terça-feira, 30 de novembro de 2021

O mundo simbólico



O símbolo não é apenas um reflexo dos ritmos da vida e de fenómenos naturais, porque um símbolo revela sempre qualquer coisa mais do que os aspetos da vida e natureza. Símbolos e mitos não revelam os fenómenos naturais em si, mas a sua transcendência. O Sol é mais do que o sol. A Lua é mais do que a lua. Assim como a noite não é apenas o lado oposto do dia. Desde o início da humanidade que o símbolo aparece como uma criação da mente humana. Isto torna-se ainda mais evidente quando se recorda que a função de um símbolo é justamente a de revelar uma realidade inacessível aos outros meios de conhecimento. É o caso da coincidentia oppositorum, ou a unidade dos opostos. A coincidência dos opostos é tão abundantemente e tão simplesmente expressa pelos símbolos, à revelia da lógica do terceiro excluído que diz que uma coisa só pode ser: verdadeira ou falsa. Ora, a coincidência dos opostos está presente em todas as culturas do passado. E na atualidade, o 'binário' tem os dias contados. O Co
smos não é acessível à experiência imediata do Homem. Nem ao pensamento discursivo.

O pensamento simbólico precede a linguagem e a razão discursiva. O símbolo revela os aspetos mais profundos que desafiam qualquer outro meio de conhecimento. Imagenssímbolos e mitos - não são criações irresponsáveis da mente humana; respondem a uma necessidade, e preenchem uma função. Põem a nu as mais secretas modalidades do ser do homem primordial. Este homem primordial afirma-se sobretudo como um arquétipo impossível de realizar em qualquer existência humana. Esta é a parte não histórica do Ser que Platão nos apresentou em devido tempo. O diferendo que se estabeleceu entre Platão e Aristóteles com a sua lógica do terceiro excluído perdurou até aos dias de hoje, com uma radicalidade muito mais frequente do que se possa imaginar.

Curandeiros, xamãs, padres, heróis - ou os soberanos de mandato divino - são os mandatários do Sagrado para restabelecer as comunicações com o Céu. E isso por causa de uma enorme falta, queda (pecado) de um paraíso primordial perdido. Uma falta é extremamente importante. Os tais Padres da Igreja do século IV, os sucessores da Igreja primitiva, avaliaram o interesse da correspondência entre as imagens arquetípicas primordiais e as imagens propostas pelo Cristianismo. Um dos seus cuidados mais constantes foi precisamente o de manifestar aos gentios, aos pagãos, a correspondência entre: os grandes símbolos cristãos, imediatamente expressivos e persuasivos; e os arquétipos primordiais da mente humana. Eram os dogmas da nova religião, da Boa Nova. Aos que negavam a ressurreição dos mortos, Teófilo de Antioquia chamava-lhes a atenção para os sinais que Deus colocava à frente dos seus olhos através dos grandes fenómenos da natureza. Tanto servia o ciclo dos dias e das noites, como o ciclo das estações verão e inverno. Dizia ele: "Não há uma ressurreição para as sementes e para os frutos?" Para Clemente de Roma, o dia e a noite mostram-nos a ressurreição. A noite morre, o dia nasce; o dia acaba e chega a noite.

O espírito da sabedoria utiliza as imagens para apreender a realidade última das coisas. É justamente porque esta realidade se manifesta de uma maneira contraditória que não poderia ser expressa por conceitos. A imaginação é importante para a própria saúde do indivíduo, para o equilíbrio e riqueza da sua vida interior. O homem, na sua qualidade de ser histórico, concreto, autêntico, está 'em situação' (Dasein) como diria Heidegger em Ser e Tempo. A sua existência autêntica realiza-se na história, no tempo, no seu próprio tempo. Não é o tempo dos seus pais ou dos seus conterrâneos ou de outro continente.

Não é necessariamente para regredir ao estádio animal da humanidade, para tornar a descer às fontes mais profundas da vida orgânica. O inconsciente não é apenas povoado por monstros. Fugindo à sua historicidade, o homem não abdica da sua qualidade de ser humano para se perder na animalidade; ele reencontra a linguagem e por vezes a experiência de um paraíso perdido. Os sonhos, as imagens das suas nostalgias, dos seus desejos, dos seus entusiasmos, etc., são outras tantas forças que projetam o ser humano historicamente condicionado num mundo espiritual infinitamente mais rico do que o mundo fechado do seu momento histórico. Além do mais, os monstros do inconsciente são também mitológicos, uma vez que continuam a desempenhar as mesmas funções que lhes pertenceram em todas as mitologias: em última análise, ajudar o homem a libertar-se e completar a sua iniciação.

As sociedades arcaicas e tradicionais conceberam o mundo nos limites do seu mundo fechado dominado pelo desconhecido, pelo informe ou não formado. De um lado existe o espaço habitado e organizado. E no exterior deste espaço familiar, existe a região desconhecida e terrível dos demónios, das larvas, dos mortos, dos estrangeiros; numa palavra: o caos e a morte. Esta imagem sobreviveu mesmo nas civilizações muito evoluídas. Pelo facto de atacarem e porem em perigo o equilíbrio e a própria vida da cidade, os inimigos são assimilados às forças demoníacas, pois eles esforçam-se por reintegrar o estado caótico. A conceção do adversário sob a forma de um ser demoníaco, verdadeira encarnação das forças do mal, sobreviveu igualmente até aos nossos dias. Notemos que as mesmas imagens são ainda utilizadas nos nossos dias quando se trata de formular os perigos que ameaçam um certo tipo de civilização. Fala-se nomeadamente de caos, de desordem, das trevas em que mergulhará o nosso mundo. Todas estas expressões, como bem se vê, significam a abolição de uma ordem, de um Cosmos, de uma estrutura. 

Para o mundo arcaico em geral, os inimigos que ameaçavam o microcosmo eram perigosos não tanto como seres humanos (em si) mas porque encarnavam as forças hostis e destruidoras. É muito provável que as defesas dos lugares habitados e das cidades tenham começado por ser defesas mágicas; pois estas defesas eram dispostas mais para impedir a invasão dos espíritos maus do que o ataque dos humanos. Mesmo muito mais tarde na história, na Idade Média, por exemplo, os muros das cidades eram consagrados ritualmente como uma defesa contra o demónio, a doença e a morte. Além do mais, o simbolismo arcaico não encontra qualquer dificuldade em assimilar o inimigo humano ao demónio, ou à morte. Afinal, o resultado dos seus ataques, quer sejam demoníacos, quer militares, é sempre o mesmo: a ruína, a desintegração, a morte.

Para a Apologética Cristã, as Imagens estavam carregadas de signos e de mensagens; elas mostravam o sagrado por intermédio dos ritmos cósmicos. A revelação trazida pela fé não destruía as significações primárias das Imagens. Juntava-lhes simplesmente um novo valor. Sem dúvida que para o crente este novo significado sobrepunha-se aos outros, transformada em revelação. Era a Ressurreição de Cristo que importava, e não os indícios que a natureza dava. Na maior parte dos casos, não se compreendiam os sinais sem primeiro se professar a fé em Cristo. Como se sabe, Cristo é símbolo e não homem. O homem de carne e osso era o Jesus de Nazaré. Cristo era outra coisa, segundo todas as tradições religiosas do Crescente Fértil, numa extensão entre o Egito e a Pérsia. Mas até podemos ir mais longe, à Índia, onde o símbolo da Árvore Cósmica tinha o mesmo significado que a Cruz pata os Cristãos. A Imagem da Cruz não fazia outa coisa senão prolongar no Cristianismo um velho mito universal.

Sabe-se que o xamã desce aos infernos para procurar e trazer a alma do enfermo, quando não estafermo, que foi arrebatada pelo demónio. Orfeu desce também aos infernos para trazer a sua mulher, Eurídice, que morrera. Existem mitos análogos em sítios de todos os continentes, da Europa à Polinésia, passando pela Ásia, África e América. Foi na Ásia central que os europeus fixaram o mito do xamã e a conceção do xamanismo. Aqui o mito é parte constitutiva de uma literatura oral de estrutura xamânica. Conta-se que um herói desce aos infernos para recuperar a alma da esposa morta. E o mesmo acontece nos mitos polinésios. Orfeu é o músico domador de feras, o médico, o poeta e o civilizador. Reúne exatamente as funções que cabem ao xamã das sociedades primitivas. Este é mais do que curandeiro e especialista das técnicas extáticas. Ele é também o amigo e senhor das feras, imita as suas vozes, transforma-se em animal. Jesus, agora é Jesus que desce aos Infernos, para salvar Adão, para restaurar a integridade do homem caído pelo pecado através da mulher, de Eva. 

O transe xamânico restabelece a situação de homem primordial: durante o seu transe, o xamã recupera a existência paradisíaca dos primeiros humanos, que não estavam separados de Deus. De facto, as tradições falam-nos de um tempo mítico em que o homem comunicava diretamente com os deuses celestes; escalando uma montanha, uma árvore, uma liana, os primeiros homens podiam subir realmente e sem esforço, ao Céu. Os deuses, por seu turno, desciam regularmente à Terra para se misturarem com os Humanos. Em consequência de um acontecimento mítico qualquer (geralmente uma falta ritual), as comunicações entre o Céu e a Terra foram cortadas (a Árvore, a liana, foram cortadas), e o Deus retirou-se para o fundo do Céu. Mas o xamã, por meio de uma técnica de cujo segredo é detentor, consegue restabelecer (provisoriamente e só para seu uso particular) as comunicações com o Céu e retomar o diálogo com Deus. Por outras palavras, consegue abolir a história (todo o tempo que decorreu após a queda, após a rotura das comunicações diretas entre Céu e Terra); volta para trás, reintegra a condição paradisíaca primordial. Esta reintegração de um illud tempus mítico opera-se no êxtase. O êxtase xamânico pode ser considerado quer como condição, quer como consequência da recuperação da condição paradisíaca. Em qualquer dos casos, é evidente que a experiência mística dos primitivos está dependente também da reintegração extática do Paraíso.

