sábado, 18 de maio de 2024

Bom senso e senso comum


O senso comum, de preferência bom, em si mesmo não tem conotações políticas, mas é algo de bom que qualquer pessoa deva ter no seu intelecto. E por maioria de razão é o que se deve esperar de um qualquer agente político.

Mas temos de considerar que não há bomsensó-metros, assim como há termó-metros. E antes que alguém me pergunte o que quero dizer com o jargão "bom senso", recomendo a leitura deste livrinho com 160 páginas de Marc De Smedt - "Elogio do Bom Senso".



É, por exemplo, a capacidade de discernir e julgar as situações da vida em sociedade, levando em consideração a diversidade hexagonal (eu, tu, ele, nós, vós, eles); a especificidade sincrónica (não anacrónica) do pensamento em cada tempo histórico. E que tudo o que se diz, e faz, pode ter muitas vezes más consequências ou efeitos devastadores.




É muito bom termos a capacidade de tomar decisões e agir de maneira prática e sensata, considerando as circunstâncias e as consequências de maneira equilibrada e racional. Trata-se de uma forma de sabedoria prática, onde as pessoas avaliam situações com base em experiências passadas, conhecimento comum e uma compreensão intuitiva das implicações de suas ações. Podemos entender o senso comum como um conjunto de crenças, opiniões, atitudes e valores que são amplamente compartilhados por uma comunidade ou sociedade. Geralmente é aceite como válido, sem a necessidade de uma análise rigorosa ou científica. O senso comum é formado e transmitido através da cultura, tradições, experiências diárias e socialização. Isto significa que resulta da interação social e é reforçado pela comunicação e pelos costumes dentro de um grupo ou sociedade.

De qualquer modo, o que é considerado senso comum pode variar de uma cultura para outra, já que é fortemente influenciado por contextos culturais e históricos. Em princípio, está assente naquilo a que chamamos: intuição. Inclui ideias amplamente aceites, não sendo facilmente questionadas ou analisadas criticamente pela maioria das pessoas. E o senso comum é atribuído no nosso dia-a-dia para as soluções práticas e imediatas de problemas que se nos deparam a toda a hora. Para isso não precisamos de rebuscar teorias ou análises profundas. Mas de um modo geral o senso comum é corroborado por ditos populares ou provérbios. Tais como: "não se devem colocar todos os ovos no mesmo cesto"; "devagar se vai ao longe, porque depressa e bem não há quem".

Embora o senso comum seja útil em muitas situações diárias, ele pode ser limitante ou inadequado em contextos que exigem uma análise mais profunda, científica ou técnica. Em algumas situações, o senso comum pode perpetuar mitos ou mal-entendidos que não resistem a uma investigação crítica ou científica.

Agora, o bom senso apresenta outras subtilezas, não apenas de semântica, mas também de racionalidade. Implica fazer escolhas baseadas em lógica e razão, evitando decisões impulsivas ou irracionais. E carece de avaliação, quer em relação à viabilidade prática das propostas, quer em relação ao balanço entre prós e os contras, ou seja, a razão custo/benefício. E nunca dispensa a revisão do histórico da experiência já adquirida. É o conhecimento adquirido ao longo do tempo que consolida a justeza das decisões e das ações subsequentes. Um outro aspeto a ter em mente é que os extremismos raramente são bons. Deve-se evitar os extremos, adotando uma abordagem equilibrada e ponderada. E devemos considerar sempre o impacto das nossas ações nos outros, agindo de maneira que não cause dano desnecessário ou desconforto. A isto se dá pelo nome de empatia.

