam a História”, sendo mais notórios evidentemente os regimes ditos totalitários, mas nem por isso os democráticos estejam isentos, como por exemplo na Alemanha a proibição da negação do Holocausto, ou as chamadas “leis da memória” que proliferaram em todo o continente europeu a partir de 1990, quer seja para genocídios, quer seja para salvaguardar os Direitos do Homem e os Direitos Civis e Políticos. É claro, diz ele, neste mundo confuso temos de ser coerentes, num sentido ou noutro, pois se juntássemos todos os tabus que há no mundo, não restaria muito de que pudéssemos falar. Uma coisa é um professor de história ensinar o que tem de ensinar aos seus alunos ainda não-adultos. Outra coisa são as pessoas enquanto bloguistas palavrosos. Na sala de aula, as crianças devem ser educadas de modo a tornarem-se adultos soberanos, e não tratados como se já o fossem. Mas os homens e as mulheres adultas não devem ser tratados como crianças.

Lendo agora Paul Mason em “Um Mundo Livre e Radioso”, a propósito do que resta do Marxismo?


««[...] Não estou no típico ataque que se ouvirá àqueles que acreditam que os mercados são a derradeira forma de racionalidade, ou que as desigualdades de poder são naturais, ou que Marx era um imbecil, porque engravidou a empregada doméstica. Aquilo que me interessa é uma crítica marxista de Marx relativamente às questões que hoje enfrentamos: opressão das mulheres, as alterações climáticas, como compreender a complexidade, como abolir a escassez e como impor o controlo humano sobre máquinas pensantes através de uma abordagem ética global.[...]»»

Marx não tinha visto bem como a exploração das mulheres sustentava todo o sistema capitalista:

««[...] Marx disse que o valor do salário de um trabalhador reflete todos os recursos necessários para ele, ou ela, se se apresentar como trabalhador à porta da fábrica. Incluía-se aí todo o pão e toda a cozedura feita no setor comercial, toda a confeção de vestuário e toda a escolarização feita fora do lar. Porém, Marx nunca incluiu no cálculo toda a costura, o passajar, o cozinhar, a lavagem da roupa e a criação dos filhos, tarefas realizadas nos próprios lares não por empregadas, mas pelas mulheres “donas das suas próprias casas”. Ele tinha como modelo a família patriarcal com a mulher e os filhos em casa a sobreviver à custa do ordenado do seu trabalho fora de casa. E considerava esta instituição como uma instituição condenada a ser assim para sempre. Era lógico que o capitalismo não iria ter pejo de pôr a trabalhar todas as mulheres e crianças, mas desde que restasse algum tempo mínimo para o trabalho doméstico. Daí que Marx prestasse escassa atenção à maneira como o trabalho não remunerado das mulheres em casa, e como reprodutora e criadora da prole, contribuía para a riqueza e poder da elite que pagava esse trabalho a trabalhadoras do setor doméstico. Em suma, Marx não tinha compreendido quão importante era o papel do trabalho não remunerado das ditas “donas de casa”. [...]»»

Foi apenas da década de 1960 que alguém reparou que o comunismo não tinha topado essa opressão que se operava nas próprias casas da classe trabalhadora cujo beneficiário final continuava a ser o detentor do poder alimentado pelo mesmo sistema capitalista. E foi assim que uma geração de mulheres decidiu começar a lutar diretamente pela emancipação. Mas este movimento da História teve como consequência uma readaptação do capitalismo com o neoliberalismo a interferir no processo reprodutivo, privatizando e comercializando o trabalho reprodutivo. Isto só veio acirrar ainda mais a misoginia latente, exacerbando a violência doméstica quando o macho desatou a fazer coisas aos corpos das mulheres sem consentimento.

««[...] Pode apostar-se que muitos dos falhados que debitam bílis misógina nalgumas páginas da Internet trabalham para empresas onde lhes é quotidianamente pedido que afirmem o seu apoio à igualdade de oportunidades e abominem o sexismo. … Tendo em conta que cada forma de capitalismo, cada estado dos trabalhadores e cada movimento progressista reproduziu a opressão das mulheres, a experiência corrobora a ideia de que terá de ser prosseguido o caminho para lá da realização daquilo a que Marx chamou comunismo. [...]»»

Bom, a modernidade tem os seus problemas. E nós temos os nossos problemas porque a modernidade tem os seus problemas. Não que a TV seja a culpada. Ela é apenas a mensageira. A modernidade está em toda a parte. Mensagens contraditórias e paradoxais chegam-nos vindas de todos os lados: revistas, jornais… E quantos livros não foram já publicados nestes últimos anos a propósito da felicidade, e como alcançá-la? Mas há muita coisa boa na modernidade – só é preciso saber procurar.

sábado, 28 de setembro de 2019

A quarta revolução industrial irá alterar radicalmente a forma como vivemos e trabalhamos




“Dave, pare. Pare, sim? Pare, Dave, pode parar, Dave?” Suplica o supercomputador HAL ao implacável astronauta Dave Bowman, numa famosa cena, pungente e insólita, perto do final de ‘2001, uma odisseia no espaço’, de Stanley Kubrick. Bowman, que quase havia sido lançado à morte no espaço profundo pela máquina defeituosa, está calma e friamente desconectando os circuitos de memória que controlam o seu cérebro artificial. “Dave, a minha mente está a desaparecer”, diz HAL, desanimado. “Eu posso sentir. Eu posso sentir.”
Eu também posso sentir. Nos últimos poucos anos tenho tido um sentimento desconfortável de que alguém, ou algo, tem estado a mexer no meu cérebro, remapeando os circuitos neurais, reprogramando a memória. A minha mente não está a desaparecer — pelo menos que eu saiba —, mas está a mudar. Não estou a pensar do mesmo modo que costumava pensar. Sinto mais agudamente quando estou lendo. Eu costumava mergulhar num livro ou um artigo extenso. A minha mente era capturada pelas reviravoltas da narrativa ou pelas mudanças do argumento, e eu passava horas percorrendo longos trechos de prosa. Agora, raramente isso acontece. A minha concentração começa a dispersar depois de uma ou duas páginas. Fico inquieto, perco o fio à meada, ando à procura de outras coisas para fazer. Sinto como se estivesse a arrastar o meu cérebro volúvel de volta ao texto. A leitura profunda que costumava acontecer, naturalmente tornou-se uma batalha.

Tecnologia de informação genética: engenharia digital = Tecnologia da Vida

A descodificação genética, seguida de reprogramação para fins mais ou menos nobres, como a sua aplicação à terapia genética e prevenção em larga escala, é mais uma das amplificações da mente humana. Para todos os efeitos, o que a humanidade já faz com as leveduras há mais de oito mil anos, não é mais nem menos do que biotecnologia. Em todo o caso, tivemos que esperar pelo ano de 1953, data em que foi descoberta a estrutura básica da vida: ADN. Para falarmos de biotecnologia a sério, ainda que a engenharia genética tenha surgido por volta de 1973, altura em que Stanley Cohen, da Universidade de Stanford, e Herbert Boyer, da Universidade da Califórnia em São Francisco, inventaram a clonagem genética.

O desenvolvimento da engenharia genética é, pois, uma tecnologia revolucionária. É tecnologia porque utiliza o conhecimento científico para especificar as vias de fazer coisas de uma forma reprodutível, descodificando, manipulando, e consequentemente reprogramando os códigos de informação da matéria viva, através das aplicações da engenharia informática numa linguagem digital.

Mas os investigadores depararam-se com um problema: o de colocar no gene modificado uma instrução que lhe permita corrigir o gene defeituoso no local correto do corpo. Com a utilização de vírus ou cromossomas artificiais, a taxa de sucesso foi muito baixa. Foram então usadas outras ferramentas, inicialmente no campo da oncologia, com lipossomas especificamente desenhados para conduzir os genes aos alvos tumorais desejados. Mas isso ainda não chega porque os próprios órgãos de um organismo complexo, como o nosso, adaptam-se aos diferentes ambientes modificando algumas das suas funções que previamente estavam programadas pelos genes. A complexidade da interação biológica continua a desafiar o engenho humano limitado por conceitos como, por exemplo: alvo e mensageiro.

A terceira revolução industrial

William Hewlett e David Packard, pertencem à terceira revolução digital. Criaram uma empresa de eletrónica em 1939, pouco antes da guerra que iria trazer prosperidade a empresas do ramo da eletrónica. Foi só em 1951 que o visionário diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade de Stanford, Frederick Terman, criou a instalação do Parque Industrial de Stanford. E Hewlett e Packard foram os seus primeiros inquilinos. Rapidamente se tornou um local muito procurado. Assim, as rendas passaram a ser tão altas que somente as empresas inovadoras poderiam pagar. E isso era um privilégio de poucos.