É justamente esta perenidade e esta universalidade dos arquétipos que salvam em última instância as culturas, tornando ao mesmo tempo possível uma filosofia da cultura que seja mais do que uma morfologia ou uma história dos estilos. Toda a cultura é uma queda na história; e é, simultaneamente, limitada. É nas Imagens que o africano ou o indonésio redescobrem os arquétipos do homem primordial. E o mesmo se passa nas restantes culturas. O que, para um Ocidental, é belo e verdadeiro nas manifestações históricas da cultura antiga, para um habitante da Oceania o valor é outro, porque, manifestando-se em estruturas e estilos condicionados pela história, as culturas auto limitaram-se. Mas as Imagens que as precedem e as informam permanecem eternamente vivas e universalmente acessíveis. Um europeu dificilmente admitirá que o valor espiritual geralmente humano e a mensagem profunda de uma obra-prima grega, 

A imagem da Vénus de Milo, por exemplo, para um europeu culto e atual, é uma obra-prima da arte grega clássica. Mas para um guinéu da Papua é a mulher que a imagem revela. E, portanto, não conseguirmos sequer ter em conta esta simples verdade de facto. Portanto, as Imagens constituem aberturas para um mundo trans histórico. Falou-se muito da unificação da Europa medieval pelo Cristianismo. Isto é sobretudo verdadeiro se se pensar na homologação das tradições religiosas populares. Foi através da hagiografia cristã que os cultos locais foram reduzidos a um denominador comum. Devido à sua cristianização, os deuses e os lugares de culto da Europa inteira receberam não só nomes comuns como encontraram de certo modo os seus próprios arquétipos e, por conseguinte, as suas valências universais.

Os filósofos, desde o Positivismo Lógico, pelo menos, que consideram a vida mágica e religiosa da humanidade arcaica como um amontoado de superstições pueris fruto dos medos ancestrais, ou da estupidez primitiva. Mas este julgamento de valor contradiz os factos. O comportamento mágico ou religioso da humanidade arcaica revela uma tomada de consciência existencial do homem em relação a si próprio, e ao Universo. Na dita superstição, estava já implícita uma metafísica, mesmo que ela se exprimisse através de símbolos ou signos em vez de conceitos. Uma metafísica, aqui, significa uma conceção global e coerente do mundo ou da realidade. Não tem nada a ver com os ritos e rituais da série de gestos instintivos regidos pela mesma e fundamental reação do animal humano perante a Natureza. 
O símbolo, em si próprio, exprime a tomada de consciência de uma situação limite.

Para o pensamento arcaico a separação entre o espiritual e o material não tem sentido. Os dois planos são complementares. Pelo facto de se supor que uma casa está colocada no Centro do Mundo, nem por isso deixa de ser um comodidade que responde a necessidades concretas, quer condicionada pelo clima, quer para defesa da intromissão de outros homens e animais. O simbolismo, portanto, acrescenta um novo valor a um objeto, ou a uma ação, sem danificar os seus valores próprios e imediatos. Aplicando-se a um objeto ou a uma ação, o simbolismo abre-nos as portas para outros mundos possíveis. O mundo simbólico emerge da realidade imediata, mas sem a diminuir nem a desvalorizar. O Universo não é fechado. Nenhum objeto está isolado na sua própria existência. Tudo está unido e se mantém coeso por um sistema cerrado de correspondências e assimilações. O homem das sociedades arcaicas tomou consciência de si próprio num mundo aberto e rico. É esse o significado do Sagrado.


sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Um exorcista português






Duarte Sousa Lara, [15/7/75] é um exorcista oficial da diocese de Lamego desde 2008, um dos poucos três ou quatro exorcistas acreditados em Portugal. Filho mais velho de Sousa Lara (subsecretário de Estado da Cultura de Cavaco Silva. Em 1992, este subsecretário ficou famoso ao impedir a candidatura do livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" de José Saramago ao Prémio Literário Europeu) até aos 20 e poucos, nunca tinha pensado em ser padre. Muito menos imaginava tornar-se exorcista. Era um menino da Linha de Cascais e o mais velho de cinco irmãos de uma família rica. Cresceu no Estoril, ao pé da praia, e quando acabou o curso de Gestão na Universidade Católica, o pai arranjou-lhe um lugar na administração de um grande banco. Por essa altura, pensava casar, queria ter dez filhos e comprar uma quinta com uma pista de motocrosse. Nas férias entretinha-se com o bodyboard no Guincho, as namoradas e as motas. E enquanto os irmãos iam para acampamentos católicos, ele fazia-se à estrada rumo ao Alentejo, onde uns tios tinham um monte.

Numas férias de verão, clique deu-se em Fátima. A mensagem mariana mexeu com ele: o céu existe, o inferno também, é preciso rezar, muita gente vai para o inferno porque ninguém faz nada e a coisa não está famosa. A partir desse Verão, começou a rezar o terço e a ir à missa todos os dias e passou por vários movimentos católicos. Meteu na cabeça que havia de ser santo, mas um santo moderno: havia de casar, ter os dez filhos e comprar a quinta com a pista de motocrosse. Sempre que ganhasse uma prova nas motas – o sonho era aparecer na revista favorita, a “Motojornal” –, falaria ao mundo sobre as coisas de Deus. Seria, portanto, um santo de mota que bebia Coca-Cola, comia gelados Santini e ia à praia do Guincho. 
«As pessoas têm uma imagem da santidade um bocado deformada. Pensa-se que ser santo é fazer penitência e rezar muitas horas, mas ser-se santo é amar em tudo o que se faz, a única coisa incompatível com o amor é o pecado. Quem ama não mata, não rouba, não mente. Tudo aquilo que é honesto é matéria-prima para me santificar e eu percebi que Deus precisava e precisa de santos normais no meio do mundo.
Fiquei muito triste quando senti a necessidade desse caminho porque, se eu fosse para padre, não poderia fazer nada do que tinha planeado para a minha vida. Quem é que iria ser santo a ganhar provas de mota? Quem iria ser santo a comer pastéis de Belém e a ir para o Guincho? Eu tinha construído um plano que achava perfeito. Nessa altura, estava a meio do curso de Gestão na Católica e comecei a perder horas de sono. Quando abria a Bíblia ao acaso, calhava-me sempre a passagem do jovem rico – a história, repetida em três evangelhos, do rapaz rico que pergunta o que é preciso para ir para o céu. 
Num dia de anos, véspera de terminar a licenciatura, juntei a família. Na festa, antes de apagar as velas, fiz o anúncio: “Amanhã acabo o curso e a seguir vou para o seminário.” O meu pai respondeu logo que não era nada que não se estivesse já a adivinhar, mas não gostou da ideia. Tinha outros projetos para mim, e até já me havia arranjado um lugar na administração de um grande banco.»
Duarte Sousa Lara havia decidido que, quando acabasse o curso, experimentaria o seminário durante um ano. Com a esperança e a certeza de que não daria certo. Mas, assim, ficava de consciência tranquila. “Ninguém o podia culpar por não ter tentado: ia para o seminário, eles percebiam que ele não tinha jeito para aquilo, e mandavam-no embora. Ficaria tudo bem. À medida que o curso de Gestão ia chegando ao fim, a vontade de ser padre aumentou e, antes de embarcar para São Paulo, no Brasil, para estagiar num grande banco, já sabia que a carreira não passava por ali. Não demorou muito tempo até que Duarte Sousa Lara embarcasse num avião com destino a Roma: não queria estudar teologia em Portugal, porque achava que muitos professores não ensinavam o catecismo católico como ele realmente é. Como bom gestor, foi a Itália fazer um “estudo de mercado” sobre as universidades que havia. Enviado pela diocese de Lamego, acabou na Santa Croce, a universidade da Opus Dei. E um semestre depois de acabar o curso, já estava a dar aulas, ao mesmo tempo que acabava o doutoramento.

Quando conseguiu encontrar-se com o exorcista oficial de Roma, encheu-se de coragem. “Não me pode ensinar?”, perguntou-lhe. O padre Gabriele Amorth, que foi apresentado acima, neste artigo, é de poucas conversas, olhou-o com estranheza. “Ó rapaz, tu és seminarista. Para te ensinar terias de ser, no mínimo, diácono.” Duarte Sousa Lara, acabado de chegar para estudar Teologia na Universidade de Santa Croce, da Opus Dei, insistiu. “Posso então ir consigo ver um exorcismo?” Amorth, consentiu. E foi assim que o seminarista se juntou ao grupo de leigos que o acompanhavam e apoiavam nas sessões de expulsão do demónio. Duarte Sousa Lara passou a segui-lo para toda a parte. Sete anos depois, tornou-se padre e teve de pedir autorização ao bispo da diocese de Lamego – que o tinha mandado para Roma para se formar – para continuar a acompanhar o exorcista. O bispo concordou e, enquanto dava aulas na universidade e preparava a tese de doutoramento, ajudava Amorth nos exorcismos. Passaram dez anos juntos. “Ele simpatizou comigo, senão não me deixava ficar tanto tempo, mas a verdade é que não me dava muita conversa. Eu era um miúdo que estava ali. De vez em quando, lá explicava uma coisa ou outra, do género ‘agora vamos ter um caso em que toda a família está mal’, e pouco mais”.

Em 2008, a diocese pediu-lhe que regressasse a Portugal para trabalhar em três paróquias, mas Sousa Lara queria mesmo era continuar a fazer exorcismos. O bispo aceitou nomeá-lo exorcista oficial da diocese, ainda que com uma condição: teria de assegurar, ao mesmo tempo, o trabalho nas três igrejas que lhe destinara inicialmente. Quase todas as pessoas que lhe escrevem, desesperadas e com sintomas estranhos, são católicas não praticantes. E a maioria andou em bruxos, adivinhos e videntes. Outras foram vítimas de bruxarias. Para perceber a origem dos distúrbios, o exorcista começa por conversar com os exorcizados. Há quanto tempo começaram os sintomas? Alguma coisa mudou, nessa altura? As respostas não costumam variar: “As pessoas recuam no tempo e percebem que ou se zangaram com alguém ou mudaram de emprego, e isso suscitou inveja, ou se casaram contra a vontade de um sogro ou de uma sogra e, pelo meio, apareceu um sapo com a boca cozida à porta de casa. Ouço destas histórias às dezenas.”