Por fim, o bom senso é frequentemente associado à sabedoria popular, sendo uma forma de julgamento que não requer especialização técnica, mas sim uma visão clara e prática das situações quotidianas. É um recurso valioso nas interações humanas, na resolução de problemas diários e na tomada de decisões em ambientes diversos.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

Xi Jinping de novo, a receber Putin em Pequim




Putin está de novo em Pequim, em princípio para agradecer a Xi o apoio quanto baste na guerra que está a travar na Ucrânia que já leva quase dois anos e meio e ainda não se avista qual vai ser o desfecho, nem quando. 
Xi, o que mais manda no único partido que mais manda na China, ostenta o segundo maior PIB do mundo. Xi Jinping exerce uma influência considerável no Partido Comunista Chinês (PCC) e, por extensão, na China como um todo. Sob sua liderança, a China tem alcançado um rápido crescimento económico, o que contribui para o seu estatuto como a segunda maior economia do mundo em termos de Produto Interno Bruto (PIB). A combinação de poder político e influência económica torna Xi Jinping uma figura central no cenário nacional e internacional.

Desde 2014 que este conflito da Rússia se arrasta depois da anexação da Crimeia. Foi fortemente condenado pela comunidade internacional, incluindo muitos Estados membros das Nações Unidas. Várias resoluções da ONU foram adotadas para condenar as ações da Rússia e reafirmar a soberania e integridade territorial da Ucrânia. No entanto, devido ao veto da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, as ações da ONU foram limitadas em termos de imposição de medidas punitivas contra a Rússia. Embora a resposta internacional tenha sido variada e a eficácia das medidas tomadas tenha sido questionada, a anexação da Crimeia e a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022 continua a ser uma questão de grande preocupação e controvérsia na arena geopolítica.

Xi Jinping, que estivera na prisão, que vira a irmã suicidar-se, quando se encontra com outros líderes mundiais não se deixa impressionar de todo. Xi Jinping é conhecido por sua postura firme e não se deixar impressionar facilmente, independentemente das circunstâncias. Sua experiência pessoal, incluindo o período em que esteve na prisão e a tragédia envolvendo sua irmã, pode ter contribuído para sua determinação e resiliência em situações de pressão política ou diplomática. 

É verdade que Xi Jinping implementou medidas para consolidar o seu poder e reforçar o controlo sobre o Partido Comunista Chinês (PCC), incluindo expurgos de rivais e suas linhagens. Isso é parte de sua estratégia para manter a estabilidade política e fortalecer sua liderança dentro do partido e do país. Essas ações refletem não apenas as práticas políticas contemporâneas na China, mas também elementos da tradição histórica chinesa, onde o controlo do poder central sempre foi uma prioridade.

Agora que Hong Kong e Macau estão resolvidas, Xi pode ocupar-se a tempo inteiro de Taiwan. A questão de Taiwan é um assunto delicado e complexo para a China. Enquanto Hong Kong e Macau têm um status especial dentro do princípio "Um país, dois sistemas", Taiwan é considerada pela China como parte de seu território e uma questão de soberania nacional. A resolução dessa questão requer uma abordagem cuidadosa e diplomática, dada a sensibilidade e a importância estratégica envolvidas. O envolvimento de Xi Jinping nesse assunto exigiria uma considerável atenção e recursos, dada a sua magnitude e implicações regionais e globais.

A maior ambição de Xi é ficar para a história como o líder que completou a reunificação da China com a anexação de Taiwan. É verdade que a reunificação com Taiwan é uma ambição importante para Xi Jinping e para a China como um todo. A questão de Taiwan é vista como uma questão de soberania nacional pela China, e a reunificação é considerada um objetivo fundamental para a realização do "sonho chinês" de revitalização nacional. Xi Jinping reiterou em várias ocasiões o compromisso da China com uma "reunificação pacífica" com Taiwan, mas também afirmou que a China não descartaria o uso da força militar caso Taiwan declarasse independência ou se recusasse a negociar. A realização desse objetivo seria, sem dúvida, um marco significativo na história da China moderna e, possivelmente, um legado duradouro para Xi Jinping como líder.

E é claro, para continuar a liderar o comércio do mundo, o Cinturão e Rota da Seda é estratégico para o crescimento económico da China. Cinturão e Rota (também conhecido como Iniciativa Cinturão e Rota) é uma estratégia central para a China impulsionar o seu crescimento económico e expandir a sua influência global. Esta iniciativa visa promover a conectividade e a cooperação entre os países ao longo das rotas terrestres e marítimas, através de investimentos em infraestrutura, comércio e desenvolvimento económico. Ao fortalecer os laços comerciais e as relações diplomáticas com outros países, a China busca consolidar a sua posição como líder global no comércio e nos negócios internacionais. O Cinturão e Rota tem sido uma prioridade para o governo chinês sob a liderança de Xi Jinping.