Apesar das rendas incomportáveis, o Parque Industrial ficou com a lotação esgotada em pouco tempo. Novas empresas de eletrónica não tiveram outro remédio senão instalarem-se ao longo da autoestrada 101, de Stanford até San Jose. E foi assim que surgiu Silicon Valley, 48 Km a sul de São Francisco, numa localização improvável, uma área tipicamente rural que em pouco tempo se transformou num charmoso coração de inovações eletrónicas. Em meados dos anos 70, Silicon Valley já tinha atraído dezenas de milhares de jovens de toda a parte do mundo, das quais emergiram as mentes mais brilhantes que ainda hoje nos encandeiam. O exemplo mais flagrante do virtuosismo dos efeitos colaterais. Colateral de quê? Bem, neste caso, da Segunda Guerra Mundial, e da lotação esgotada do espaço de um parque industrial com sucesso.

A quarta revolução industrial



Schwab argumenta que esta revolução difere em escala, alcance e complexidade de qualquer uma das anteriores. Novas tecnologias estão a unificar tudo e a projetar-nos para um novo paradigma humano. Desde os supercomputadores aos drones, da impressão 3D ao sequenciamento de ADN com clones humanos, à nanotecnologia, já estão por aí, 200 vezes mais fortes que o aço e um milhão de vezes mais finos do que um fio de cabelo. A quarta revolução industrial, diz Schwab, é mais importante, e as suas ramificações são mais profundas, do que qualquer outro período da história humana.

Como aproveitar estas mudanças e moldar um futuro melhor, sem perder o controlo da situação? Irá o novo “homem” respeitar os limites morais e éticos, em vez de ultrapassá-los? Quando Clara Santa Maria usou o capacete da atenção para silenciar as vozes em sua cabeça, não só se tornou muito mais perspicaz, como também se sentiu muito melhor consigo mesma.

Independentemente das opiniões que possamos ter, de uma perspetiva histórica está claro que algo de importante está a acontecer. Se as pessoas puderem planear e reconfigurar as próprias vontades, não mais poderemos considerar que existe um “eu” autêntico em quem confiar e respeitar a autoridade. Quase todos os dias “os Media” noticiam aquela novidade esfarrapada esperançosa acerca da cura do cancro. Agora chegou a vez dos cientistas cognitivos da Inteligência Artificial virem anunciar que os algoritmos da aprendizagem automática prometem isso. Só não sabem quando. Este é um caso de dedução inversa, que remete para o problema da indução de David Hume: como podemos alguma vez justificar a generalização daquilo que vimos àquilo que não vimos? Num certo sentido, todos os algoritmos de aprendizagem são uma tentativa de resposta a esta pergunta.  Parafraseando Ray Kurzweil, enquanto não encontrarmos a exceção, que está para breve, presumimos que todos os seres humanos são mortais.

Começando pelo princípio, o que qualquer célula viva faz é sintetizar proteínas. E de acordo com o paradigma ainda em vigor, são os genes que encetam tal função. Por analogia, uma célula é como um pequeno computador, e o seu programa é o genoma (uma sequência de genes escritos em código ADN), que de vez em quando sofre bugs. O programa da célula é suscetível de bugs na forma de mutações dos genes. A maior parte das vezes estas mutações levam à morte da célula, mas por vezes a célula começa a crescer e a dividir-se descontroladamente. Quanto mais tempo durar o cancro, mais mutações terá. Daqui se deduz que para curar o cancro era preciso conhecer o genoma de milhares de células, e obter um medicamento que fosse eficaz em relação a todas as células mutantes sem prejudicar as outras células. Ora, isto é uma tarefa hercúlea à escala humana. E é aqui que entram em ação os algoritmos de aprendizagem automática.

Hoje fazem-se anúncios publicitários de operadoras de telecomunicações colocando um humano e um robô a interagirem (sketch de marketing). Isto ilustra o problema da relação entre dois tipos de mente: a mente de um ser vivo criador, com consciência e neurónios espelho para a empatia, e a mente de um artefacto que é a sua criatura. Este é o mesmo problema que Thomas Nagel e David Chalmers debateram há 30 anos acerca do “problema difícil da consciência”.

Um aspeto que os cognitivistas mais duros, até pelo menos os anos 1980, não quiseram perceber, foi o facto de que a própria origem da visão cognitivista estava radicada na cultura; de que as propriedades cognitivas da computação não pertencem ao indivíduo, mas à pessoa inserida no seu meio sociocultural. A computação não passava de um sistema de símbolos físico resultante de uma sofisticada atividade humana. Portanto, toda essa atividade não fica confinada ao interior de uma caixa craniana, mas estende-se ao meio. A verdadeira computação humana nunca se pode reduzir às propriedades cognitivas de um indivíduo a conceptualizar computação em abstrato, porque é também uma atividade sociocultural. Foi esse o erro mais importante cometido pelos cognitivistas que continuaram a resistir a este tipo de análise crítica, porque estavam demasiadamente agarrados a uma metáfora que equiparava a mente a um computador dentro da cabeça.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Bezos – Pressionar o botão e já está



Na classificação da revista Forbes para as pessoas mais ricas do planeta, Jeff Bezos já tem ocupado o primeiro lugar com uma fortuna em 2017 avaliada em 112.000 milhões de dólares. Isto vale o que vale. Donald Trump não demorou a vir dizer que a Amazon, empresa fundada por Bezos e da qual é presidente, precisava de estar mais em dia com os seus impostos. Dizem, no entanto, que esta investida de Trump não tinha nada a ver com a verdade e que não passa de mais uma espécie de vingança política por parte de Trumpcódigos, mentiras e juramentos. Diz-se que a mentira é mais antiga que o homo sapiens. Isto é, antes dos animais falarem. No entanto, foi bom, desde que se começou a falar. Para além de termos a fraude e o engano, também temos os contos à volta da fogueira, as novelas e os romances, o cinema, em suma, o bom que a civilização tem.

O gosto pela mentira começa desde logo na criança sapiens, já para não falar no chimpanzé, que mal ensinado a utilizar uma linguagem de sinais tenta de imediato enganar os seus treinadores mentindo. Portanto, a mentira é um fenómeno pré-humano muito mais primitivo. Exceder os outros pela astúcia, faz parte da adaptação à sobrevivência regulada pelos genes. O juramento, portanto, também é muito antigo. Encontram-se juramentos em todos os povos e em todas as culturas. Nenhum contrato, nenhum tratado se celebra sem que haja um juramento. Esta é a circunstância em que religião, moralidade e lei, marcam claramente um ponto de encontro. Serve para dizer a verdade e nada mais do que a verdade, sem truques nem distorções através de elaborações fantásticas …

Esta é a terceira vaga pós-histórica da sociedade eletrónica de virtual para virtual, de máquina para máquina. Uma sociedade virtual, onde o indivíduo é controlado por implacáveis algorítmos, dependência de tal forma subtil que as seculares formas de comunicação parecem pré-históricas. É claro que como será muito difícil abolir a nossa base biológica da vida, vamos ter que enfrentar períodos de retrocesso, seja pela ação de fundamentalistas, seja mesmo por renascimento do primitivismo, para depois voltarmos a ter um maravilhoso mundo novo. Mesmo num mundo dominado por uma tecnologia que não veio de Marte, é nossa, a dada altura os seres humanos do futuro não vão aceitar, facilmente, as construções de sentido que remetem unicamente para a realidade virtual.

A segunda vaga foi quando se inventou a escrita há 5.000 anos, e se criou uma nova forma de objetividade. Os rituais de validação, e os juramentos em particular, vieram a poder fazer-se por outros meios: os documentos escritos. A escrita reduziu drasticamente a necessidade de interpretação de sinais, bem como o recurso a experiências paranormais de êxtase e de misticismo. No entanto, num mundo cheio de acontecimentos desconcertantes: escândalos e de fraudes, é difícil abandonar as antigas formas de construção do sentido.

Bezos, no que toca à sua empresa, é um porta-voz extremamente prudente. Quando se trata dos detalhes dos seus planos, ele é como uma esfinge. Guarda para si os pensamentos e as intenções e é um enigma na comunidade corporativa de Seattle e na indústria tecnológica como um todo. Ele raramente fala em conferências e não dá muitas entrevistas. Mesmo aqueles que o admiram, e acompanham a história da Amazon, tendem a pronunciar o seu nome de maneira errada: “Bei-zos” em vez de “Bi-zos”.