A 20 de Março de 2008, e pouco tempo depois de regressar definitivamente a Portugal, foi nomeado exorcista oficial da diocese de Lamego. Desde então, tem autonomia para fazer os rituais. Sempre que encontrava um caso de perturbação diabólica, tentava resolver o problema, mas o bispo tinha de autorizar os exorcismos um a um, porque Sousa Lara só tinha permissão para exorcizar em Roma. 

Pároco de três pequenas freguesias – Folgosa, Desejosa e Valença do Douro, e professor no Instituto Superior de Teologia Beiras e Douro, membro da Associação Internacional dos Exorcistas – tem de preservar o seu recato. Até as missas serem celebradas em vernáculo, todos os batizados eram exorcizados. A fórmula atual do batismo seria chocante tratar as crianças como estando possessas, com toda a gente a perceber, uma vez que se passou a usar a língua comum. As "vítimas", através de "malefícios", são as que pedem ajuda ao demónio para fazer dano, para fazer mal a alguém, produzem os tais casos que o procuram: os mais típicos são invejas no trabalho, problemas com vizinhos, familiares, às vezes partilhas, heranças. Foram vítimas de um malefício, por inveja, por maldade. E que de repente começam a ter problemas físicos, espirituais, a ouvir coisas, ver coisas, desmaiar, entrar em transe. Começam a ir ao hospital, fazem exames e a perceber que o problema deles não é fisiológico, não é clínico.

Os sintomas da possessão, Duarte Sousa Lara trabalha de perto com um psiquiatra e um psicólogo, com quem discute os casos. E que lhe enviam pacientes que não conseguem tratar. “Pessoas que, mesmo debaixo de medicação fortíssima, continuam a desmaiar ou a ter distúrbios muito graves”. Com o avançar das sessões, os sintomas começam a desaparecer porque o demónio vai enfraquecendo, até decidir ir-se embora. Os sintomas da influência e da possessão diabólica são, por vezes, difíceis de identificar: distúrbios fisiológicos e psicológicos que a medicina não consegue explicar. Muitas vezes, os possessos começam a adivinhar coisas, falam em línguas estranhas, desmaiam sem ter doenças diagnosticadas, têm alucinações. "O demónio age muito sobre os sentidos”. São comuns os casos de pessoas que ouvem estalos e barulhos de noite, veem vultos, sentem cheiros anormais e têm dores de cabeça persistentes e incapacitantes que não passam com nenhum tipo de medicação. Depois, há os distúrbios ligados à casa: ouvir o som de torneiras abertas sem que haja água a correr, eletrodomésticos que se ligam e desligam sozinhos. Nos casos mais graves, os exorcizados entram em transe e não se recordam de nada do que aconteceu ou do que disseram nas sessões. Há quem precise de ser amarrado. Duarte Sousa Lara tem uma cama de hospital para as situações mais delicadas. E mesmo assim, são precisas várias pessoas a segurar. “Ganham uma força inexplicável”. No exorcismo, é o diabo quem fala pela pessoa. Grita, ameaça, cospe, morde, goza. “Alguns até cantam.”

Quando começou a fazer os exorcismos, as freiras que vivem na parte de cima do edifício queixaram-se. Aquilo não podia continuar: todos os dias, um aparelho elétrico diferente rebentava: ora era o micro-ondas, ora a máquina de lavar. Até que o quadro elétrico da casa pura e simplesmente ardeu. “Fui lá, rezei com elas e nunca mais voltou a haver problemas”, conta o exorcista Sousa Lara. Garante, aliás, que nunca teve questões de maior com o diabo. “O demónio é como aqueles cães muito pequeninos que ladram muito, mas depois fogem a correr”, garante. Uma vez, num exorcismo, foi ameaçado de morte: “Vou-te fazer cair da mota”, disse-lhe o demónio. Ignorou-o completamente e continuou a andar à vontade pelos montes em redor de Lamego: “Continuei a cair, como já tinha caído antes.” Nenhum católico praticante deve, aliás, ter medo. “O demónio tem muito receio das pessoas que andam com Deus”, garante o exorcista. Talvez por isso, Sousa Lara nunca passou por nenhum episódio digno de filme de terror fora dos exorcismos. “É muito cansativo. Isto suga, consome muitíssimo, como se fosse um desporto violento".

Os pedidos de socorro foram aumentando ao longo dos anos e Lamego passou a receber cada vez mais pessoas desesperadas e vindas de todas as partes do país. Sousa Lara ainda tentou tratar do assunto como mandam as regras: “Com a autorização do meu bispo, escrevia cartas aos bispos das dioceses das pessoas." Explicava que estavam mal, que precisavam de ajuda e perguntava se seria possível que um padre as acompanhasse, de maneira a não terem de fazer tantos quilómetros até Lamego.” Alguns bispos lidaram mal com o pedido. Houve quem lhe escrevesse de volta a dizer que estava enganado e que as pessoas não precisavam de acompanhamento nenhum. Outros foram-se mesmo queixar ao bispo de Lamego. “Um dia, o meu bispo chamou-me e disse-me: ‘Não escrevas mais diretamente aos bispos. Manda as cartas para mim, que eu depois entrego-as.’”

 Em 2016, Duarte, apresentava um currículo de "200 possessões graves", 60 das quais ainda não "resolvidas" à época. Contabilizava uma média de 25 "possessões graves" por ano e uns impressionantes 20.800 pedidos de ajuda. Os casos graves precisam, sobretudo, de paciência. “Há situações que demoram anos a resolver, mesmo com várias sessões e missas diárias.” Entre cada exorcismo, é preciso fazer trabalho de casa: “Confissão uma vez por mês, comunhão e missa diárias, terço e oração de libertação também todos os dias. Isto é o mínimo que se tem de fazer entre cada sessão e, se as pessoas não cumprirem isto, não continuo os exorcismos”. Dando-se a conhecer num site na internet. Diz:
«Não faltam práticas supersticiosas que temos à nossa volta: o espiritismo, o reiki, os curandeiros, os bruxos, os adivinhos, o rock satânico . . . Com a secularização surgiram muitas formas de superstição. As pessoas recorrem a bruxos, tarots, magos, etc., e isso do ponto de vista espiritual abre-as a distúrbios de origem diabólica que vão para além das simples tentações - já não são as tentações de sempre, são coisas estranhas. Portanto, foi um ministério que deixou de ser preciso e que agora volta a ser preciso de uma maneira mais urgente. Encontramos mais pessoas que precisam de exorcismo, de aconselhamento nesta área.»
«O nosso equilíbrio espiritual está muito ligado à oração, que é fundamental para a união com Deus. É como num namoro: se dois namorados não se encontram e não falam, a relação não pode ter grande futuro. As pessoas não sabem, mas é obrigatório os padres andarem sempre identificados. O sacerdócio é um ministério público e temos de estar prontos e disponíveis para receber qualquer pessoa que precise de um padre, a qualquer hora e em qualquer lugar.»

«Tento ter uma vida equilibrada. À segunda é o meu dia de retiro, à terça estudo para poder pregar, à quarta é o dia do correio e de ler os novos pedidos de ajuda, à quinta faço direção espiritual e confissões e às sextas são os exorcismos.»

Tem fama de austero e acorda todos os dias às seis da manhã. Meia hora depois, já está a rezar. A oração dura até às oito da manhã. Antes do almoço, já está outra vez a rezar o terço – todos os dias reza um rosário (quatro terços). Ao final do dia celebra uma missa e reza as vésperas e, a seguir ao jantar, volta a rezar. Pelo meio, trabalha. A rotina é muito diferente da de alguns padres católicos, que não rezam tanto quanto deveriam. Também ao contrário de muitos padres, faz questão de andar sempre de batina preta – só a despe para dormir e andar de mota. Por causa da batina, já confessou pessoas em todo o tipo de sítios. Até no aeroporto, enquanto esperava pelas malas. Até podia andar só com o cabeção, como a esmagadora maioria dos colegas, mas gosta de citar um amigo que uma vez lhe disse, em Roma: “Gosto que se veja à distância que sou padre.”

Na luta contra o demónio, os três exorcistas da Igreja portuguesa não têm mãos para tantos casos. E, em Lamego, o excesso de trabalho obriga a uma agenda disciplinada e planeada ao minuto. Apesar de a Igreja Católica continuar a defender, no catecismo, que o inferno e o demónio existem e que a oração do exorcismo é eficaz, muitos padres, especialmente os mais jovens, não acreditam. Por isso, há quem olhe para ele como se fosse um lunático – apesar de o Papa Francisco ter chamado a atenção, nos últimos dois anos, para a importância do combate ao demónio. Apesar de tudo, também houve reações positivas por parte do clero português. Um bispo, depois de receber uma das cartas, decidiu nomear um exorcista oficial para a sua diocese.

Um exorcista italiano



Gabriele Amorth [1925 – 2016], exorcista italiano da Diocese de Roma, e exorcista chefe do Vaticano, realizou dezenas de milhares de exorcismos ao longo dos seus sessenta anos como padre. Recebeu a Medalha da Libertação em 2016 pelo Prefeito de Roma na presença do Ministro da Defesa de Itália pelo importante papel que desempenhou na luta partidária contra os nazis em 1943. Amorth é um S.S.P., sigla que significa membro da Congregação “Sociedade de São Paulo”. Congregação religiosa Católica fundada em 20 de agosto de 1914 em Alba, Piemonte. Oficialmente aprovada pela Santa Sé em 1949. A sociedade é um dos dez institutos religiosos de leigos fundados pelo sacerdote Giacomo Alberione, que o Papa João Paulo II abençoou em 2002.