Ora, é pensamento de alguns líderes e outros analistas, que para que esse projeto vingue sem sobressaltos, qualquer resistência pode ter de ser esmagada. Mas, apesar de a China ter colocado todas a fichas neste projeto, é importante notar que a resistência ou oposição a esse projeto não necessariamente precisam ser "esmagadas". Em vez disso, o sucesso sustentado da iniciativa depende em grande parte da diplomacia, negociação e cooperação com os países ao longo das rotas propostas. A China muitas vezes busca abordar preocupações e resolver disputas de forma diplomática, em vez de adotar uma abordagem de confronto direto. A cooperação e o diálogo construtivo podem ajudar a mitigar potenciais desafios ou resistências ao longo do caminho.

Todavia, Xi, é um autocrata severo. Xi Jinping é conhecido por sua liderança centralizada e estilo de governança autoritário, que contrasta com o modelo democrático ocidental. Ele consolidou seu poder dentro do Partido Comunista Chinês (PCC) e implementou uma série de medidas para reforçar o controlo do partido sobre a sociedade e a economia chinesas. Isso inclui a repressão à dissidência política, o aumento da vigilância estatal e a implementação de políticas de censura. Essa abordagem reflete a prioridade de Xi Jinping em manter a estabilidade política e preservar a autoridade do PCC.

Por exemplo, Xi controla as redes sociais da internet para controlar as narrativas e os opositores. O controlo das redes sociais e da internet é uma parte importante da estratégia de governança de Xi Jinping e do Partido Comunista Chinês (PCC). A China possui um sistema de censura altamente desenvolvido, conhecido como "Grande Firewall", que monitoriza e controla estritamente o acesso dos cidadãos chineses à internet, bloqueando conteúdos considerados sensíveis ou que vão contra a narrativa oficial do governo. Além disso, há uma forte presença de vigilância online para reprimir a dissidência política e as atividades dos opositores. Esse controlo permite ao governo moldar as narrativas e limitar o acesso a informações que possam minar a sua autoridade ou questionar a sua legitimidade.

Xi Jinping tem liderado a resposta do governo chinês à situação em Xinjiang, onde a minoria étnica uigur enfrenta restrições severas e alegações de violações dos direitos humanos, incluindo detenções em massa em campos de reeducação. Embora o governo chinês negue as acusações de abusos dos direitos humanos, a comunidade internacional tem expressado preocupação com a situação em Xinjiang. Como líder supremo da China, Xi Jinping desempenha um papel significativo na formulação e implementação das políticas em relação a Xinjiang, mesmo que a questão não seja frequentemente destacada como uma prioridade pública para ele.

Deleuze



Gilles Deleuze [1925-1995] é um dos mais influentes filósofos franceses contemporâneos. Deleuze nasceu e morreu em Paris, onde, a partir de 1969, ensinou, definitivamente, na Universidade de Paris VIII (Vincennes, depois Saint-Denis). É uma figura totalmente parisiense. Deleuze rejeita a ideia heideggeriana de fim da metafísica.

As suas obras sobre cinema são hoje incontornáveis nos estudos artísticos. Diferença e Repetição (1968) é talvez o exemplo central da sua obra em nome próprio na qual mais claramente é explicitada uma ontologia. Lógica do Sentido (1969) dá-lhe continuidade. O livro que o torna célebre, O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia 1 (1972), um livro símbolo do pós1968, escrito em parceria com o psicoterapeuta e militante Félix Guattari, é algo muito diferente. A colaboração com Guattari continuará com Mil Planaltos, de 1980 (o segundo volume de Capitalismo e Esquizofrenia, que se seguiu a O Anti-Édipo), e O Que É a Filosofia? (1991).