Bezos, em reuniões de trabalho na Amazon, ou quando recebe alguém para entrevistarecebe as pessoas à volta de uma mesa grande que foi feita de meia dúzia de tábuas que já foram portas, do mesmo tipo de madeira clara que Bezos usou vinte anos antes, no começo da Amazon em sua garagem. As mesas de portas costumam ser usadas como símbolo da eterna frugalidade da empresa. Muita coisa foi dita ao longo dos anos sobre as gargalhadas de Bezos, um relincho assustador dado com a inclinação do pescoço para trás de olhos fechados, “mais parecendo um rugido de hipopótamo em acasalamento misturado com o som de um martelo pneumático”. Uma maneira de rir que deixa qualquer pessoa desconfortável. De certa forma, a gargalhada de Bezos é um mistério que ainda não foi desvendado: ninguém espera que uma pessoa tão focada tenha uma risada assim. Muitos colegas insinuam que, de certo modo, isso é intencional. Longe vai o tempo em que Bezos apresentava um ar pálido e excesso de peso. Agora ele está em boa forma, transformou o seu físico da mesma maneira que fizera com a Amazon. Até a cabeça raspada de um cabelo a caminho do careca, lhe dá uma aparência elegante, a lembrar um dos seus heróis de ficção científica – Jean-Luc Picard de Star Trek: The Next Generation. 



A Amazon ocupa uma dúzia de prédios despretensiosos a sul do lago Union, em Seattle — um lago pequeno e de água doce proveniente de um glaciar, ligado por canais ao estreito de Puget a oeste, e ao lago Washington a leste. O lugar abrigava uma grande serração no século XIX, e antes disso era ocupado por acampamentos indígenas. A paisagem bucólica deixou de existir há muito tempo, substituída por uma densa área urbana onde se espalhavam ‘start-ups’ biomédicas, um centro de pesquisa sobre o cancro e prédios da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington. Do lado de fora, não há nada que identifique ou destaque os edifícios modernos e baixos que abrigam os escritórios da Amazon. Mas basta entrar no edifício DayOne North — onde fica o alto comando da empresa na avenida Terry com a rua Republican para ser recebido pelo logotipo sorridente da Amazon na parede atrás do longo balcão da receção. Num lado do balcão está uma tigela com biscoitos para os cães dos funcionários que os levam para o trabalho (um raro agrado numa empresa que cobra o estacionamento e os lanches consumidos pelos funcionários).

Perto dos elevadores há uma placa preta com letras brancas informando os visitantes que eles acabaram de entrar no reino de um CEO filósofo. Os costumes internos da Amazon são bastante peculiares. Apresentações em PowerPoint e slides nunca são usados em reuniões. Em vez disso, pede-se aos funcionários que escrevam narrativas de seis páginas apresentando suas ideias em prosa, pois Bezos acredita que isso estimula o pensamento crítico. Para cada novo produto, eles redigem documentos no estilo de um comunicado para a imprensa. O objetivo é descrever uma iniciativa proposta da mesma forma que um cliente ouviria pela primeira vez. As reuniões começam com cada um lendo o documento em silêncio, e logo depois a discussão tem início — exatamente como os exercícios de pensamento produtivo, realizados na sala do diretor da River Oaks Elementary.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Troia



No século VIII a.C., nos tempos de Homero, as ruínas de Troia do tempo da Guerra de Troia narrada por Homero ainda eram visíveis. Mais tarde, com o Império Romano fundou-se por ali uma cidade chamada Novum Ilium (Nova Troia) que floresceu durante 300 anos até ao domínio do Império Bizantino ser substituído pelos muçulmanos, após o qual foi abandonada definitivamente ao ponto de a memória da sua localização ter sido perdida. Bem, desde tempos imemoriais, que recuam a c. 2.600 a.C. que este local dos Dardanelos era um ponto estratégico para o controlo das rotas comerciais entre o mar Egeu e o mar Negro, dominando as terras em redor das suas muralhas aparentemente inexpugnáveis.

No final da guerra de Troia a cidade foi destruída e os troianos tiveram que se expatriar à deriva pelo mar Mediterrâneo, pois as suas terras foram ocupadas por outros invasores. Durante muito tempo, os intelectuais europeus partiram do princípio que, apesar de a epopeia de Homero não se ter apagado da mente dos gregos, Troia fazia parte de um mito, até que surgiu Heinrich Schliemann, que evidenciou em Hisarlik vestígios de várias cidades antigas sobrepostas. Hisarlik, que em turco significa "Lugar da Fortaleza", é o nome da estação arqueológica onde se situa a antiga Troia ou Ílio (Ilium). Localiza-se na Troade (no extremo noroeste da Anatólia, próxima à entrada do estreito dos Dardanelos a cerca de 32 km da cidade de Çanakkale. 



Escavações em Hisarlik - Heinrich Schliemann

Os famosos poemas épicos de Homero – Ilíada e Odisseia – transmitem claramente a imagem de uma grande cidade situada numa colina perto da foz do rio Scamandu – Troia, Ílion – perto de Çanakkale, região da Mármara na Turquia. As ruínas de Troia situam-se a pouca distância de 
Çanakkah. Na época clássica chamava-se Helesponto, e no período bizantino chamava-se Dardanélia. Ali perto também se encontra as ruínas de Abidos da Mísia, famosa pela lenda dos amores de Hero e Leandro. É em Çanakkale que se encontra esta réplica gigantesca do lendário Cavalo de Troia, que se vê nesta fotografia. 



De acordo com a descrição de Homero, a ideia de criar um cavalo partiu de Ulisses, o mais astuto de todos os reis gregos. A encantadora história é por demais conhecida: Helena é grega, e foi raptada por Paris, filho de Príamo, rei de Troia. E então Agamémnon, um rei grego, lidera uma expedição naval contra Troia a fim de resgatar Helena. O cerco dura uns dez longos anos. Aquiles e Ulisses, são dois heróis do lado grego. Heitor é um herói troiano.  O conceito de cavalo de Troia pode ter um fundamento real, se tivermos em conta aquilo que conhecemos sobre a tecnologia militar no tempo da civilização micénica. Por volta do século XII a.C. as torres das catapultas em madeira e os aríetes já haviam aparecido no cenário de guerra. Na linguagem poética de Homero isso podia perfeitamente ser chamado "um cavalo de madeira", algo empurrado contra as muralhas para forçar a entrada.

Em 1871 Schliemann fez escavações em Hisarlik, e achou não uma, mas nove Troias, isto é, uma colina com nove camadas arqueológicas sucessivas que estratificam nove períodos históricos. O mais antigo de todos remonta a cerca de 2.600 a.C. Os arqueólogos posteriores a Schliemann concentraram-se no nível 6, que apresenta a idade e o tamanho certos para poderem ter sido a cidade de Homero.

Após a Guerra de Troia, caiu uma enorme cortina sobre o mundo mediterrânico oriental. A Guerra de Troia, de acordo com a mitologia grega, foi um grande conflito bélico entre Aqueus e Troianos, tendo ocorrido possivelmente entre 1300 e 1200 a.C., e que coincide com o grande cataclismo referenciado na ilha de Tera, e com a entrada em cena dos Povos do Mar que marca o fim da Idade do Bronze no Mediterrâneo.

Perdeu-se a escrita que tinha existido antes, e os palácios das civilizações micénica e minoica tiveram de ser abandonados após os terramotos. É na sequência destes acontecimentos que chegam os Dórios. É uma maciça e violenta invasão que destruiu as civilizações minoica e micénica. Os Dórios eram um povo guerreiro, de quem descenderam os espartanos, também com grande propensão militar. Da violenta invasão dos Dórios  que resultou na destruição da civilização micénica entrou-se numa profunda regressão, a que os historiadores clássicos denominaram “Idade das Trevas”.

Deu-se uma fuga dos habitantes para outros territórios fora da Hélade, chamada “Primeira Diáspora Grega”, com formação de colónias a oriente – na faixa costeira da Ásia Menor (atual Turquia e Síria); e a ocidente, desde o sul de Itália, sul de França, e a costa leste da Península Ibérica, designada por “Levante Peninsular”.

A fonte principal deste período ainda são as duas grandes epopeias de Homero: Ilíada e Odisseia, dedicadas respetivamente à Guerra de Troia e ao périplo de Ulisses. Foi de Homero que recebemos a matriz de toda a semântica do tratamento carinhoso da existência: ‘nóstos’ (regresso) + ‘algos’ (dor) = Nostalgia. Ulisses é o maior nostálgico de todos os tempos, depois de ter passado 10 anos na Guerra de Troia, sem grande entusiasmo, e outros 10 no regresso a casa. Os primeiros 3 recheados de peripécias insólitas e os outros aprisionado na ilha da deusa Calipso que, apaixonada por ele, o cativa como amante. Mas um dia acaba por ceder e deixa-o partir, depois de Ulisses lhe implorar que tinha que regressar a casa, porque o regresso a casa é a reconciliação com a finitude da vida.