Amorth nasceu em Modena, e ordenado padre católico em 1954. Em 1986 passou a ser um exorcista oficial, e em 1990 fundou a Associação Internacional de Exorcistas. Contudo, tal associação só foi reconhecida pelo Vaticano, através do Papa Francisco, em 2014. O Exorcista, filme de 1973 de William Peter Blatty, e dirigido por William Friedkin, era o seu filme favorito. Em outubro de 2000, foi relatado que ele havia realizado mais de 50.000 exorcismos (que variavam de "alguns minutos" a "várias horas" de duração). Em março de 2010, ele disse que o número havia aumentado para 70.000. Em maio de 2013, ele disse ter realizado 160.000 exorcismos durante todo o seu ministério. De acordo com Amorth, cada exorcismo não representa uma vítima de posse, mas sim cada exorcismo é contado como uma oração ou ritual sozinho, e algumas vítimas de posse exigiram centenas de exorcismos. Ele acreditava que uma pessoa podia estar possuída por mais que um demónio ao mesmo tempo. Quando perguntado se o diabo pode atacar dentro da Cidade do Vaticano, Amorth afirmou: "Ele já tentou. Ele fez isso em 1981 atacando João Paulo II.

Amorth escreveu duas memórias do seu tempo como exorcista - Um Exorcista Conta a Sua História; Um Exorcista: Mais Histórias. Contando a sua experiência como exorcista, os livros também incluem referências aos ensinamentos oficiais católicos sobre demonologia. Ambas incluem referências ao diagnóstico e tratamento de problemas espirituais. Os livros abordam brevemente os tópicos de contração demoníaca e maldições. Uma maldição pode-se originar de coisas como maledicências por parentes próximos, um hábito de blasfémia, adesão à Maçonaria, práticas espirituosas ou mágicas, e por aí adiante. Amorth explicou que nunca realizaria um exorcismo baseado apenas nas alegações de posse de alguém; sempre direciona as pessoas para psiquiatras e médicos primeiro, e que quando ele vê que alguém não está possuído, mas a pessoa ainda insiste, ele responde: "Você não tem diabo. Se você tem um problema, fale com um bom veterinário. O yoga, ele é citado, é satânico porque leva à prática do hinduísmo. Todas as religiões orientais são baseadas numa falsa crença: a reencarnação. E "praticar yoga é satânico, leva ao mal. Assim como ler Harry Potter. Quanto ao Desaparecimento de Emanuela Orlandi, Amorth alegou que a estudante italiana, que desapareceu em Roma em 1983, foi sequestrada para uma festa sexual por um gangue envolvendo a polícia do Vaticano e diplomatas estrangeiros. Ele disse que ela foi assassinada mais tarde e feito desaparecer o seu corpo. 

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Bruxo! Disse ela

 

Ao procurar no Google o sítio da minha companhia de seguros entrei por engano num sítio dito “Mundo ageas”, com letras garrafais dizendo: “Bem-vindo a um mundo de serviços”. Depois verifiquei que me tinha enganado, mas tive curiosidade, já agora, que serviços eram esses? E é de facto um mundo! Tem de tudo: desde pilates e aulas de yoga; explicações de alemão, aulas de guitarra; extensão de pestanas e limpezas da casa; investigação privada e tradução de filipino; pichelaria, instalação e configuração de router; cantores e aluguer de insufláveis para festas; vidente . . .




Dentro do espetro das ideias delirantes encontramos desde variantes benignas chamadas ideias sobrevalorizadas ou superestimadas, até ao fanatismo puro e duro. Essas ideias costumam ser exageradas por sobrevalorização emocional ou psicológica, que pode ocorrer em qualquer indivíduo. Portanto, é necessário ressalvar, que nem toda a crença delirante, do ponto de vista lógico e racional, tem de ser necessariamente patológica. Até as constituições dos países, as cartas para os direitos humanos, ou catecismos religiosos, podem incluir ideias sobrevalorizadas e, todavia, ninguém se atreve a dizer que são exageradas. Os cientistas também podem cultivar ideias superestimadas afetivamente que decorre do seu amor à profissão, ou à sua paixão pela pesquisa científica sem outros interesses. As ideias supervalorizadas ou crenças exageradas não são delírios, nem comportam nenhum fanatismo. Para realçar as diferenças, existem outros sinais e sintomas que fazem parte de quadros clínicos psicopatológicos bem definidos pelas perícias técnico/especializadas de nível internacional.

fanatismo e o espírito de seita dizem respeito a ideias supervalorizadas mais contundentes e exuberantes, organizadas num sistema que espelha fielmente aquilo que entendemos por sectarismo. Trata-se da adesão afetiva incondicional a certas ideias prevalentes em grupos restritos das sociedades em geral. Veja-se neste momento o caso dos chamados 'negacionistas' em relação às vacinas e à covid-19. O que importa a esse respeito é saber que ideias erróneas por superestimação afetiva, ou ideias supervalorizadas, representam uma variedade atenuada das chamadas ideias delirantes, que na maior parte dos casos pode corresponder a problemáticas predisposições da personalidade para desvios psicopatológicos. 

Para a formação de ideias delirantes são necessários alguns elementos favorecedores. Pode ser uma personalidade prévia vulnerável e problemática, seja por traços de marcante histrionismo (extrema sensibilidade afetiva); tendência para a paranoia e teorias da conspiração; ou mesmo devido a problemas funcionais cerebrais que vão desde epilepsias a tumores cerebrais. Acontece sempre ocorrer numa situação emocional frágil, problemática e vulnerável inserida num ambiente cultural que ofereça os ingredientes culturais a condizer.

O processo mental que caracteriza uma ideia delirante é bastante similar ao do pensamento mágico. Toda a infância é povoada de pensamento mágico, num grau maior ou menor. As ideias delirantes aparecem em certas pessoas como tentativa de manipular frustrações ou vicissitudes e tensões da vida real. Trata-se de fantasiar de forma elaborada desejos que a vida real não pode satisfazer. No entanto, tornam-se patológicas se essas fantasias se tornarem incompatíveis com uma convivialidade saudável. Uma pessoa com marcante e desmedida ambição pelo poder, por exemplo, dependendo da estrutura de sua personalidade, pode ser altamente nefasta quando leva outras pessoas a acreditarem nela ao ponto de os elegerem democraticamente. 

Um outro aspeto a ter e conta nestes processos mentais é o da sugestão, que contribui para reforçar a adesão a ideias condicionadas por fenómenos de influência, seja de ordem ideológica no caso da política, seja de ordem espiritual no caso dos cultos religiosos. A pessoa que vivencia uma realidade diferente e estimulada por outra pessoa pode ser influenciada por sugestão. Em termos gerais, todos nós somos sugestionáveis em algum grau e isso equivale a dizer que o ser humano é, essencialmente, um imitador. É como a força da persuasão publicitária, ou da moda que ninguém tem a veleidade de contestar sob pena de ser ridicularizada. A propaganda e o marketing só se viabilizam porque tomam por base a sugestionabilidade humana. Mas convém esclarecer que a sugestão não tem nada a ver diretamente com o delírio ou ideias delirantes. Nessas situações não está em causa a perda da livre vontade e do pensamento lógico. A hipnose é uma espécie de lavagem ao cérebro que depende do grau de sugestionabilidade da pessoa. A sugestão será tão mais forte quanto mais vulnerável a pessoa for emocionalmente. Mas, seja qual for o grau de sugestionabilidade ou de influência, como não se trata de delírio nem de ideia delirante, será possível mais facilmente a pessoa reassumir o seu sentido do real. A autossugestão é a mesma coisa que a sugestão, porém, tem como mola propulsora os elementos psíquicos internos, embora motivados por valores culturais. Sugestão e autossugestão podem ser vivenciadas por pessoas excessivamente tímidas com perda de autocontrolo por ansiedade que no limite pode provocar crises de pânico. 


***

«Na sala do rés-do-chão, está frio. Um pequeno aquecedor elétrico trava a sua batalha desesperada contra as correntes de ar que passam através da porta. E o homem idoso que entra, ligeiramente curvado, com uma pasta na mão, avisa de imediato: "Não vou tirar o casaco". É um espaço despido. Uma mesinha de madeira muito simples ao centro, algumas cadeiras dos anos sessenta e uma poltrona castanha das que se usavam há trinta anos, com braços de madeira, costas levemente inclinadas e revestimento de tecido acastanhado a fazer lembrar, de uma maneira impiedosa, o mobiliário socialista dos países de Leste. Estranho, porque aquelas pessoas são portadoras de males que a ciência médica não compreende ou reconhece, nem consegue curar. Nem aqueles que deveriam ter alguma familiaridade com essas maleitas, como são os psicólogos e psiquiatras, porque não há pachorra para abrir uma porta para o 'além' da matéria, para o sobrenatural.

Um homem que, em 1976, se licenciou em medicina, quase por procuração, porque beneficiou da bonomia daqueles tempos da brasa, daqueles tempos do PREC, e das passagens administrativas com apto, é conhecido como o 'bruxo', mas na verdade é mais parecido com um exorcista. Nas paredes há pouca coisa, um diploma apenas. É um homem com ar mefistofélico, nunca nenhuma piada no seu discurso. Um poço de recordações, de histórias, de experiências Diz que não tem telefone móvel, não tem Internet, não vê televisão, nem lê jornais. De muitas coisas, nada agradáveis, os seus pacientes o informam. A sensação de entrar num mundo diferente, numa dimensão que não é a habitual, é intensa. E torna-se cada vez mais forte, à medida que os pacientes desenrolam o fio das suas histórias, caindo em transe, seres gritantes, de cuja boca saem baba e blasfémias, dotadas de uma força tal que nem seis ou sete pessoas conseguem imobilizá-las, sendo necessário amarrá-las para impedir que façam mal a elas próprias e aos outros. Depois voltam ao seu normal, calmas, logo que termina o estado de transe.