Gilles Deleuze considerou-se um empirista transcendental, ou um ético naturalista, na linha de Espinosa e Nietzsche. Que o seu primeiro livro, o livro sobre David Hume, de 1953, tenha tido por objecto um empirista anglo-saxónico tem certamente um sabor de provocação num meio filosófico então dominado pela atenção a Hegel, Husserl e Heidegger. Para Deleuze, a filosofia genuinamente crítica só pode ter um rosto: não pode senão filiar-se numa tradição que vem do materialismo da antiguidade e que chega a autores como Espinosa e Nietzsche. Isto significa, antes de mais, que aquilo que é abstrato (por exemplo, «o sujeito») move-se a partir da imanência — «imanência» é, de resto, talvez o termo fundamental para compreender Deleuze.




É a partir da perspectiva da imanência que Deleuze pretende ser um filósofo pluralista e anti-racionalista, um filósofo do múltiplo e do devir. É a partir da perspectiva da imanência que Deleuze pretenderá criticar a lógica da identidade, i.e., de uma racionalidade que tudo abarca e absorve, e que é exemplificada na história da filosofia por Hegel. Diferença e Repetição, originariamente uma tese de doutoramento, é um trabalho de análise kantiana ou transcendental (entendida como análise imanente) da experiência real. A «Diferença» é o princípio da diversidade empírica. Neste contexto, Deleuze procura dar conta da natureza do pensamento, oferecendo para isso uma visão das faculdades e do eu, e uma forma de pensar sobre o que é para alguma coisa ser aquilo que é. Em Lógica do Sentido, Deleuze ocupa-se de forma crítica da maneira como a tradição analítica (a tradição Frege-Russell) lidou com o sentido e a referência, mas não (supostamente) com a génese destes (é esta a crítica maior).

O Anti-Édipo é um livro que pretende ter efeitos sobre o leitor, um livro cheio de piadas e de duplos sentidos, que pega na vida na sua máxima concretude e vulgaridade (logo no início, lê-se: «Ça chie, ça baise») e que usa materiais tais como o discurso delirante de Antonin Artaud enquanto fonte do conceito central de «corpo sem órgãos». O seu objecto somo-lo todos nós, enquanto máquinas desejantes. A proposta é que o inconsciente não é um teatro ou uma figuração, mas sim uma fábrica. O objetivo é cruzar Freud e Marx para chegar a uma ontologia, mas também fazer uma crítica da psiquiatria normalizada e domesticada, tornada «história de família». A esquizoanálise levada a cabo é a análise das máquinas desejantes e dos seus investimentos sociais. A esquizofrenia (de Capitalismo e Esquizofrenia, o título geral dos dois volumes) é o resultado do bloqueio desta produção desejante. Não há sujeito por trás da produção desejante; ela constitui-se a si própria, é puramente criativa (esta forma de ver as coisas é a marca nietzschiana/espinosista permanente em Deleuze).

Mil Planaltos é verdadeiramente uma multiplicidade de estratos, um livro ele próprio escrito como rizoma, com conexões entre um ponto e quaisquer outros pontos. Não há um «argumento» como em O Anti-Édipo. Registe-se apenas que é a origem da noção muito deleuziana de rizoma e que esta noção se ergue contra qualquer abordagem sistemática dos fenómenos da informação e da comunicação. Continua-se a crítica da psicanálise «normalizada» e do marxismo estruturalista, e a análise dos investimentos desejantes e das significações.

O texto de Deleuze nos livros sobre cinema não é história do cinema nem é crítica de cinema, embora esteja povoado de história do cinema e de diálogo com a crítica. Do ponto de vista filosófico, o texto é precisamente uma reflexão sobre tempo, espaço, movimento e imagem. O conceito de imagem vem ele próprio de Bergson — é o conceito com o qual ele substitui a divisão clássica sujeito-objecto. O mundo é inteiramente constituído por imagens: entidades vivas, como nós, são imagens, e confrontam-se com as imagens que são entidades não vivas, entre elas as imagens cinematográficas. Segundo a forma como a memória era vista por Bergson, para que ela se forme o tempo atual tem de ser redobrado por um tempo virtual, um passado coexistente com o presente. 

