sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Leis da apostasia em alguns países islâmicos


Nem todos os países são amigáveis para aquelas pessoas que deixaram de acreditar na religião que lhes foi transmitida à nascença e desejam sair. O mapa anexo mostra os países onde de alguma maneira as pessoas são punidas: nos países pintados a vermelho, um apóstata é punido com a morte; pintados a castanho, sofre pena de prisão e perda da custódia dos filhos e do matrimónio; pintados a laranja, comete crime quem tentar converter um muçulmano a outra religião, com pena agravada se for para ateísmo.

A Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos considera a mudança de religião um direito humano legalmente protegido pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. A Comissão observa que a liberdade de "ter ou adotar" uma religião ou crença implica necessariamente na liberdade de escolher uma religião ou crença, incluindo o direito de substituir a sua religião ou crença atual por outra ou para adotar pontos de vista ateístas (Atos de coação que prejudique o direito de ter ou adotar uma religião ou crença, incluindo o uso de ameaça de força física ou sanções penais para obrigar crentes ou não-crentes a aderir a determinadas crenças religiosas e congregações, ou a abjurar de sua religião ou crença, ou se converter).

Etimologicamente ‘apostasia’, do grego “estar longe” tem o sentido de um afastamento definitivo e deliberado de alguma coisa, uma renúncia de sua anterior fé ou doutrinação. Ao contrário da crença popular, não se refere a um mero desvio ou um afastamento em relação à sua fé e à prática religiosa. Pode manifestar-se abertamente ou de modo oculto. Dependendo de cada religião, um apóstata, afastado do grupo religioso no qual era membro, pode ser vítima de preconceito, intolerância, difamação e calúnia por parte dos demais membros ativos. Os casos daqueles países islâmicos são casos extremos, como por exemplo a Arábia Saudita.

O direito canónico católico diferencia a apostasia da heresia e do cisma. Enquanto a heresia diz respeito a crenças apócrifas, e o cisma a uma dissidência quanto à autoridade, a apostasia é o afastamento definitivo, muitas vezes com estrondo e grande mal-estar. Mas estes conceitos deixaram de ter interesse para o Papa a partir do Concílio Vaticano II, na medida em que passou a reconhecer a liberdade das pessoas de escolherem uma ou nenhuma religião, de acreditar ou não acreditar.

Ainda assim, em 2010, a Associação Ateísta Portuguesa, promoveu uma campanha de apostasia coincidindo com a vinda de bento XVI a Portugal. Alegava que havia ainda algumas pessoas batizadas que não se sentiam confortáveis com a conotação católica. Assim, fizeram circular uma minuta que os candidatos a apostasia podiam preencher e enviar para a respetiva paróquia, onde supostamente o seu nome seria riscado dos livros de batismo.

Há muitas pessoas que não vão tão longe, dar o passo da apostasia, dizendo apenas que são católicos embora não praticantes. Mas Frei Bento Domingues diz que já não faz sentido distinguir entre católicos praticantes e católicos não-praticantes. Não praticantes de quê? De ir à missa? De rezar e fazer o sinal da cruz? Ou apenas de receber os sacramentos?

Diz-se que hoje vigora um paradigma pós-secular. As pessoas até podem acreditar num ser divino que está para além de nós e nos ultrapassa. Todavia, não praticam uma religião. Pós-secular é mais um jargão académico para significar que já não faz sentido a dicotomia religioso/secular. Isso foi no tempo do processo de secularização das sociedades ocidentais e que ainda não era reconhecida a categoria de “crente sem religião”. Num inquérito realizado no fim do século XX, em Portugal 80% das pessoas eram católicas porque a hipótese “crente sem religião não existia. E assim a melhor acomodação era ser católico pela tradição do país.

Hoje já há em Portugal uma larga camada de população que fazem uma socialização católica primária e depois se distanciam sem mais nenhum questionamento. Predomina a indiferença e falta de fé. Por outro lado, surgiram novas formas esotéricas de vivência espiritual que ainda não recebera o devido reconhecimento público para serem faladas abertamente.



Cristóvão Ferreira (c. 1580-1650), o jesuíta português que inspirou o filme “Silêncio” de Martin Scorsese, 2016, cometeu apostasia após ser torturado nos expurgos anticristãos do Japão, chocou os jovens jesuítas ao ponto de não acreditaram que ele, o último chefe da Companhia de Jesus no Japão, não tenha querido morrer como um mártire, à semelhança de muitos outros missionários. Nascido por volta de 1580, em Zibreira, Torres Vedras, foi enviado para a Ásia, onde foi missionário no Japão de 1609 a 1633, tornando-se o chefe dos jesuítas sob a opressão do shogunato Tokugawa. Em 1633, Cristóvão Ferreira foi capturado e cometeu apostasia depois de ser torturado por cinco horas. Tornou-se o mais famoso dos "padres caídos", mudando seu nome para Sawano Chuan. Em 1636 escreveu um livro intitulado A Deceção Revelada, e participou em julgamentos governamentais de outros jesuítas capturados. Morreu em Nagasaki em 1650.

Em A Deceção Revelada, ele afirmou que Deus não criou o mundo e que além disso o mundo nunca tinha sido criado. Nem o inferno, o paraíso ou a predestinação. O cristianismo foi uma invenção. Pagamento de missas e indulgências, excomunhão, leis dietéticas, a virgindade de Maria, eram tudo disparate. A Ressurreição de Jesus foi um conto desprovido de razão, ridículo, escandaloso, uma brincadeira; sacramentos e confissões não tinham sentido; a Eucaristia uma metáfora, o Juízo Final uma ilusão inacreditável.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Ler Heródoto e ver pintura de Gérard David em Bruges. Sisamnes – o juiz esfolado vivo às ordens de Cambises II


Segundo Heródoto, Sisamnes era um juiz real, corrupto, da época do reinado de Cambises II da Pérsia. Ele aceitou um suborno num julgamento e pronunciou uma sentença injusta. Como resultado, Cambises ordenou que fosse preso e a seguir que fosse esfolado vivo. A pele foi usada para estofar o assento da cadeira onde Sisamnes se sentava para proferir as sentenças, cadeira onde o filho teve de se sentar, substituindo-o no seu lugar. Assim, Ótanes levaria em conta a origem da pele sempre que tivesse de deliberar e dar as suas sentenças.

Sisamnes foi o tema destas duas pinturas de Gérard David – O Julgamento de Cambises e A Pele de Sisamnes, ambos de 1498. Juntos, formam o díptico de Cambises. É uma pintura a óleo sobre carvalho, que se encontra em Bruges, no Museu Groeninge. Serviu de referência aos magistrados e funcionários da câmara para os encorajar a serem honestos. Uma apologia pública à detenção do imperador Habsburgo, Maximiliano I, em Bruges, 1488. Na zona superior direita da cena do esfolamento, pode observar-se o filho de Sisamnes e a cadeira, agora envolta com a pele esfolada.