A sensação destes dois universos que caminham lado a lado, muito próximos, que de vez em quando se tocam, num curto-circuito dramático, por causa da presença de um poder maligno e palpável, na sala despida, no rés-do-chão daquele edifício na periferia da cidade dos arcebispos, cidade do quartel-general dos milagreiros, e não só. Quando a memória não o socorre, vêm em sua ajuda as recordações indeléveis dos exorcistas. Uns manuscritos redigidos com uma máquina de escrever de um compadre antigo, que outrora fora jornalista, ou melhor, encarregado dos horóscopos e dos “borda de água” do jornal. Cuido de omitir o nome das pessoas envolvidas, para evitar qualquer possível identificação. Há os que contaram as experiências, pessoalmente vividas numa sala repleta de geringonças. Há os colegas de curso, e os colegas de ofício, mais empenhados na maledicência contra ele, na guerra contra o adversário, do que em conversa construtiva. Sigilo profissional dos seus ex-colegas de faculdade. E sigilo das suas vítimas.» 

 

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Estados de Transe e Possessão


Os estados de transe e possessão, não necessariamente considerados delírios, muito embora possam estar divorciados da realidade lógica, no entanto
 pessoas possuídas, não estão livres de preencherem os critérios do delírio. O delírio pode ser secundário a distúrbios cerebrais muito sérios, em que as psicoses e a demência são exemplos paradigmáticos, mas é claro que não podemos atribuir o diagnóstico de delírio a todas as pessoas que se deixam possuir em cultos religiosos. As epilepsias temporais, as mais estudadas, aparecem no DSM-5: “Os delírios religiosos têm estado especificamente associados, em alguns casos, à epilepsia do lobo temporal.”

 
Para a maioria das pessoas em transe e possuídas pelo demónio temos de pensar em fenómenos de influência espiritual dos cultos religiosos. Alterações do pensamento, e não da percepção como as alucinações, podem ser variados, mas os sintomas persecutórios são os mais constantes. Uma outra consideração do DSM, diz respeito à constante presença de aspetos atípicos em psicoses secundárias a alterações orgânicas. É atípica nesses casos, por exemplo, a idade do início das alucinações. A ocorrência de alucinações olfativas e gustativas sugere Epilepsia do Lobo Temporal. Na mesma linha das disritmias cerebrais (epilepsias) estão os casos de enxaqueca, episódios de visão de luzes brilhantes definidos como aura. 

Os casos de Síndrome de Tourette são os mais fascinantes do ponto de vista do diagnóstico. É sobre este síndrome que recai a maioria dos casos com o rótulo de possessão pelo demónio. Mais raramente também pode acontecer com a Esquizofrenia, e quadros depressivos bipolares ou acompanhados de sintomas psicóticos. Isso tudo sem falar dos maiores clientes de espíritas e demónios: os histriónicos – em suas mais variadas apresentações. Os portadores da Síndrome de Tourette são aqueles que falam línguas estranhas, a chamada glossolalia. Algumas crises neurológicas, neuropsiquiátricas ou psiquiátricas propriamente ditas, podem manifestar-se por uma sensação de horror e medo, por violentas convulsões e quedas aparatosas, a falar “línguas estranhas”, enfim, sintomas culturalmente atribuídos ao diabo ou outras entidades igualmente poderosas. O delírio, por exemplo, assim como as alucinações, ocorrem universalmente em pacientes psiquiátricos de todo o mundo, assim como também é universal a teatralidade dos histriónicos ou as palavras estranhas que falam, e assim por diante. O avanço dos conhecimentos da neurociência vem permitindo que esses pacientes possam ser tratados adequadamente, ao invés de serem considerados como iluminados, paranormais, mediúnicos ou tocados por algum espírito, superior ou inferior, dependendo das conveniências. Acontece que nem sempre há interesse cultural para que todos esses casos sejam tratados, mas essa é uma outra questão.

Não obstante os sintomas básicos das doenças mentais serem uniformes e universais, apresentam nuances conforme o contexto cultural. Delirar e alucinar com isto ou aquilo, ou seja, determinar o tema do delírio, dependerá do conteúdo cultural de cada um. E, mesmo assim, muitos casos continuam objeto de controvérsia, especialmente quando a envolvência cultural da pessoa favorece a interpretação demoníaca. Há um problema de saúde mental coletiva em meios fechados do mundo rural. Os padres e as chamadas figuras de virtude, pejorativamente chamadas de bruxas ou feiticeiras, têm um valor assistencial e psicossocial inquestionável dentro das chamadas camadas populares. Em zonas desassistidas a todos os níveis sociais, e que a saúde não é exceção, são estas entidades organizadas no seio do povo que desempenham o papel que as instituições oficiais do Estado não conseguem cumprir satisfatoriamente.

O saber psiquiátrico, como todo o saber médico em geral, é hoje essencialmente um saber de ciências académicas, com paradigmas espelhados em suas realidades e teorias socioculturais e económicas que nada têm a ver com o estádio de desenvolvimento cultural de certas populações mais isoladas. Tudo isso resulta numa progressiva aculturação que se reflete igualmente no modelo assistencial psiquiátrico. O resultado é a confusão e o distanciamento cada vez maior da realidade autóctone: uma oposição de paradigmas - de um lado o saber científico que é dominante; e do outro a tradição e o saber popular temperado pela religião.

Estando a pessoa em estado de êxtase - falamos em Transe de Inspiração. É o caso, por exemplo, do dom de “falar línguas estranhas”. Falar línguas estranhas, também chamado glossolalia, constituiu um elemento marcante da doutrina pentecostal, portanto, fortemente cultural. Trata-se de uma evidência do batismo do Espírito Santo. Segundo os pentecostais, e alguns antropólogos, tal fenómeno classificado em experiência extática, é devido ao estado de êxtase, ou de enlevação. Todos esses casos são classificados como Distúrbios Dissociativos de Identidade, caracterizados pela presença de dois ou mais estados distintos de personalidade ou uma experiência de possessão e também com episódios recorrentes de amnésia. Diga-se que a manifestação é histriónica quando essa fragmentação da identidade, que pode variar entre as diversas culturas, se faz acompanhar de transe dissociativo. A Psiquiatra Transcultural incide particularmente o seu interesse pelos fenómenos deste género a um nível mais coletivo, quando estão inseridas em práticas de cariz religioso. Enquanto o transe dissociativo envolve o estreitamento da consciência quanto ao ambiente imediato, com comportamentos ou movimentos estereotipados vivenciados como estando além do controlo do indivíduo, o transe de possessão envolve a substituição do sentimento costumeiro de identidade pessoal por uma nova identidade, atribuída à influência de um espírito, ou divindade, ou outra pessoa, e associada com movimentos estereotipados.

Embora o problema da religiosidade tenha sido sempre uma preocupação universal, a religião é um reflexo de uma necessidade psicológica, individual e coletiva. O sentimento religioso é uma necessidade de caráter íntimo e pessoal. De facto, a psicopatologia procura limitar a religião à sua natureza fisiológica, tal como uma necessidade psicológica conveniente e sadia. Quando adequada, a religiosidade pode atender a um propósito terapêutico ou, ao contrário, se inadequada pode refletir uma situação clínica patológica, uma eventual ocorrência mórbida e regressiva. A religiosidade e o exercício religiosos são fisiológicos se culturalmente adequados. Entre as variáveis capazes de tornar o fenómeno religioso patológico estão, por exemplo, a intensidade e o grau de obsessão do pensamento místico, a perda da noção dos limites que existem entre o pensamento mágico e o lógico, e a consciência pessoal que as questões da vida prática foram emancipadas da influência divina. 

Embora o estado psicopatológico envolva o uso da razão, por outro lado ele não coloca a pessoa exclusivamente atrelada, ou à forma lógica, ou à forma mágica do pensamento. A Psiquiatria também não preconiza que a pessoa deva rechaçar crenças que não sejam determinadas por motivos racionais. Não pede para extrair conclusões exclusivamente a partir daquilo que é racional e objetivo. Que existem crenças alienantes e patológicas já se sabe, mas identificá-las e estabelecer relações entre essas crenças patológicas com motivos mórbidos internos e particulares de cada um não é tarefa que caiba à ciência. A crença, em si, é um ato de consentimento subjetivo. E com a crença religiosa passa-se a mesma coisa. A fé não se discute.

O exercício do pensamento mágico, e da religiosidade, é um atributo da pessoa psiquicamente livre. Psiquicamente, a pessoa sadia recorre voluntária e espontaneamente aos pensamentos mágicos, sejam eles simples devaneios, fantasias eróticas, ou de natureza metafísica e mística. Porém, ao mesmo tempo, a pessoa livre e sadia também é portadora de uma capacidade voluntária, arbitrária e espontânea de parar com esses pensamentos mágicos e voltar, prontamente, ao pensamento lógico indispensável à lide com a vida e com a realidade. A pessoa psiquicamente sadia sabe, exatamente, onde começa o pensamento lógico e termina o pensamento mágico. Na doença psíquica, no entanto, fica seriamente comprometida essa consciência, sendo difícil e/ou impossível ao paciente fazer com que o seu pensamento transite voluntariamente entre o mágico e o lógico e vice-versa.

Há pessoas emocionalmente propícias ao desenvolvimento de crenças patológicas, sejam essas crenças elaboradas por essas próprias pessoas como uma necessidade interior de alívio para angústias e desesperos, sejam as crenças induzidas por outras pessoas. De modo geral, quanto maiores são as angústias, mais facilmente se recorre ao pensamento mágico. Isso ocorre fisiologicamente nas pessoas normais, porém, diante de situações psíquicas patológicas, a “opção” para o pensamento mágico pode tornar-se absolutamente impositiva.

A predileção pelo pensamento mágico pode-se dar em vários graus: desde uma simples crença, passando pela fé, pelas ideias supervalorizadas, até ao delírio e fanatismo. Isso significa que a simples crença pode privilegiar a mágica sobre a lógica discretamente, sendo possível sair do mágico para o lógico com facilidade. No delírio, porém, há um grau maior de submissão da lógica ao mágico, tornando basicamente impossível o retorno voluntário ao pensamento lógico. Então, para saber se a pessoa está totalmente, parcialmente ou ligeiramente submissa aos seus pensamentos mágicos, devemos saber se essa pessoa tem ou não delírios. Os delírios são os mais graves causadores da soberania do pensamento mágico. É a Psiquiatria quem estuda as patologias que originam delírios que causam o domínio absoluto do mágico sobre o lógico.