Os signos que Deleuze vai teorizar, sob a inspiração do filósofo pragmatista americano Charles Sanders Peirce, também conduzirão a uma taxonomia das imagens (as imagens fílmicas são signos, mas não signos linguísticos). Uma ideia global fundamental que agrega as análises de imagens e de signos é que o cinema não cria um mundo/imagem diante dos olhos do espectador — as imagens do cinema são imagens imanentes, imagens que não esperam nenhum olhar humano; são um aparecer que não se dirige a ninguém, não são consciência nem percepção subjetiva. Estamos longe da fenomenologia, com a sua referência constitutiva à percepção natural e à situação do corpo próprio no mundo. 

A artificialidade do procedimento do cinema é, segundo Deleuze, partilhada com a linguagem e também com a filosofia ela própria, e de resto a decomposição do devir em instantes é o que os seres vivos fazem também. É este o núcleo filosófico da reflexão deleuziana sobre cinema, uma das partes mais influentes da sua obra. Publica em 1995 - Immanence: une vie, a última. De saúde deteriorada, suicida-se nesse mesmo ano.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

O debate entre sociólogos e biólogos acerca da identidade de género



O debate entre sociólogos e biólogos sobre identidade de género é multifacetado e muitas vezes complexo. A sociologia sendo uma ciência, mas em que a subjetividade é tida em melhor conta que a vertente da objetividade, muito cara às ciências físicas e biológicas, os sociólogos  tendem a abordar a identidade de género como uma construção social, influenciada por normas culturais, valores e estruturas de poder. Eles destacam como as sociedades atribuem significados específicos aos papéis de género e como esses significados podem variar ao longo do tempo e entre diferentes culturas. 

Mas, pelo lado dos biólogos, estritamente comprometidos com a objetividade e o peso das evidências científicas, afirmam que a identidade de género também deve estar vinculada ao que se passa na embriologia sujeita à influência hormonal que ocorre na dinâmica da gestação de qualquer ser vivo, que se aplica também aos seres humanos. Já para não falar nos ditames da genética que depois prossegue na neurobiologia do desenvolvimento do cérebro. Alguns biólogos argumentam que as diferenças de género são em grande parte determinadas pela biologia, incluindo diferenças cerebrais entre os sexos que podem influenciar a identidade de género.



No entanto, é importante notar que em ciência biológica nada está completo, nada está definitivamente  fechado. Há que reconhecer a complexidade da identidade de género e a interação entre fatores biológicos, sociais e culturais. Muitos pesquisadores estão adotando uma abordagem interdisciplinar que reconhece tanto a influência da biologia como do ambiente social na formação da identidade de género. Seja como for, o debate entre sociólogos e biólogos sobre identidade de género, apesar de refletir diferentes pontos de vista e prioridades de pesquisa, não deixa de ser positiva na medida em que qualquer visão é sempre mais completa quando é holística, em que a compreensão dos fenómenos é sempre mais completa. 




Durante o desenvolvimento embrionário, tanto os embriões masculinos como os femininos têm um estágio inicial onde se assemelham antes de divergirem nos caminhos de desenvolvimento específicos de cada sexo. É fascinante como as características masculinas e femininas se manifestam ao longo do processo. Depois, na primeira infância, é comum que as crianças ainda não expressem fortemente as características típicas de um determinado género. Eles podem exibir comportamentos e interesses que umas vezes são considerados masculinos, outras vezes femininos, conforme as circunstâncias do meio ambiente em que são criados, ou conforme determinados estímulos proporcionados pelas pessoas que as tratam, de preferência no sei do ambiente familiar. Pode dizer-se, parafraseando um termo já muito antigo, mostram uma certa androginia em seu desenvolvimento. Isso faz parte, segundo os autores que mais têm estudado o assunto, do processo de descoberta e exploração da identidade de género.



