«Depois que voltei, certa vez, um editor de jornal, quando eu saía para uma chamada “grande reportagem”, advertiu-me: "Helena, ao falar com a fulaninha, não deixe de olhar para os pés dela, os dedos, como toma café, tudo, isso é que é importante, mais do que o que ela disser. Jornalismo é isso, o colorido, as fofocas"»
«Como, no caso, se tratasse de uma excelente atriz, inteligente, com várias coisas a dizer, não resisti em ponderar para o tal editor (que mais tarde cairia em desgraça): “Fulaninho, jornalismo é isso para você. Pode ser que tenha razão. Inclusive como sua repórter tenho de fazer o que você me pede. Mas te asseguro que para o La República, de Roma, jornalismo pode ser outra coisa; para o Expresso, de Lisboa, uma outra; para o Libération, de Paris, ainda outra, e o The Guardian, de Londres, também. Para só te citar alguns. Então, fulaninho, seja mais humilde, diz que você quer isso, porque a tua opinião sobre jornalismo é isso.” Também eu não fui humilde na resposta e ele certamente quis me esganar com os olhos. Mas era impossível, mais uma vez, engolir aquela ideia de uma verdade indiscutível, com que se tenta impor como universal um ponto de vista particular. No Brasil, a forte influência do jornalismo americano, supostamente imparcial, sem conotações políticas, verdadeiro, contribuiu muito para a difusão desse mito do jornalismo sem ideologia, sem cor, puro. Que, a propósito, de puro geralmente não tem nada. Como se a verdade revelada em cada linha não se ligasse à luz utilizada, ao local onde você escolhe colocar a câmara.»
A partir da primeira intifada, em 1987, foi implementado o sistema de permissão de acesso a Jerusalém, ao que o governo de Israel denomina território judeu. Depois, em 1988, proibiu a viagem de Gaza à Cisjordânia e vice-versa. Isso até hoje só é possível em datas e casos especiais, com autorização. Outra data marcante foi 1991; com a Guerra do Golfo, Israel, que é aliado dos Estados Unidos, se sentia entre inimigos e, vendo-se ameaçado de todos os lados, quis fechar mais as fronteiras. O sistema de permissão de acesso ao território israelita ficou mais rigoroso e individualizado. Desde 2000, quando aconteceu a segunda revolta palestina contra a ocupação, o cerco se fechou ainda mais. E com a construção do Muro de Israel, a partir de 2002, os palestinos dizem que vivem numa prisão a céu aberto.
Os atentados suicidas começaram em 2001, pelos chamados homens-bomba, e mulheres-bomba também, do Hamas, da Jihad Islâmica e da Brigada dos Mártires de Al-Aqsa. Em 2006, uma mulher-bomba, com 57 anos, Fátima Omar Mahmud Al-Najar, era mãe de 9 filhos e avó de 41 crianças. Dias antes de cometer suicídio, Fátima havia participado no cordão humano formado por dezenas de mulheres palestinas em torno da mesquita de Beit Hanun, em Gaza, para proteger militantes palestinos sitiados por soldados israelitas. No dia 3 de novembro de 2006, o exército de Israel atirou contra mulheres e crianças que estavam ali com a justificação de que os homens estavam tentando fugir vestidos de mulheres. O exército ocupou Beit Hanun por duas semanas. Dezanove pessoas morreram, a maioria mulheres e crianças. No dia 23 de novembro, Fátima se aproximou de um grupo de soldados e detonou os explosivos. Ela morreu e cinco militares ficaram feridos.
Junto ao muro da Cidade Velha de Jerusalém há bastante judeus ortodoxos, roupa preta e cabelo com tranças a cair à frente das orelhas, com o livrinho da Torá pertinho dos olhos. A rua movimentada é a Jaffa Road, uma rua comercial famosa da cidade. Vê-se que há uma boa mistura de judeus e árabes por aqui. Os árabes que estão aqui moram ou trabalham na cidade, porque a maioria que vem dos territórios ocupados não pode circular por Jerusalém. Eles têm um destino certo, e se forem apanhados fora do itinerário são mandados de volta e podem até ser presos. A Cidade Velha ou Cidade Antiga de Jerusalém é retangular e cercada por uma enorme muralha. Em 1981, o lugar foi nomeado pela Unesco Património Mundial da Humanidade. Foi construída, provavelmente, pelo rei Salomão, entre 1000 e 900 a.C. Existem oito portões. A cidade concentra os principais locais sagrados e está dividida em quatro partes: a judaica, a cristã, a arménia e a muçulmana.
O bairro cristão está na parte noroeste. A Basílica do Santo Sepulcro é o lugar mais visitado, junto com a Via Dolorosa, o caminho percorrido por Jesus. A sudoeste, está o bairro arménio. O bairro muçulmano fica a nordeste, onde estão localizadas as duas mesquitas — a Cúpula da Rocha e a Mesquita de Al-Aqsa — e o Haram Ash-Sharif, chamado pelos judeus de Monte do Templo. O bairro judeu fica a sudeste, onde também ficam o monte Sião e o túmulo do rei David. Para entrar no bairro árabe tem de se encontrar o portal de Jaffa. As ruas da Cidade Velha são bastante estreitas e cheias de gente, muitos turistas, europeus, muitos africanos, orientais, gente de todos os lugares. E, além dos lugares sagrados, lojas, árabes ou beduínos que veem a alma das pessoas através dos olhos, muitas lojinhas de lembranças ou recordações.
Já é final de tarde. Os trabalhadores estão voltando para casa, e é hora também de nós regressarmos a Belém, o nosso hotel. O autocarro está lotado. São palestinos bastante simples que encontram serviço braçal em Jerusalém. A maioria trabalha na construção civil, como pedreiro. Muitos trabalham, inclusive, em assentamentos ilegais, construindo casas e prédios em terras palestinas, em terras que foram tomadas deles mesmos. No checkpoint, a mesma rotina: descemos, mostramos os documentos e, desta vez, temos de trocar de autocarro.