A Psiquiatria procura saber diferenciar a sugestionabilidade determinada por razões culturais, ou seja, diferenciar a pessoa que se sente possuída por entidade espiritual durante um culto religioso, da de um delírio. Durante um culto religioso, a pessoa vivencia um entorno místico, podendo ser induzida a aderir a algum tipo de pensamento mágico, cujo conteúdo não será totalmente estranho à outras pessoas que comungam a mesma crença ou o mesmo espaço cultural.

A grande habilidade dos líderes religiosos consiste em saber diferenciar os casos que comportam uma qualquer psicopatologia e encaminhar para tratamento médico. E ficar com os casos sensíveis aos tratamentos informais, ou seja, espirituais. Talvez seja essa a questão eminentemente cultural, que diferencia entre o tratamento da doença e o tratamento da pessoa. E, de facto, algumas pessoas podem ser beneficiadas mais com os tratamentos populares e religiosos, do que com os tratamentos médicos.

***

O tema do Transe e Possessão abordado segundo a Psiquiatria Transcultural tem como objetivo separar o trigo do joio, ou seja, qualificar o que é patológico no âmbito da fenomenologia das possessões com o rótulo de sobrenatural, sob o patrocínio de uma religião. E do que não passa apenas de uma questão cultural, a representação da realidade do mundo psíquico nos limites da normalidade. A Psiquiatria Transcultural procura identificar os quadros mentais específicos de determinada cultura, e separá-los da doença psiquiátrica reconhecida por consenso nos quadros classificativos e inscritos no “Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais” = DSM-5.

É o caso, por exemplo, do conceito de possessão demoníaca ou Diabo no Corpo, uma condição de agitação de determinadas pessoas, sobretudo do sexo feminino, que são levadas a um padre especializado em exorcismos para serem exorcizadas. Os casos de Diabo no Corpo são o mesmo que as famigeradas epidemias de possessão demoníaca das bruxas que a Europa assistiu durante a Idade Média. Ainda hoje, dependendo da cultura da comunidade em questão, esses quadros de possessão vão aparecendo. No entanto, apesar de tais rompantes de possessões poderem acometer pessoas psiquicamente normais, embora momentaneamente fragilizadas psiquicamente e que a Psiquiatria Transcultural reconhece, esses quadros podem acometer pessoas com quaisquer outras perturbações mentais, incluindo as psicoses.

Alguns pacientes com Epilepsia do Lóbulo Temporal ou Epilepsia do Sistema Límbico podem sofrer exóticas mudanças de personalidade de forma repentina, durante as crises ou entre as crises. Esses quadros de mudanças de personalidade, quando emergem, comumente começam por ser interpretados pelo público como um episódio de êxtase místico, tendo em conta o seu enquadramento religioso. A sua valoração patológica ou mística é mais de ordem cultural. É muito raro a comunidade científica meter-se nestes assuntos diretamente. Mas os casos que são acompanhados de alucinações devem ser classificados como psicóticos, independentemente de serem decorrentes dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral sobre o cérebro, ou não. As alucinações podem ocorrer em qualquer uma das cinco modalidades dos cinco sentidos, isto é, podem ser visuais, olfativas, gustativas, táteis ou auditivas, mas alguns fatores etiológicos tendem a provocar fenómenos alucinatórios específicos. Assim, as alucinações olfativas, especialmente aquelas envolvendo o odor de borracha queimada, enxofre ou outros cheiros desagradáveis, são altamente sugestivas de epilepsia do lobo temporal.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

As facetas do Demo



Mia Couto, no conto "Um gentil Ladrão" - uma alegoria a estes tempos de Covid-19 - em que um velho solitário é visitado por um agente sanitário, e pensa que é um ladrão: confunde o termómetro com uma pistola. "Abro a Porta. É um homem mascarado. Ao notar a minha presença, ele grita: 'Três metros, fique a três metros'. Se é um assaltante, está com medo. Esse temor inquieta-me. Ladrões medrosos são os mais perigosos. [...] Então me vem à cabeça o nome da doença de que fala o visitante. Conheço bem essa doença. Chama-se indiferença. Era preciso um hospital do tamanho do mundo para tratar essa epidemia".

O Papa Francisco terá dito: "Se um padre se aperceber de genuínos distúrbios espirituais ... não deve hesitar em encaminhar a questão àqueles que, na diocese, são encarregues deste ministério delicado e necessário, a saber, os exorcistas". Os psiquiatras ficaram preocupados, mas depois acrescentou: "Naturalmente, deve-se ter o discernimento para se saber separar patologias psiquiátricas de possessões diabólicas, mas o fenómeno é real e em crescimento. Médicos, psicólogos e psiquiatras devem ser consultados se for apropriado, e a libertação deve ser acompanhada de cuidados pastorais contínuos e realizada com um mínimo de publicidade."

As diretrizes, atualizadas em 2012, referem que "o ministério de exorcismo e libertação só pode ser exercido por um padre autorizado pelo bispo diocesano". O documento acrescenta que os sacerdotes devem ser treinados em libertação de almas e que não devem praticar o ato de exorcismo sozinhos. Devem ainda estar cobertos por um seguro.

Em maio de 2013 o Correio da Manhã escrevia que "o gesto do Papa Francisco no domingo, na Praça de São Pedro, que muitos classificaram como exorcismo, mas que o Vaticano desmente, reabriu um debate tão antigo como o Cristianismo, mas que a Igreja tenta, a todo o custo, fugir. Afinal, há ou não exorcismos e estes são ou não atos sacramentais reconhecidos pela Igreja Católica? Perante a dúvida, o porta-voz da Santa Sé, o padre Federico Lombardi, veio negar este facto, dizendo apenas que o Papa tinha rezado sobre um homem possesso. Mas o padre Gabriele Amorth, que durante muitos anos foi o exorcista da diocese de Roma, disse o contrário, acusando Lombardi de não saber do que falava. A dúvida ficou instalada, mas o que o Papa parece ter feito foi apenas uma oração de libertação, algo que também integra o rito do exorcismo.

O exorcismo, ou esconjuração do Diabo, é reconhecido pela Igreja, existe mesmo um ritual para a sua celebração e, por norma, as dioceses têm mesmo um padre, devidamente autorizado pelo bispo, a quem cabe a missão de expulsar o maligno das pessoas possuídas. No entanto, em Portugal, não é explícito o número de exorcistas a título oficial, embora conste que haja em Braga, Lisboa, Porto, Lamego, Viseu, Guarda, Évora e Açores. Quase nenhuma o admite, referindo os responsáveis que "essas coisas são resolvidas de forma pontual e caso a caso".

Em 2018 o Diário de Notícias dava conta que o Vaticano abria curso de exorcismo, para padres, por considerar que casos de possessão demoníaca estavam a aumentar em todo o mundo: «A Associação Internacional de Exorcistas, que é apoiada pelo Vaticano, e representa mais de 200 padres católicos, anglicanos e ortodoxos, disse que esta procura por exorcismos representa uma emergência pastoral.» O curso de exorcismo foi aberto com a lectio magistralis do cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, dedicada a Maria, que luta contra o Reino de Satanás.

Entre os conferencistas estava o padre Cesare Truqui - aluno do grande exorcista padre Gabriele Amorth. Truqui, considera que existem demónios especializados, mas que a possessão demoníaca é algo muito raro e que a esmagadora maioria das pessoas que o procuram têm problemas psiquiátricos. Das características mais distintivas dos possessos refere-se a fala de línguas estrangeiras sem que tenham sido aprendidas; uma força descomunal; conhecimento de coisas impossíveis de se conhecerem sem ser por contacto direto, como dizer o que alguém a grande distância tem vestido naquele momento. Outro "sinal" mencionado é o de reagir com grande violência a "coisas sagradas" - e ao próprio exorcismo. Para ele, "a luta contra o maligno, iniciada na origem do mundo, é destinada a durar até ao fim dos tempos”. 

Hoje estamos numa fase crucial da História, em que, depois de a ciência se ter imposto sobre a maioria das superstições e crendices sortidas, está a voltar de uma forma surpreendente toda uma série de ideias e crenças completamente insensatas, ao ponto de este Papa Francisco, que não costuma ter "papas" na língua, também não tem para estes assuntos de gente endemoniada das periferias existenciais dos países civilizados. Claro que o Papa Francisco, argumenta que são pessoas que sofrem muito e, infelizmente, não estão inseridas nos registos da Igreja. Em favor deles, no entanto, é preciso rezar e intervir.