Assim, consoante a qualidade do processo educativo a que a criança é submetida, a força da identidade de género pode variar de pessoa para pessoa, independentemente do sexo biológico com que nasceram e identificado à nascença. Alguns indivíduos podem sentir uma identidade de género mais forte desde tenra idade, ao passo que outros prolongam a sua indiferenciação por muito mais tempo. De um modo gral, a maioria dos indivíduos sente que a sua identidade de género coincide com o sexo biológico, sem qualquer drama. Mas há uma minoria de casos em que experimentam uma sensação de género contrária ao seu sexo biológico determinado à nascença. Ou seja, como se costuma dizer em linguagem trivial: não bate a cara com a careta. É claro que atualmente os sociólogos, e os académicos das áreas das humanidades ou ciências humanas, tendem a usar uma expressão mais forte que trivial: «Cada experiência é única e influenciada por uma variedade de fatores.»




Como tem sido sempre nos Estados Unidos que estes debates começam mais cedo, também é lá que os estudos estatísticos são levados com maior exaustão, mais do que em qualquer outro país. E é já há muito tempo, não é de agora. Então surgem estatísticas que sugerem que há uma prevalência relativamente maior de pessoas transgénero feminino que tinham sido designadas do sexo masculino biológico no nascimento, do que pessoas transgénero masculino que haviam sido classificadas como crianças femininas. No entanto, é importante reconhecer que as estatísticas podem variar em diferentes contextos culturais e sociais, já para não falar que o entendimento da identidade de género é mais complexo e multifacetado do que se possa pensar.

terça-feira, 14 de maio de 2024

Em tempo de Guerra Fria, a ajuda de Cuba e União Soviética foi determinante para a vitória do MPLA em Angola



No dia 11 de novembro de 1975, Agostinho Neto, líder do MPLA, declarou a independência de Angola. Agostinho Neto proclamou a independência de Angola, após anos de luta pela libertação do domínio colonial português. Mas duas fações antagónicas e rivais ocupavam outras partes do país. Após a declaração de independência de Angola, UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), que também lutaram pela independência em relação a Portugal, ocuparam outras partes do país, resultando num conflito prolongado conhecido como a Guerra Civil Angolana. Essa guerra civil durou muitos anos e teve um impacto significativo na história do país.

Tinham passado os últimos dias de Nixon na presidência dos Estados Unidos provocado pelo escândalo Watergate, que o levou à renúncia em agosto de 1974. O clima de incerteza era absoluto. Enquanto isso, Brejnev, líder da União Soviética na época, provavelmente adotou uma abordagem cautelosa, pois as relações entre os dois países eram fundamentais para a estabilidade geopolítica. Fidel Castro, o líder cubano, era conhecido por sua retórica franca e muitas vezes polémica. É verdade que ele fez comentários negativos sobre Nixon, incluindo que ele era um filho da puta. Castro e Nixon representavam ideologias opostas, e suas relações foram marcadas por hostilidades políticas ao longo dos anos.



Agostinho Neto ao lado de trecho de um de seus poemas.
Ao fundo, a bandeira de Angola.
© : I'sis Almeida/Alma Preta

Como Agostinho Neto conhecia Fidel Castro e Che Guevara, pediu ajuda a Moscovo e Havana. Devido a esses laços e à ideologia compartilhada, Neto buscou apoio de Cuba e da União Soviética para o MPLA durante a luta pela independência e depois da independência de Angola. Havana e Moscovo forneceram assistência militar, económica e diplomática ao MPLA, influenciando o curso dos acontecimentos durante a Guerra Civil Angolana. Fidel Castro aceitou o pedido de ajuda de Agostinho Neto e nomeou a intervenção cubana em Angola como "Operação Carlota". Essa operação envolveu o envio de milhares de soldados cubanos para apoiar o MPLA na luta contra as forças da UNITA e da FNLA, bem como contra a intervenção de tropas sul-africanas que apoiavam estes movimentos contra o MPLA. A Operação Carlota teve um impacto significativo no conflito e foi fundamental para a consolidação do poder do MPLA em Angola.