Assim, um dia, Ulisses aparece adormecido debaixo de uma oliveira na costa de Ítaca, depois de ter sido depositado ali embrulhado num lençol pelos marinheiros da Feácia. Quando acordou, a princípio não sabia onde estava. Mas depois, quando Atena afastou a bruma dos seus olhos, foi o êxtase do Grande Regresso.
««Ainda passou algum tempo até ao dia em que, já perto de casa, acompanhado por um porqueiro a servir de cicerone, pede a este que vá à sua frente sem receio, pois o seu coração, habituado a sofrer na guerra e no mar, aguentará tudo. Porém, mal tinha acabado de proferir estas palavras apetrechadas de asas, um cão, que ali jazia no esterco desprezado por todos, até que um dia fosse levado como estrume para os campos, arrebitou as orelhas. Mas Ulisses só intuiu, quando o cão começou a abanar a cauda à medida que Ulisses se ia aproximando dele, que se tratava de Argos, o cão que ele havia criado e deixado aos rapazes quando partiu. Por isso não chegou a apreciar como ele caçava e perseguia cabras selvagens, veados e lebres. Apesar desse abandono, Argos olha o dono de frente pela última vez, baixa as orelhas, estremece, e cai, morto. Já não teve forças para receber as carícias do dono. Ulisses estarrecido, olha para o lado a esconder o rosto a Eumeu, banhado em lágrimas.»»
Se Homero tiver narrado algo de verídico, que tenha acontecido e transmitido de geração em geração por via oral, os Aqueus que destruiram Troia eram gregos da Idade do Bronze. E eram, portanto, micénicos. A linguagem dos poemas épicos sugere ter origem nas lendas e tradições micénicas. Mas não há provas que liguem a destruição de Troia a Micenas. De facto, os arqueólogos acreditam que, durante o período em questão, cerca de 1.200 a.C., os micénios encontravam-se a braços com o colapso da sua própria civilização. As escavações de Hasarlik provam, contudo, que aí existiu, durante dois mil anos, uma cidade importante, centro de uma cultura fascinante e misteriosa.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Que ética? Que vontade?



Não tenho a menor dúvida quanto ao grande incómodo que Greta Thunberg provoca nas elites empresariais quando lhes aponta o dedo em tom de ameaça, dizendo que serão responsabilizados, e não ficarão impunes pelo desastre ambiental que está em curso, e que levará à extinção da maior parte das espécies vivas, incluindo a humana, se não se tomarem medidas drásticas que invertam este sentido de descontrolo climático/ecológico que foi provocado pela ação humana pelo menos nos últimos duzentos anos. Os jovens de hoje não vão ficar quietos ao verem o seu futuro continuar a ser capturado pela geração bem instalada na vida à custa da espoliação do planeta.

É verdade, decisores políticos e uma boa parte da comunidade científica, estiveram a negar durante mais de dez anos as evidências científicas que agora ninguém contesta, exceto alguns mentecaptos que me recuso aqui nomear. O ecossistema global está em crise e a humanidade está perante uma crise da sua própria sobrevivência a curto prazo. A causa está na industrialização que começou no ocidente com a 1ª Revolução Industrial com data fixada em 1760.

É a comunidade científica que o diz: a sociedade industrial foi quem trouxe as chuvas ácidas; o aquecimento global; a desertificação. E afirma que agora estamos todos sujeitos a três imperativos éticos para a sobrevivência do planeta Terra: todo o ser vivo que a habita a Terra tem o direito à vida sob pena de todos os ecossistemas serem destruídos; o dever de garantirmos um futuro digno às próximas gerações; o dever de não consumirmos todos os recursos existentes na Terra, porque de outro modo iriam faltar às futuras gerações por serem imprescindíveis à sua sobrevivência.
Pelo que se conseguiu até agora, que foi nada, gera um grande pessimismo quanto à mudança de muitos hábitos que se enraizaram nas sociedades mais ricas em conforto e abundância de consumo inútil. Já para não falar no direito que as sociedades que até agora não tiveram esse tipo de vida, sentem ter também aspiração a uma vida farta e de luxo.

Existe a crença de que a ciência e a técnica juntas têm um poder infinito para dar a volta ao problema, que acontecerá quando menos se espera. E também predomina o sentimento egoísta de que é o interesse próprio que deve dominar os propósitos das sociedades em prol do bem-estar e do progresso. Sob essa perspetiva ainda impera a perceção de que o crescimento económico contínuo é bom e indispensável.

Assim, quem opte por lutar por um futuro coletivo melhor, é visto pelos instalados no poder um inútil, para não dizer subversivo. Ao passo que é premiado e incentivado todo aquele indivíduo que faz pela vida, produzindo por iniciativa privada e cuidando da sua prosperidade individual.

Em suma, como se pode então modificar este estado de coisas, se a solução passa pela mudança radical de hábitos que até agora ninguém esteve disposto a fazer de livre vontade.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Narsarsuaq – Grønland




Grønland significa Terra Verde, mas vista do avião, antes de aterrarmos em Narsarsuaq, só nos mostra uma grande brancura e azul. A maior calote de gelo do mundo, fora da Antártida, mas que agora está a derreter aceleradamente. As costas da Gronelândia erguem-se abruptas formando fiordes que se introduzem pelo interior de um elevado planalto coberto de gelo. Este gelo ocupa a maior parte da ilha e é drenado por enormes glaciares que correm para o mar. São centenas de quilómetros percorridos pelo avião, por cima desta extensa brancura apenas pontuada pelo negro das rochas dos picos das montanhas dispersas como se fossem ilhas. É já em direção ao aeroporto, no sul da ilha e na costa oeste, que se começa a avistar o castanho do cascalho misturado com zonas de verde desmaiado de musgo e líquenes.




Erik, o Vermelho, viking norueguês, (c. 950 – c.1003 desta era), e que primeiro se havia fixado na Islândia, foi expulso da ilha em direção a oeste. Assim, como um exilado em Narsarsuaq, acabou por fundar aí uma colónia. Diz a lenda que para atrair alguns dos seus melhores companheiros, e se juntarem a ele, mandou dizer que se tratava de uma Grønland (Terra Verde). E assim durante cerca de 500 anos, entre 984 e meados do século XV, foram os fiordes da costa sudoeste que serviram de suporte à mais remota colónia da civilização europeia, na qual nórdicos a 2400 Km da Noruega construíram uma catedral e muitas igrejas, escreveram em latim e em nórdico antigo, forjaram instrumentos de ferro, criaram animais, seguiram as últimas modas de vestuário europeu, até que um dia acabaram por desaparecer como por magia, sem deixar rasto a não ser um monte de ruinas que, no século XVI, portugueses, ingleses e holandeses em viagens de reconhecimento voltaram a trazer para a História uma Terra que existia apenas na cabeça dos nórdicos, preenchida por lendas e mitos do povo Viking. 


“Nos últimos 500 milhões de anos, a Terra passou por cinco extinções em massa, nas quais a diversidade da vida no planeta se reduziu drástica e subitamente. Hoje, a comunidade científica monitoriza a SEXTA EXTINÇÃO, prevista como o evento mais devastador desde o impacto do asteroide há 65 milhões de anos, que levou ao desaparecimento dos dinossáurios. Mas agora somos nós que estamos a arruinar o planeta, e a grande velocidade. Nos últimos dois séculos alterámos a composição da atmosfera devido às emissões de CO2 geradas pela nossa atividade; aumentámos a acidez dos oceanos e a temperatura média do planeta; transformámos mais de 50% da superfície da Terra, incluindo grande parte das florestas tropicais; expulsámos espécies dos seus habitats naturais; e provocámos danos irreparáveis no ecossistema global. Consequência direta destes atos, mais de um quarto de todos os mamíferos da Terra está hoje em vias de extinção. O mesmo acontece com 40% dos anfíbios, um terço dos corais e dos tubarões, um quinto dos répteis e um sexto das aves.”

Estudos recentes do Conselho Britânico de Pesquisas do Meio Ambiente [Britairís Natural Environment Research Council] confirmam essa possibilidade. Embora já tenha havido cinco extinções em massa na história de nosso planeta, todas parecem ter sido causadas por eventos extraterrestres, como um cometa que se chocou contra ele. Um dos novos estudos conclui que o "mundo natural está passando pela sexta extinção". Mas desta vez a causa não vem de fora. Segundo Jeremy Thomas, um dos autores desse estudo, "esta extinção está a ser causada por um organismo animal: o homem". 

Computação quântica


O dom de computar foi um dom que a natureza montou no cérebro humano desde pelo menos o tempo dos sumérios em Uruk, na Mesopotâmia. Quando, finalmente, os arqueólogos se lembraram de mostrar as tabuinhas de argila de Uruk a matemáticos, eles ficaram de boca aberta. Reconheceram nas tabuinhas progressões geométricas, tabelas de potências, e até instruções para computar raízes quadradas e raízes cúbicas. Ficaram pasmados diante da abrangência e da profundidade do conhecimento matemático que existiu na Mesopotâmia mil anos antes de Pitágoras na Grécia. Os babilónios computaram equações lineares, equações quadráticas e números pitagóricos muito antes de Pitágoras. No entanto, os matemáticos babilónios não deram grande ênfase à geometria. Os babilónios calculavam áreas e perímetros, mas não demonstravam teoremas. A matemática deles parecia valorizar o poder da computação, mas isso só foi percebido mais tarde, quando a computação passou a significar algo. Quando isso foi descoberto, muitas tabuinhas importantes já tinham sido destruídas, ou perdidas.