Aquilo a que se dá na religião católica o nome de exorcismo, porém, é o chamado "grande exorcismo", um rito solene levado a cabo por um sacerdote nomeado pela autoridade religiosa para o efeito e de acordo com regras estipuladas em cada diocese. O Catecismo da Igreja Católica, nº 1673 diz: «Quando a Igreja pede publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo, que uma pessoa ou objeto seja protegido contra a ação do Maligno e subtraído ao seu domínio, fala-se de exorcismo. (...) Tem por fim expulsar os demónios ou libertar do poder diabólico. (...) Antes de se proceder ao exorcismo, é importante ter a certeza de que se trata duma presença diabólica e não duma doença.»
«O rito demora mais ou menos 20 minutos no meu caso. Os casos mais leves sento-os num sofá muito cómodo e as pessoas arrotam, vomitam, torcem-se, às vezes não é preciso segurar muito. Há casos médios em que já é preciso duas pessoas a segurá-los no sofá. E há os muito graves em que tenho uma marquesa, como os médicos, em que se deitam e cinco ou seis, os familiares, o marido, o que seja, seguram a pessoa. Às vezes é preciso tapar a boca porque os demónios cospem muito, mordem e é preciso cuidado. É preciso segurar os pés, os joelhos, a cabeça, para eu conseguir rezar. Se não se consegue segurar a pessoa eu não consigo rezar porque se gera uma grande confusão. E no fim de tudo gosto de invocar o sangue de Jesus. (...) Os demónios são orientados a determinado aspeto da vida da pessoa. Quando rezamos por isso explicitamente, ui, o demónio salta-lhe a tampa. E isso acelera a libertação porque estamos a pedir a Deus, ao sangue de Jesus, que venha exatamente sobre a raiz do problema. A pessoa nos casos mais leves está consciente, nos mais graves está em transe. Quando termina o exorcismo marca-se novo exorcismo. E os ataques diabólicos vão sendo menos frequentes e mais leves. O tempo que leva depende da sinceridade da conversão.»
«A convicção de que este poder maligno está no meio de nós é precisamente aquilo que nos permite compreender porque, às vezes, o mal tem uma força destruidora tão grande. É verdade que os autores bíblicos tinham uma bagagem conceptual limitada para expressar algumas realidades e que, nos tempos de Jesus, podia-se confundir, por exemplo, uma epilepsia com a possessão do demónio. Mas isto não deve levar-nos a simplificar demasiado a realidade afirmando que todos os casos narrados nos Evangelhos eram doenças psíquicas e que, em última análise, o demónio não existe ou não intervém. (...) Então, não pensemos que seja um mito, uma representação, um símbolo, uma figura ou uma ideia. Este engano leva-nos a diminuir a vigilância, a descuidar-nos e a ficar mais expostos. O demónio não precisa de nos possuir. Envenena-nos com o ódio, a tristeza, a inveja, os vícios. E assim, enquanto abrandamos a vigilância, ele aproveita para destruir a nossa vida, as nossas famílias e as nossas comunidades, porque, "como um leão a rugir, anda a rondar-vos, procurando a quem devorar.»
A Conferência Episcopal Portuguesa, órgão máximo da Igreja Católica, remete para o respetivo site, onde especifica as regras a seguir e caso de solicitação de exorcismo. O exorcismo pode ser pronunciado em latim ou na língua do país; Sousa Lara prefere fazê-lo em português, para que as pessoas entendam o que está a dizer. Mas o que têm dificuldade em perceber, admite, é porque é que estão a sofrer assim, ou seja, porque é que o deus que ele representa permitiu que o demónio as tomasse. "Digo a essas pessoas que Deus permite o Mal porque Deus do Mal consegue tirar coisas boas. Porque se não fosse aquela história se calhar se morressem iam para o inferno. Porque viviam longe de Deus, viviam em pecado, e também por causa disso o Demónio conseguiu chateá-las."

Mencionando oito vezes o "Maligno", duas vezes "Satanás" e 12 vezes "o Demónio", o Papa Francisco afirma:
«A vida cristã é uma luta permanente, e não apenas contra o mundo e a mentalidade mundana. Ou a própria fragilidade e as próprias inclinações. É uma luta constante contra o demónio, que é o príncipe do mal. Este não é um mito, um símbolo ou ideia.»

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O culto de aflição





Nos jornais, principalmente “Correio da Manhã” e “Jornal de Notícias”, volta e meia aparecem notícias acerca do regresso dos exorcistas, que a sua procura está a aumentar. Em 2018, o bispo da diocese de Bragança/Miranda – D. José Manuel Garcia Cordeiro – revelou que havia cada vez mais pessoas a recorrerem à ajuda da Igreja Católica para se libertarem do mal e das suas dependências através do sacramento do exorcismo: "Há muitas pessoas que nos procuram a pedir ajuda e eu espero que haja mais tempo disponível para responder a estas necessidades. Este tipo de acompanhamento precisa de muita escuta e muita atenção. As pessoas com o ritmo de vida atual querem respostas imediatas, mas este processo requer fé e tempo". O exorcismo é uma celebração litúrgica, pelo que para não cair na "banalização" ou em qualquer tipo "de comercialização" tudo terá de passar pela decisão do bispo de cada diocese.

culto de aflição tem a ver com a prática popular de recorrer ao serviço do divino ou sobrenatural para resolver não apenas crises de aflição ou angústia existencial, como o medo da morte, mas também para doenças banais ou graves, quer do foro físico, quer psíquico. Pessoas aflitas em busca da resolução de problemas concretos do quotidiano. Com esse enfoque a religiosidade é usada para resolver problemas que dizem respeito a doenças, dificuldades amorosas, financeiras ou das relações familiares. Os problemas de saúde em primeiro lugar, seguido por problemas económicos e sentimentais, constituem a parte mais expressiva da aflição que leva as pessoas a procurarem uma ajuda religiosa. E essa procura será tão maior quanto mais incómodos forem os problemas e quanto mais escassas forem as condições institucionais para resolvê-los. Normalmente a religião motiva as pessoas a procurarem ajuda por causa de suas representações mágicas. Há ainda um elemento facilitador que é a conceção cultural da existência de dois tipos de doenças; as do corpo e, desafiando qualquer avanço científico, as do espírito. A religião, de modo geral, se ocupa do segundo tipo.

Quem crê no rito católico de expulsão do demónio de uma pessoa possuída, considera que a Igreja está perante uma “emergência pastoral”. Em Itália, por exemplo, noticia-se que, nos últimos anos, triplicaram os pedidos de assistência espiritual a padres exorcistas por parte de fiéis que se sentiam sob possessão demoníaca. O aumento de crentes que procuram esse tipo de ajuda regista-se também noutros países europeus e americanos. 
Cientificamente, entretanto, não podemos considerar uma religião ou seita como algo patológico, ainda que seja demasiadamente estapafúrdia em seus cultos e liturgias. Trata-se de uma questão lógica, pois a patologia é um atributo das pessoas e não das associações, seitas ou agremiações. No entanto, podemos dizer que existem algumas seitas ou religiões que são patogénicas, ou seja, capazes de desencadear ou agravar quadros psicopatológicos em pessoas predispostas, ou circunstancialmente vulneráveis.

O culto de aflição, que vai para lá das religiões, sejam elas de seita ou de igreja propriamente dita, é um assunto que tem sido estudado tanto por filósofos e teólogos, como por psicólogos sociais, sociólogos e antropólogos. É um fenómeno que transita entre a ciência e a fé, entre a objetividade e a subjetividade, entre a dúvida e a certeza. Uma das características fundamentais do ser humano é a atração pelo sublime que se traduz na sua religiosidade e capacidade para acreditar em forças invisíveis. Faz parte das suas condições de sobrevivência e desenvolvimento. E será sempre um risco que as pessoas correm, quando a crença resulta numa submissão ao desconhecido, ao grande Outro, credibilidade em aceitar o discurso do outro, que controla a mente do crente. 

Aceitando como uma necessidade antropológica, o facto de as pessoas procurarem apoio religioso diretamente proporcional à angústia que as aflige, tudo isto é visto com alguma condescendência por parte das autoridades políticas e académicas. E é assim que quem se dedica a estas práticas tem uma clientela sempre garantida pelas vicissitudes da vida, pelo sofrimento e desiquilíbrio emocional dos afetos, que desagua na angústia existencial cada vez mais premente nestes tempos de pandemias e apocalipses. 
Essas pessoas angustiadas, ou que tenham alguma fragilidade emocional, são as mais predispostas a deixarem-se influenciar pelas crenças mais estapafúrdias. E não faltam religiões canónicas ou espirituais que tentam tornar a vida mais compreensível e suportável, auxiliando as pessoas a se orientarem dentro de seus contextos problemáticos, recorrendo a todo o tipo de rituais e manobras para "exorcizar os maus olhados". O aspecto mórbido ou patológico dessas crenças está no sofrimento causado pela falsa esperança, pela expectativa frustrada que adia os tratamentos psiquiátricos necessários. Um dos perigos mais contundentes desses "cultos de aflição" é a alteração de personalidade tentada através do significado demoníaco que é atribuído ao sofrimento existencial. 

Tanto faz ser uma seita ou a religião que se professa a título oficial, todas estas atividades de culto de aflição incorrem no erro de prejudicar mais do que beneficiar o crente ingénuo e aflito. O que está em causa é o paradigma da crença. O comportamento determinado pela fé expressa-se por um rito, por uma liturgia que congrega em torno de si uma comunidade, cuja finalidade é sustentar essa mesma comunidade de cariz sectário ou religioso. 
Assim sendo, existem alguns comportamentos e liturgias que são comuns a quase todas as religiões: o pedido; a promessa; o sacrifício e a purificação; a oferenda; o pagamento da promessa. Principalmente nas religiões proféticas e monoteístas, como é o caso do cristianismo, a liturgia visa estabelecer algum vínculo entre o Deus transcendente e o homem pecador. Em geral o estigma do homem religioso é aquele “justo” e que “teme a Deus”, que descobre a sua falta e se arrepende, é um pecador que receberá o perdão.

Um dos perigos mais contundentes desses cultos de aflição é tentar alterar o significado de alguma doença para aquele que a está a sofrer. Mas os rituais não implicam a remoção definitiva dos sintomas, mas a mudança dos significados que a pessoa atribui a esses sintomas. O objetivo vai mais no alcance de uma alteração mais profunda da visão do mundo, protelando perigosamente um tratamento médico adequado. Fenómenos como a possessão pelo demónio ou por um espírito, muitas vezes são sintomas de transtornos emocionais mas, no contexto religioso a possessão e o transe são comportamentos culturalmente aceites e raramente vistos como sintomas de distúrbio mental.

Enquanto na terminologia psiquiátrica conversão significa a passagem ou o salto de um conteúdo psíquico para o orgânico, quadro que faz parte do espectro histérico ou histriónico, em religião conversão significa uma grande mudança na atitude cognitiva da pessoa. Após a conversão as pessoas percebem-se a si mesmas como mudadas em seus traços de personalidade. E na própria identidade social, incluindo vínculos comunitários, sentimentos de pertença, de papéis desempenhados e percepção do mundo ou mundividência. Entre as mudanças cognitivas operadas na conversão destacam-se as concepções de si mesmo e a aquisição de um novo sistema cognitivo do “estar-no-mundo”.