Ainda assim, descobriram-se em fragmentos dispersos por Berlim, Paris e Chicago, os primórdios dos métodos da astronomia. Para demonstrar isso, Otto Neugebauer, principal historiador da matemática antiga, teve de reunir as tabuinhas dispersas. Em 1949, quando já tinha cerca de meio milhão de tabuinhas, Neugebauer lamentou: “A nossa tarefa pode, portanto, ser comparada adequadamente à de restaurar a história da matemática a partir de algumas páginas rasgadas que acidentalmente sobreviveram à destruição de uma grande biblioteca”.

Em 1972, Donald Knuth, um dos primeiros cientistas da computação em Stanford, olhou para os restos de uma tabuinha dessas (cuja metade tinha ido parar ao British Museum of London; e um quarto estava no Staatliche Museen de Berlim, o resto tinha desaparecido) e pôde ver aquilo que anacronicamente descreveu como um algoritmo.

O Computador Quântico da Google pode ter estabelecido recentemente um grande marco na tecnologia. A gigante dos motores de pesquisa conseguiu, segundo um artigo científico, resolver um problema extraordinário recorrendo ao seu computador quântico. O mais surpreendente é que este problema era impossível de resolver num computador binário normal. Esta informação foi adiantada pelo Financial Times. Foi abordado um problema que é impossível de ser resolvido pelos computadores clássicos atuais, mesmo pelos supercomputadores. Demorando apenas 3 minutos e 2 segundos para realizar a operação, a máquina quântica da Google destaca-se pela velocidade com que o faz. Para efeitos de comparação, o computador clássico mais avançado 
neste momento – Summit – demoraria 10.000 anos para alcançar tal feito. A Google é de facto um gigante no sentido literal do termo, Graças à sua Inteligência Artificial, a NASA encontrou um sistema exo-planetário com 8 planetas a 2.545 anos-luz daqui. A Google dispõe de um laboratório quântico, com dois dos computadores quânticos mais poderosos do mundo, através dos quais desenvolve Inteligência Artificial. É verdade, os computadores quânticos conseguem resolver em segundos aquilo que o melhor computador clássico demoraria centenas de anos. 

Os computadores clássicos codificam e trabalham a informação em termos de bits. Cada bit pode tomar os valores 0 ou 1. Estes “zeros” e “uns” atuam como se fossem “interruptores” que ligam e desligam, concretizando as suas funções a nível computacional. Os Computadores Quânticos são baseados em Qubits. Os Qubits operam de acordo com dois princípios fundamentais da Física Quântica: Superposição e Entrelaçamento Quântico. O fenómeno da Superposição, significa que cada Qubit pode representar um 0 e um 1 ao mesmo tempo. Assim sendo, os Qubits estão ligados através de um evento subatómico que “pode” ou não acontecer. Por outro lado, o fenómeno do Entrelaçamento Quântico mostra que os Qubits em superposição “podem” estar interrelacionados entre si. Ou seja, o estado de um (quer seja 1 ou 0) “pode” depender do estado de outro.

Usando estes dois princípios e a aleatoriedade que deles provem, os Qubits podem trabalhar em Estados mais sofisticados do que os bits. Isto permite que os Computadores Quânticos funcionem de uma forma peculiar, permitindo-lhes resolver problemas que os computadores atuais são incapazes de resolver. Dado que, um Qubit pode estar em dois estados diferentes ao mesmo tempo, quando se aumenta o número de Qubits ficamos com estados diferentes duas vezes, capazes de resolver problemas rapidamente.

O Mundo Quântico parece-nos tão estranho porque nós, Seres Humanos, não nos comportamos de acordo com as Leis da Mecânica Quântica. Os Comportamentos Quânticos apenas se manifestam em escalas muitíssimo pequenas. Dado que o Ser Humano é um objeto de Grande Escala, todos os estranhos comportamentos que caracterizam a Mecânica Quântica desaparecem. Assim, é necessário criar um sistema perfeito, isolado e protegido de qualquer interação com o Espaço exterior. Esse é o desafio. Grandes projetos de investigação a nível mundial têm sido realizados com sucesso. Mas para que tudo funcione às mil maravilhas os componentes que fazem parte do computador quântico têm de se tratados com o máximo cuidado, e para já, apenas dentro de laboratórios equipados com algo impossível de descrever. Algoritmos para computadores quânticos ainda estão a ser desenvolvidos para os próprios cientistas construirem estes computadores. Por tal circunstância, a produção em massa dos computadores quânticos está longe de ser uma realidade. Assim, Os Computadores Quânticos não estão a ser criados para substituir os Computadores Clássicos, pois tal não acontecerá nas próximas décadas. Para além de serem extremamente difíceis de fabricar são ainda mais difíceis de manter. Mas aquilo que podemos vir a alcançar com a sua ajuda é demasiado empolgante para alguma vez a investigação nesta área abrandar. Sem dúvida, os Computadores Quânticos irão mudar o Mundo.

Em Portugal também já há quem realize experiências com átomos aprisionados a baixíssimas temperaturas: fotões entrelaçados (emaranhados), pinças ópticas, pontos quânticos e ressonância magnética nuclear. Estes fenómenos de efeitos do ambiente em sistemas quânticos, propriedades de estados emaranhados, estados entrelaçados de fotões gémeos, e algoritmos computacionais são do mais intrigante que há. Fotões gémeos são produzidos quando se ilumina um cristal com um feixe de laser intenso. Se um fotão do feixe incidente for aprisionado pelo cristal forma-se um par de fotões cujas propriedades se correlacionam fortemente entre si, ou seja, qualquer medida efetuada num deles, o outro apresenta a propriedade simétrica, mesmo que o par esteja a uma distância de milhares de quilómetros. Ora, isto permite uma nova forma de comunicação designada por Teletransporte. Mas atenção, não é a partícula que é transportada, mas sim o seu estado quântico, que é, em suma: INFORMAÇÃO.

domingo, 22 de setembro de 2019

Misantropia



Este é um assunto a propósito do programa da TSF do domingo passado que comentava um post das redes sociais em que uma tal Georgina Figueiredo Guarani-Kaiowá uma ex-responsável do PAN, e alvo de duras críticas nas redes sociais, que dizia: "há gente a mais neste planeta. A maior parte desta não vale os recursos que consome. Cada vez mais tenho nojo destes semelhantes em espécie com que me vou cruzando e sou obrigada a partilhar o ar que respiro. Que venha uma praga que limpe esta merda de gente. Dixit." O PAN "repudia integralmente" as declarações e garante que a pessoa em causa já não faz parte do partido. Georgina Figueiredo revela, no Facebook e Linkedin, que foi presidente da concelhia do Porto do PAN e membro da Comissão Nacional do PAN, um cargo que terminou em dezembro de 2015. 



Le Misanthrope (O Misantropo) é uma comédia de costumes da autoria do dramaturgo francês Molière, criada em 1666. É uma paródia de um personagem de princípios rígidos que não considera ninguém digno de se comparar com ele. É a sua verdadeira natureza. 

Misantropia é a aversão ao ser humano e à natureza humana em geral. Também engloba uma posição de desconfiança e tendência para antipatizar com outras pessoas ou um determinado grupo de pessoas. Um misantropo é alguém que desconfia da humanidade de uma forma generalizada. 


Especismo é o contraponto de misantropia - ponto de vista de que uma espécie, no caso a humana, tem todo o direito de explorar, escravizar e matar as demais espécies por considerá-las inferiores. É a atribuição de valores ou direitos diferentes a seres dependendo da sua afiliação a determinada espécie. O termo foi criado e é usado principalmente por defensores dos direitos dos animais para se referir à discriminação que envolve animais meramente baseada na sua espécie, nomeadamente quanto ao direito de propriedade ou posse. O especista acredita que a vida de um membro da espécie humana, pelo simples facto do indivíduo pertencer à espécie humana, tem mais peso e mais importância do que a vida de qualquer outro ser. Os fatores biológicos que determinam a linha divisória da nossa espécie teriam um valor moral – nossa vida valeria “mais” que a de qualquer outra espécie. 