A sociedade tem momentos históricos e circunstâncias que induzem diferentes comportamentos, atitudes e desempenho de seus membros. Autoflagelações, jejuns prolongados, danças que se prolongam até a exaustão, enfim, a sociedade costuma estimular determinados modelos de comportamento e certas sugestões de suas massas. O psiquiatra e/ou profissional da área deve estar atento para diferenciar o que é interferência da cultura no comportamento e na atitude da pessoa e o que é manifestação de um processo doentio. 

Os Dons do Espírito Santo ou Carismas conforme algumas denominações cristãs, nomeadamente as pentecostais e as católicas, são diversos dons que o Espírito Santo dota os cristãos, concedendo-lhes determinadas graças para além das suas aptidões naturais e dando-lhes a oportunidade de se tornarem instrumentos especiais de Deus neste mundo, para se fortalecerem junto da Igreja e a ajudar a edificá-la. Esses dons são descritos no Novo Testamento, principalmente em I Coríntios 12, Romanos 12 e Efésios 4. Completam e intensificam as virtudes de quem os recebe. Tornam os fiéis cristãos dóceis, na obediência pronta, às inspirações divinas, apresentadas por esta ação de Deus em nós, pela qual Ele nos leva à perfeição. Realizam uma união íntima de Caridade na nossa alma, que nos leva direto a ver e a praticar o bem.

O pentecostalismo é um movimento do cristianismo evangélico que dá ênfase especial numa experiência direta e pessoal de Deus através do batismo do Espírito Santo. O termo pentecostal é derivado de Pentecostes, um termo grego que descreve a festa judaica das semanas. Para os cristãos, este evento comemora a descida do Espírito Santo sobre os seguidores de Jesus Cristo, conforme descrito no Atos 2. Pentecostais tendem a ver que seu movimento reflete o mesmo tipo de poder espiritual, estilo de adoração e ensinamentos que foram encontrados na Igreja primitiva. Por este motivo, alguns pentecostais também usam o termo Apostólica ou Evangelho Pleno para descrever o seu movimento. O pentecostalismo é um termo amplo que inclui uma vasta gama de diferentes perspectivas teológicas e organizacionais. Como resultado, não existe nenhuma organização central ou igreja que dirige o movimento. Os pentecostais podem ser inseridos em mais de um grupo cristão.

A ênfase do pentecostalismo sobre o carisma o coloca dentro do cristianismo carismático, um enorme agrupamento de cristãos que tem aceitado alguns ensinamentos pentecostais sobre o batismo no Espírito e dons espirituais. O pentecostalismo está teologicamente e historicamente próximo do movimento carismático, porque o pentecostalismo influenciou significativamente o movimento carismático, que às vezes os termos pentecostal e carismático são usados como sinónimo. 

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Arimaspos e Grifos


Um Arimaspo

Na Mitologia Grega, Arimaspos era um povo guerreiro com um só olho (o correspondente aos ciclopes de Homero na Odisseia), que viviam além das terras dos Isedones. Os Isedones eram um povo mítico que vivia ao norte do território dos CitasSegundo Heródoto, estes e os Masságetas entraram em guerra com a Cítia, deslocando os Citas para oeste causando pressão demográfica sobre os recursos naturais e os territórios dos Cimérios, na costa leste do Mar Euxino (Mar Negro), gerando uma guerra civil entre elitistas, que queriam fugir, e comuns que queriam lutar contra os Citas e morrer pelo solo ancestral sagrado. 

Os Masságetas venceram a guerra e bateram em retirada pela costa do mesmo mar indo parar ao Ponto. Os Citas foram parar ao coração da Média, através do Cáucaso. Os Medos, que já estavam enfraquecidos pelas guerras fronteiriças com os Persas, acabaram por capitular frente aos Citas. Estes passaram a controlar o centro geopolítico do mundo civilizado e conhecido na altura. Durante décadas ameaçaram invadir o Egipto, utilizando o corredor da Síria como passagem. A Pérsia, finalmente, pôde realizar o seu sonho, que foi dominar a geopolítica da região. Heródoto explica como a Pérsia chegou ao topo do mundo, quando os Persas decidiram atacar a Grécia entrando pelo norte da Trácia Oriental.


Pompeia

Os Grifos, por sua vez, na Mitologia Grega, eram criaturas lendárias de origem asiática. Um híbrido de águia e leão. Acabou por ser uma imagem comum numa ampla gama de civilizações do Oriente e do Ocidente, onde a sua representação e atributos variaram significativamente. No Oriente, no Egito e na Grécia arcaica - teve durante longos séculos uma forte ligação com o Sagrado, sendo representante de deuses e invocado em rituais e cerimónias associadas à justiça, à luz e às autoridades divinas, bem como ao ciclo da morte e renascimento.

Roma de Trajano

No Ocidente, os Grifos perduraram como um apreciado ícone, desde o seu aparecimento nos primórdios da civilização grega, embora já no período clássico havia quem duvidasse da sua existência. Permanece até hoje, porém, num lugar destacado entre os animais fabulosos do imaginário popular, na arte e no folclore, além de desempenhar um papel na cultura como alegoria e símbolo, aparecendo numa infinidade de representações visuais e obras literárias do mundo do esoterismo, geralmente associado a conceitos de poder, força, dignidade e proteção.


Veneza, São Marcos

Dizia-se que os Grifos eram inimigos mortais do basilisco – outra criatura fantástica. Em casos raros cruzavam-se com as éguas, de que resultava uma criatura fantástica chamada hipogrifo. Como aves normais, os grifos faziam ninhos, contudo, os ninhos tinham uma particularidade especial: a sua matéria-prima era feita de ouro. Surpreendentemente, em vez de ovos para chocar nos seus ninhos, de ouro, mas sim ágatas. A ágata é uma pedra de quartzo preciosa. No “mundo real”, os grifos são os abutres do Sul da Europa, que também aparecem no sudoeste da Ásia e no nordeste de África.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Os deslumbrantes países da Oceania



Tuvalu - O País menos visitado do mundo

Os 14 países da Oceania, apresentados por ordem decrescente de população, por aproximação, são:

Austrália – Camberra; 25 milhões
Papua Nova Guiné – Port Moresby; 7 milhões
Nova Zelândia – Wellington; 5 milhões
Fiji – Suva; 1 milhão
Ilhas Salomão – Honiara; 600 mil
Samoa – Apia; 180 mil
Kiribati – Tawara do Sul; 120 mil
Estados Federados da Micronésia – Palikir; 113 mil
Vanuatu – Port Vila; 275 mil
Tonga – Nuku'alofa; 101 mil
Ilhas Marshal – Majuro; 70 mil
Palau – Ngerulmud; 21 mil
Tuvalu – Funafuti; 12 mil
Nauru – Yaren; 11 mil

Todos juntos, constituem cerca de dez mil ilhas espalhadas pelo Oceano Pacífico, abrangendo uma área de aproximadamente 8,9 milhões de km2. Esse continente, ainda assim o mais pequeno, é constituído por grupos de ilhas, o maior país é a Austrália e o menor país da Oceania é Nauru, com apenas 20 km2.

Conhecidos também como Novíssimo Mundo, devido ao seu “descobrimento” ter ocorrido após a chegada dos europeus à América, chamada de Novo Mundo, os países da Oceania atraem milhares de turistas pelas suas deslumbrantes paisagens naturais. Esses países estão situados entre os oceanos Pacífico e Índico.

Ao todo, a Oceania possui 14 países e cerca de 22 dependências administradas por nações de outros continentes, não havendo entre esses territórios nenhuma fronteira terrestre. Nessas 14 nações, vivem, aproximadamente, 40 milhões de habitantes que falam diversas línguas, como castelhano, fidjiano, francês, bislamá, indonésio, inglês, maori, entre outras. A Oceania, por ser constituída por um grande número de ilhas, foi dividida em quatro regiões, a fim de facilitar as referências sobre cada território.

1) Australásia - Abarca os territórios de países como a Austrália, Nova Zelândia e Nova Guiné, que são as maiores ilhas, e também ilhas nas regiões próximas à Indonésia.

2) Melanésia - Significando “ilhas negras”, abarca os territórios das Ilhas Molucas, Nova Guiné, Vanuatu, Ilhas Salomão, Fiji, entre outros, localizados a nordeste e a leste da Austrália.

3) Micronésia - Abarca os territórios Ilhas Marshall, Kiribati, Palau, Estados da Micronésia e Nauru. Nessa região há dependências dos Estados Unidos localizadas ao norte da Melanésia.

4) Polinésia - Abarca os territórios das ilhas situadas ao sul do Oceano Pacífico, bem como as áreas de Samoa, Tonga e Tuvalu.

De modo geral, a maioria das ilhas que compõem a Oceania é originária de atividades vulcânicas e de tamanhos variáveis. Os territórios apresentam características distintas, havendo algumas regiões montanhosas e outras de relevo plano. É possível encontrar áreas em que predomina o deserto e a savana. O clima também é diversificado, podendo ser encontradas, ao longo do continente, áreas de clima árido e semiárido, subtropical e tropical. Os países foram colonizados principalmente pelos britânicos, que ainda possuem territórios no continente. A Austrália foi incorporada em 1770, e a Nova Zelândia, por volta de 1840.




Tuvalu foi notícia há dias aquando da cimeira do clima (COP26) em que o ministro fez o seu discurso para a cimeira dentro de água a dar-lhe pela cintura, e alertando que o seu país está em risco de ficar submerso devido à subida das águas secundária ao degelo do aquecimento global. Imagens de Simon Kofe, de fato e gravata, de pé num estrado montado no mar e com as calças arregaçadas, foram amplamente partilhadas nos meios de comunicação social, chamando a atenção para a luta de Tuvalu contra a subida do nível do mar.