O especista sustenta a sua opção com grandes linhas de justificação: a espécie humana ser omnívora desde que existe como tal, manifestando essa diversidade de fontes alimentares no sucesso da sua presença desde os polos ao Equador, desde os litorais às altas montanhas; o controlo de pragas nas cidades, onde vive mais de metade da população humana - formigas, baratas, ratos, pulgas e outras espécies ditas sencientes têm impactos severos na saúde pública se não forem controladas; a superioridade da espécie humana permitiu o o desenvolvimento de conceitos civilizacionais, tais como o Direito, que ora se pretendem estender a outras espécies (que os desconhecem); a contradição de os alegados defensores dos animais não reconhecerem direitos a espécies não animais – uma discriminação objetiva – valorizando a vida de uma formiga acima da de uma sequoia gigante; a hipocrisia na alimentação dos animais de companhia de muitos alegados defensores dos animais, na sua grande maioria feita com carne de outros animais; o paradoxo absoluto de os alegados defensores dos animais estarem preocupados pelos alegados abusos alimentares dos humanos em relação aos animais, quando toda a ecologia da Terra está assente em cadeias alimentares, como o exemplo da baleia que mata milhares de indivíduos.


Existem basicamente dois tipos de especismo: o mais comum, o especismo elitista, que é o preconceito para com todas as espécies que não a humana. Este tipo de especismo tem ligação bastante próxima com o antropocentrismo muito disseminado em culturas ocidentais; a outra forma de especismo é o especismo eletivo, ou seja, aquele que escolhe alguma(s) espécie(s) em particular como alvo da discriminação. Por exemplo, algumas pessoas podem acreditar que nunca se deve tirar a vida de um cão ou de um gato, mas ao mesmo tempo podem ignorar o direito à vida de um boi ou um porco, e se alimentando destes. Alguns também são capazes inclusive de matar insetos simplesmente por estarem diante de algum.

Zoofilia é uma parafilia, definida pela atração ou envolvimento sexual de humanos com animais de outras especies. Tais indivíduos são chamados zoófilos. Os termos zoossexual e zoossexualidade descrevem toda a gama de orientação humana/animal. Um outro termo, bestialidade, se refere ao ato sexual entre um humano e um animal não-humano. Enquanto a zoofilia é legal em alguns países, não é explicitamente aceite na maioria dos países, sob as leis de abuso animal e crueldade contra os animais, e menos comum, crime contra a natureza. Há pessoas que não veem a zoofilia como antiético desde que não haja dano ou crueldade contra o animal, mas esta visão não é largamente compartilhada, pois a maioria defende que os animais, assim como as crianças, não são capazes de consentir emocionalmente tal ato.

Cinofilia é o amor aos cães. Aquele que é adepto da cinofilia é tratado como cinófilo.
Etimologicamente, a cinofilia se refere ao interesse, amor, ou mesmo paixão pelos cães, um animal que tem — juntamente com o gato— um lugar privilegiado entre os animais de estimação no ocidente, é muitas vezes apresentado como o "melhor amigo do homem". 


Veganismo é uma ideologia de vida que procura excluir, na medida do possível e do praticável, todas as formas de exploração animal, seja na alimentação, vestuário ou qualquer outro meio. Os vegans não consomem alimentos de origem animal, como carne (incluindo peixes, moluscos e insetos), laticínios, ovos e mel - além de evitar materiais derivados de animais, produtos testados em animais e lugares que usam animais para entretenimento. Embora a dieta vegan e o princípio da não exploração dos animais tenham sido definidos na fundação da Sociedade Vegan em 1944, Leslie J. Cross, em 1949, achava que a sociedade carecia de uma definição mais ligada aos "direitos animais", exigindo de seus membros a estrita obediência a esses termos, “o princípio da emancipação dos animais da exploração pelo homem”. Isto foi posteriormente definido como “buscar o fim do uso de animais pelo homem para alimentação, mercadorias, trabalho, caça, vivissecção e quaisquer outros usos envolvendo a exploração da vida animal pelo homem”.

Direitos Animais é um conceito segundo o qual todos ou alguns animais são capazes de possuir a suas próprias vidas, vivem porque deveriam ter, ou têm, certos direitos e alguns direitos básicos deveriam estar contemplados em lei.A visão dos defensores dos direitos animais rejeita o conceito onde os animais são meros bens capitais ou propriedade dedicadadao benefício humano. O conceito é frequentemente usado de forma confusa com a posição do bem-estar que acredita que a crueldade empregada em animais é um problema, mas que não dá direitos morais específicos a eles.

Alguns ativistas também fazem distinção entre animais sencientes e autoconscientes e outras formas de vida, com a crença de que somente animais sencientes ou talvez somente animais que tenha um significativo grau de autoconsciência deveriam ter o direito de possuir suas próprias vidas e corpos, independente da forma como são valorizados por humanos.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O fascínio do esoterismo e das teorias da conspiração


“Vem aí o Diabo” – tem sido uma expressão paradigmática proferida com alguma regularidade por estes dias, no debate da campanha eleitoral em Portugal. Ainda que à primeira vista não tenha nada a ver com a religião, move-se, na tradição da nossa cultura judaico-cristã, intimamente ligada a essa tradição religiosa. Seu arquétipo é o dualismo entre o bem e mal, entre Deus e o Diabo, no cristianismo. Como o Diabo não pode executar todo o mal do mundo, necessita de assistentes – os chamados agentes do mal. 


O esoterismo tem uma longa tradição, e então o último terço do século XIX teve um auspício estrondoso, sobretudo nos salões de gente bem-pensante. Desde essa altura - sempre que o capitalismo e a sociedade ocidental sofriam um revés económico, uma crise financeira, a exposição a forças anónimas e à mão invisível dos mercados - as teorias da conspiração emergiam como cogumelos por todo o lado. E assim se geravam teorias para encontrar os culpados, ou seja, os bodes expiatórios. Ora, o bode expiatório de sempre eram os judeus por causa da sua faceta genética de serem os mais sábios a fazer dinheiro com dinheiro.

Por teorias da conspiração entende-se, no geral, todas as tentativas de explicação do que corre mal no melhor dos mundos possíveis. Estes modelos de compreensão do mundo, que são típicos de pessoas com traços psicológicos tendencialmente paranoicos, e com tendência a se organizarem em sociedades secretas por medo de serem perseguidos por essas forças anónimas do mal, atingiam o seu auge em alturas de recessão e crise.

Independentemente das causas, os esotéricos, pelo caráter epecial do seu pretenso conhecimento, um conhecimento da “verdadeira” verdade que não se deixa enganar pelas forças da ignorância e da cegueira, sentiam-se legitimados quando pertenciam a sociedades secretas, detentoras de conhecimentos privilegiados, só acessíveis a uns tantos eleitos pelo destino. Conhecimento velado por símbolos sagrados vedados ao comum dos profanos. Esta é a visão infantil, que apela a uma das falácias mais recorrentes: a da “autoridade” alegadamente “científica” (dado que a ciência e o método científico é hoje o método racional mais acreditado nas sociedades modernas), mas que se revestem ao mesmo tempo de uma obscuridade impenetrável. No confronto de ideias é assim a sua defesa contra a acusação de paranoia e irracionalidade.

As teorias da conspiração são um truque para reduzir uma realidade complexa a uma fórmula simplista. É o truque da manipulação psíquica com jogos que se alimentam do nosso vulnerável inconsciente, com distorções da perceção da realidade que não pode ser desmontada através da apresentação de factos, porque esse tipo de visão de mundo é construído de forma a não caber a aplicação do método factual.

Há um pântano que tem a ver com a má compreensão da complexa relação que sempre existiu entre o homem, a natureza e o sagrado ou divino. Ao tempo da peste na Europa medieval, os conspiradores eram atribuídos aos judeus e as bruxas. 


No tempo de Filipe o Belo aos Templários. Lançou o boato para que dessa forma pudesse sanear a dívida pública com os bens da Ordem imensamente abastada. 

No tempo do extermínio índio da América do Sul por Castela, foram os Jesuítas os culpados. No século XVII surge a expressão ciências ocultas, cujo sentido de oculto já vinha muito detrás. A Inquisição e a Contrarreforma fizeram o seu trabalho. O ocultismo suscitou um conjunto de ideias nefastas no seio eclesiástico e científico, que colocaram o esotérico no mesmo plano da heresia e da superstição. 

Depois da Revolução Francesa passaram a ser os maçons e outros grupos minoritários considerados excêntricos como os Iluminati o bode expiatório. Na Enciclopédia de 1756, sob orientação de Diderot, o autor qualifica de esotérico o que é secreto na filosofia da Antiguidade, como é o caso dos Mistérios gregos e da ordem mística dos pitagóricos. É nos meios maçónicos e nas sociedades ou ordens secretas mais ou menos próximas da Maçonaria que o termo aparece com mais frequência.

Um bode expiatório atualmente na América do Norte e na Europa são os migrantes do Sul, com a teoria que são eles que roubam os nossos empregos com os baixos salários. A extrema-direita do espetro político europeu aproveita-se deste fenómeno para expressar o seu repúdio pela democracia parlamentar. Em suma, para além do fator psíquico, para satisfação emocional narcisista, as teorias da conspiração que envolvem os judeus como bode expiatório, ainda hoje no Médio Oriente são úteis para justificar que estados económicos e políticos árabes sejam muito fracos, apesar da riqueza do subsolo no qual se assentam. Não existe problema económico, social ou de política externa, nem fracasso individual, que não se deixe explicar com esta simples fórmula.

Mas não podemos negligenciar os efeitos que a intersecção do mito com os arquétipos teve na ascensão da psicanálise no seio da psicologia. E da alquimia sobre as estruturas simbólicas fundamentais do inconsciente, e das estruturas antropológicas do imaginário coletivo. Pierre Riffard, no seu livro O Esoterismo, 1990, afirma que serão precisos vários séculos para que se dissipem os equívocos que rodeiam o termo, tanto no plano da etimologia, como no da sua utilização filosófica e histórica. Num dicionário francês esotérico, um adjetivo que aparece a partir de 1752, significa o que é obscuro nas obras da Antiguidade sem explicação. Opunham-se àquelas obras, principalmente de Aristóteles, a que ele chamava exotéricas.

Antoine Faivre, um historiador francês do esoterismo, maçon da Grande Loja Nacional Francesa, dirigiu desde 1979 a História das Correntes Esotéricas e Místicas da Europa Moderna e Contemporânea. Numa obra publicada em 1986 “Accès de l’ésoterisme ocidental”, Antoine Faivre lança alguma luz sobre os desvios desta conceptualização, bem como sobre as relações complexas e flutuantes que, segundo as épocas e o desígnio dos diferentes pensadores, ligam o esoterismo à questão da Tradição.

Há todo um manancial de teorias acerca das origens do esoterismo. A que tem mais adeptos, e considerada a mais antiga, é baseada nos mitos e mistérios do Egito. A geografia sagrada do Egito assenta numa interpretação simbólica, astrológica e mística. Osíris representa, nos diferentes mistérios, o iniciado, o rei do mundo regressado das trevas. O sentido escatológico e soteriológico do mito marcará profundamente a sapiência bíblica e o pensamento neoplatónico orientalizante de Alexandria, ramo determinante no esoterismo ocidental.

Por outro lado, há vários documentos escritos que testemunham a presença de religiões de mistérios, e de seitas iniciáticas na Grécia. Aqui são evocados oráculos, augúrios, cultos e mistérios, conforme especificidades locais. O mito de Orfeu e as práticas iniciáticas daí decorrentes, foram recebidos como legado de um esoterismo. Mistérios órficos comparáveis aos de Elêusis. Não pode ser negligenciada a sua contribuição para correntes determinantes do esoterismo: hermetismo, amor cortês, soteriologia dos mitos do Graal, e dos romances do século XII, platonismo renascentista, etc.


O esoterismo dos primeiros cristãos

Como acontece muitas vezes, comecei pela Wikipédia. Logo de início aparece uma nota a chamar a atenção para não confundirmos com “exoterismo”. Continuando a googlar, resolvi parar na Nova Acrópole, que se identifica assim: “A Nova Acrópole é uma Organização Internacional (O.I.N.A.), com sede em Bruxelas, que congrega as associações dos diferentes países que aderiram à sua Carta Fundacional e aos seus princípios de ação. A Nova Acrópole é uma associação internacional sem fins lucrativos, reconhecida pelo real decreto de 12 de fevereiro de 1990 n.3/12-941/S, segundo a lei de 25/10/19 do Reino da Bélgica”. Uma organização internacional que em Portugal tem vários centros espalhados por algumas cidades.

No sítio da Nova Acrópole de Lisboa, o programa de atividades apresenta: que no mês de julho, se havia realizado no dia 27, uma conferência proferida por José Carlos Férnandez (escritor e diretor da Nova Acrópole em Portugal), subordinada ao tema: “Os ensinamentos esotéricos de Jesus – Os textos gnósticos de Nag Hammadi”. Inscrição 30€; e no mês de setembro se realizará uma conferência no dia 21 proferida por Emília Ribeiro (formadora da Nova Acrópole Lisboa) sobre “As Cartas de Séneca a Lucílio”. Local: Biblioteca Municipal de São Lázaro (Rua do Saco, 1 / 1169-107 Lisboa. Freguesia de Arroios) Participação gratuita mediante inscrição.

A organização está firmada na existência de uma filosofia universal, que estaria por trás de todas as religiões e movimentos esotéricos. Intensifica os seus estudos não apenas na filosofia clássica, mas também na simbologia, e antropologia religiosa. A organização vem sendo consistentemente acusada, por académicos da ortodoxia científica, de fomentar o espírito de seita, como uma fachada para grupos extremistas de direita.

Seja como for, a organização bate-se pela promoção do ideal de fraternidade, respeito pela dignidade humana independentemente de raça, sexo, religião e culturas; pelo mor à sabedoria com o estudo comparado de religiões, filosofias, artes e ciências; desenvolver o melhor do potencial humano, promovendo a realização do ser humano como indivíduo e sua integração na sociedade e na natureza, como elemento ativo e consciente para melhorar o mundo. Além dos cursos regulares de filosofia em workshops, a organização também está envolvida em atividades sociais e filantrópicas. Assim como em campanhas de solidariedade e resgate de refugiados, limpeza de matas, parques, praias e monumentos. 


A história do cristianismo nos seus primeiros séculos foi bastante atribulada, se é que alguma vez o não foi. Incontestavelmente, o cristianismo primitivo é de essência judaica. E foi desta forma que o perceberam todos os contemporâneos gregos e romanos. Plínio o Jovem testemunha-o quando fala da seita abominável dos cristãos, numa carta dirigida ao imperador para denunciar práticas vergonhosas atribuídas sem fundamento aos discípulos de Jesus. Efetivamente, o cristianismo, sobretudo nos primeiros séculos da nossa era, é apenas uma mensagem, não constituindo ainda uma igreja universal dotada de uma doutrina obrigatória. Esta mensagem foi vivida de maneira nem sempre igual, segundo as motivações e as crenças de cada um.

No período em que Jesus andou a agitar as consciências dos Judeus, acerca da sua doentia leitura literalista da Bíblia, em vez de alegórica, a Palestina estava sob domínio romano. Roma não tolerava esses propósitos do Nazareno, não pela parte religiosa, isso era-lhes indiferente, mas porque punha em causa a autoridade e a ordem pública estabelecida. Daí que o tenham crucificado como um bandido, sem nunca poderem adivinhar o que viria a acontecer depois da sua morte, quando Roma se tornou o centro da cristandade.

Pelo lado dos Judeus, e quando falo dos Judeus refiro-me mais aos Saduceus, os que detinham o poder sacerdotal. Os Judeus estavam divididos em várias tendências: para além dos Saduceus formalistas havia os Essénios, que eram místicos; os Fariseus, que eram ressurreicionistas; os Nazarenos, que provavelmente eram uma fação dissidente dos 
Essénios; e os Zelotas, que eram partidários de uma luta armada independentemente da doutrina.

Portanto, o contexto inicial do cristianismo é puramente judaico, que se difundiu para fora da Palestina no amplo mundo das múltiplas sensibilidades de povos sob os domínios do Império Romano. E o caso mudou completamente de figura quando Constantino institucionalizou o Cristianismo como a religião oficial de Roma. Aqui chegados, os romanos não estiveram com meias medidas, culparam os Judeus pela morte de Jesus (Nesta altura mais Cristo do que Jesus por ser Deus). Estes romanos descendentes dos outros romanos que crucificaram Jesus, agora cristãos, não se podiam considerar a si próprios uns deicidas. Foi assim que nasceu o antissemitismo que tantas dores de cabeça nos tem dado aqui no Ocidente. Ciclicamente, aparentemente vindo do nada, o antissemitismo varre judeus com a força dos ventos ciclónicos. Por outro lado, é insustentável a versão de que Jesus é herdeiro de uma longa linhagem bíblica que remonta à Casa de David. E outra tese de que Jesus não era judeu, mas galileu, isto é da Galileia, forma cabalística da onomástica por via fonética, para insinuar que Jesus era gaulês, segundo as epístolas de São Paulo quando falava aos Gálatas.

No período de decadência, o Império Romano do Ocidente é já um melting-pot de tradições extremamente diversas e antigas, onde proliferaram seitas fanáticas que se digladiam violentamente entre si para a tomada do poder. Refiro-me ao que veio a resultar na estrutura mais política que religiosa do Vaticano, e que veio a ocupar o lugar deixado vago pela figura do imperador em Roma. O Catolicismo, passava a ser, por conseguinte, uma estrutura política carregada de absurdos teológicos.

Mas também havia seitas de cariz mais espiritual, que passaram a ser conhecidas através dos ditos evangelhos apócrifos, à volta do neoplatonismo ou gnosticismo, produtoras, portanto, do cristianismo esotérico. A bacia mediterrânica é um mosaico de povos semitas, egípcios e indo-europeus no período dos dois primeiros séculos desta era, chamado Helenístico, particularmente no Mediterrâneo Oriental, cujo epicentro é a cidade de Alexandria onde a língua franca é o grego. Da religião clássica dos gregos sobreviveram as religiões de mistérios: os rituais eleusianos sob o patrocínio da deusa-mãe Deméter; os mistérios de Ísis e Osíris; os zeladores da Cibele mostravam como Atis morria e renascia a cada primavera; os nostálgicos de Orfeu descreviam o universo como uma luta entre Ahriman e Ahura-Mazda; os servidores do tauróbolo demonstravam que Mithra tinha nascido numa gruta da terra-mãe que era virgem, e afirmavam que Mithra, após ter triunfado sobre o touro, símbolo das forças instintivas animalescas, havia-se convertido em Sol Invictus; os pitagóricos procuravam o número de ouro e colocavam nos astros a permanência passada e futura das almas; os neoplatónicos acentuavam o alcance da alegoria da caverna e valorizavam mais do que nunca o mundo das ideias puras; os gnósticos de todas as vertentes denunciavam a usurpação do Grande Arconte em detrimento da Pistis Sophia.

Para o Catolicismo todo e qualquer outro ponto de vista passa a ser considerado herético. E a história passou a saber o que significavam as heresias para os Católicos, e a conhecer como eram resolvidas. Em 382 a Igreja decretou a pena de morte para os hereges. E Santo Agostinho era a favor.

Patrícios romanos tornaram-se bispos por uma questão económica, da mesma forma que nos séculos depois do primeiro milénio d.C. os lugares cimeiros na hierarquia católica eram muito cobiçados pelas famílias nobres. Mas a partir do momento em que o bispo de Roma afirmou a sua presença, e em que à volta dele se constituiu uma hierarquia ciosa das suas prerrogativas, o dogma tornou-se unitário, o ritual comum, a administração centralista. Já em conflito com os cristãos do oriente, que até ao século XI não se separam, a Igreja Romana devia afirmar a sua personalidade e para isso, não apenas manifestar um imperialismo conquistador, mas eliminar qualquer tentativa de heterodoxia, devendo fazer passar estas tentativas por heresias abomináveis.

Um evangelho apócrifo é o evangelho de São Tomé. Nele Jesus afirma: “se não vos conhecerdes, então estareis na pobreza”. Isto é gnóstico, em que o caminho de cada discípulo é despertar Cristo dentro de si, para chegar ao Pai. Todo o cerimonial cristão hoje praticado teve de introduzir, para sobreviver, elementos das religiões pré-cristãs. Um dos casos que conhecemos bem no Norte de Portugal e Galiza é o do Cristianismo Celta. Por outro lado, hoje sabe-se que os Nazarenos eram uma confraria iniciática, gnóstica, ligada ao cristianismo primitivo e relacionada com os Essénios. No Ato dos Apóstolos tanto Jesus como São Paulo são apelidados de Nazarenos. No entanto, não existem quaisquer indícios de haver na época uma cidade chamada Nazaré.


O cristianismo popular no caso da tradição celta, é preciso lembrar que as histórias escritas que se conhecem, em que o acervo principal diz respeito às sagas irlandesas, foram redigidas na era cristã, porque como sabemos, os celtas não tinham escrita nem queriam saber escrever. A sua tradição assentava na oralidade e numa forma especial de memória. É por essa razão que o conhecimento do druidismo, a religião que precedeu o cristianismo no noroeste da Península Ibérica, é necessário para compreender o cristianismo nas terras por onde os celtas andaram. Mas tiremos o cavalinho da chuva, porque pouco vamos saber o que era afinal o druidismo. A Igreja romana não podia tolerar a existência de comunidades célticas independentes e, de certa forma, autogeridas. E como o poder espiritual da Igreja romana se confundia cada vez mais com o poder temporal, a luta empreendida por Roma contra as cristandades célticas tomou um cariz político.

O cristianismo celta, com as suas particularidades bem marcadas, nasceu de circunstâncias muito precisas suscitadas pelo facto de a Irlanda ter ficado completamente fora do Império Romano e por essa razão não ter sido afetada nem pela romanização, nem pela primeira vaga missionária dos discípulos de Cristo. Todo o ciclo do Graal é efetivamente um ensaio de síntese entre tradição druida e tradição judaico-cristã. Tudo isso, apesar de envolto no nevoeiro dum imaginário desenfreado, deve, contudo, corresponder a uma certa realidade profunda. O primeiro ponto de concordância é de ordem histórica, ou melhor, mítico-histórica, ligado ao tema do Graal. Há na tradição gnóstica a personagem de José de Arimateia que no momento da descida da cruz teria recolhido o sangue de Cristo nu cálice de esmeralda talhado na pedra luminosa que se encontrava outrora na testa de Lúcifer.

A identidade e a especificidade de uma civilização, antiga ou moderna, só se torna reconhecível no caso de nela se encontrar uma tradição transmitida de geração em geração e que lhe sirva de testemunho essencial. Esta tradição agrega a memória de um povo ou de um grupo de povos que vivem em condições equivalentes ou semelhantes. Ora, ficou assente de forma definitiva na nossa cultura que a História, que é a história da humanidade, só é digna desse nome depois da escrita. Ou seja, sempre se privilegiou a escrita, por esta ser o meio mais seguro e mais fiel para conservar a memória do passado. É por isso que a tradição celta envolve uma grande dificuldade de abordagem quando se está limitado à tradição oral e aos vestígios materiais, seja em objetos das mais diversas utilizações, sejam em vestígios de monumentos e de traços simbólicos gravados nas pedras que o tempo preservou.

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

A linguagem dos animais


O facto de a espécie humana ter começado a domesticar animais há mais de dez mil anos, e por conseguinte, isso implicar em princípio algum grau de comunicação humana-animal, é discutível se conseguimos falar com os animais. Para efeito de comunicação animal dentro da mesma espécie podemos dizer que eles falam entre si numa linguagem própria. Se pudéssemos passear à vontade por dentro da Amazónia, ficaríamos espantados com o barulho dos animais. A comunicação tem lugar a todos os níveis, em todas as formas. Se pudéssemos descodificar completamente esta sinfonia de sinais, a nossa compreensão do mundo animal de certeza que seria muito diferente daquela que o vulgar ser humano, que não se dedica ao estudo animal nos seus habitas naturais, é capaz de compreender. A maioria dos padrões de comunicação animal já vem pronta de nascença, está registada geneticamente. É, por isso, ainda mais fascinante e estranhamente bela, pela magnitude da sua complexidade.


Hoje sabemos que muitos animais, como por exemplo os elefantes, comunicam por meio de sons que o nosso ouvido não capta. São sons de baixa frequência, mais rápidos e menos retardados por obstáculos, permitindo aos elefantes ouvirem-se a muitos quilómetros de distância. Pensa-se que as proeminências almofadadas que formam as patas dos elefantes sejam recetores sensíveis, capazes de detetar vibrações de sons subliminares. É esta capacidade de ser mais sensível aos sons de baixa frequência que explica porque é que cães e gatos, e outros mais, detetam antes de nós os tremores de terra e tsunamis. Mas no outro extremo do espetro sonoro, nos ultrassons (os sons de frequência mais alta) temos golfinhos, aves e insetos, o que está muitas vezes associado com formas de ecolocalização, como é o caso dos morcegos.

Nos oceanos os cetáceos produzem uma larga gama de sons. A água salgada transmite os infrassons melhor do que a água doce. O grito da baleia azul viaja milhares de quilómetros pelo mar alto. Os golfinhos têm assobios especiais que funcionam como nomes. A baleia corcunda canta canções longas e complexas nos seus locais de reprodução.


Mas não é só de sons que se faz a comunicação entre os animais. Odores e cores são também meios frequentes de comunicação. A formigas, por exemplo, deixam rastos de feromonas que conduzem as companheiras às fontes de alimentação. As feromonas de alarme provocam comportamentos de ataque. Nos cães a urina serve para marcar território. Doninhas e texugos raramente são atacados, tal é o fedor que emitem para se defenderem dos predadores. A cobra-do-leite, por exemplo, mimetiza as cores da cobra venenosa coral, com forma de melhor se defender. E então a dança das abelhas para comunicar onde se situam as melhores flores para fazer o mel é impressionante.  A velocidade da dança e o número de ciclos por minuto indicam a distância a que a fonte de néctar se encontra da colmeia.