Então, como durante a Guerra Civil Angolana, cerca de 26 mil soldados cubanos foram mobilizados para apoiar o MPLA em Luanda e em outras áreas controladas pelo partido, os Estados Unidos apoiaram as outras fações. Os Estados Unidos apoiaram ativamente a UNITA e a FNLA durante a Guerra Civil Angolana na lógica da Guerra Fria. Os EUA viram perfeitamente o que estava em jogo com o apoio da União Soviética e Cuba ao MPLA. Assim, UNITA e FNLA só podiam ser aliados na luta contra o MPLA. O apoio dos Estados Unidos incluiu fornecimento de armas, treino militar e ajuda financeira. A Guerra Civil Angolana, portanto, tornou-se um campo de batalha indireto entre as superpotências da época, refletindo as tensões geopolíticas da Guerra Fria.

A África do Sul também desempenhou um papel significativo na Guerra Civil Angolana, principalmente através da sua intervenção militar em apoio à UNITA e à FNLA. A África do Sul, sob o regime do apartheid, via o MPLA como um inimigo devido às suas ligações com o bloco comunista e buscava enfraquecer a sua posição. Além disso, a África do Sul também estava interessada em garantir o controlo da região do Sudoeste Africano, que hoje é conhecida como Namíbia, e utilizou a guerra em Angola como uma forma de alcançar os seus objetivos estratégicos na região. A sua intervenção militar incluiu o envio de tropas e equipamentos para apoiar as forças contra o MPLA e para combater a presença cubana.

O ponto culminante do conflito foi a Batalha de Cuito Cuanavale, que ocorreu entre 1987 e 1988. Esta batalha foi um ponto de viragem significativo no conflito e resultou numa derrota estratégica para as forças sul-africanas e para a UNITA, com a intervenção decisiva das tropas cubanas em apoio ao MPLA. A vitória em Cuito Cuanavale foi um dos fatores que contribuíram para o fim da guerra civil e para a independência da Namíbia, bem como para a retirada das tropas sul-africanas de Angola.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

O sino Pummerin da Catedral de Viena e o cerco em 1683 pelos otomanos





O famoso sino da Catedral de Santo Estêvão, o "Pummerin", pesando não menos que 21 toneladas, sofreu consideráveis danos causados pelos ataques da Segunda Guerra Mundial, desde então ele vem sendo consertado e é usado atualmente em ocasiões especiais, assim como para anunciar o novo ano.

Depois da vitória na Batalha de Viena em 1683 após o cerco otomano, os canhões otomanos foram capturados e derretidos para fundir sinos para a Catedral de Santo Estêvão, em Viena. Esses sinos foram posteriormente instalados na catedral como um símbolo da vitória sobre os otomanos e como uma maneira de celebrar a resistência da cidade.




Em 1683, Jan III Sobieski, rei polaco, liderou as forças cristãs na Batalha de Viena contra o Império Otomano. Sua intervenção foi crucial para a vitória, que é considerada um ponto de viragem na história, impedindo a expansão otomana na Europa Central. Durante o Cerco de Viena, em 1683, os otomanos estiveram perto de capturar a cidade, mas foram derrotados pelas forças combinadas do Sacro Império Romano e das forças polaco-lituanas, lideradas pelo rei Jan III Sobieski. Foi uma batalha crucial que marcou o fim das tentativas otomanas de expandir o seu império na Europa Central.

Os hussardos alados polacos desempenharam um papel significativo na Batalha de Viena. Sob o comando do rei Jan III Sobieski, esses hussardos, conhecidos por suas habilidades de cavalaria e táticas agressivas, desempenharam um papel crucial no sucesso das forças polaco-lituanas e do Sacro Império Romano na batalha, contribuindo para a derrota dos otomanos. "Boca de Porco" era um epíteto para se falar do rei Jan III Sobieski, o grande vencedor da Batalha de Viena. Sua liderança e as táticas habilidosas empregadas pelos hussardos, uns bons alados polacos, foram fundamentais para a derrota dos otomanos e a defesa bem-sucedida de Viena.



Sobieski enviando a mensagem de vitória para o Papa, após a Batalha de Viena
por Jan Mateiko  

Jan Alojzy Matejko, nasceu e morreu em Cracóvia 1838-1893. Pintor polaco, é considerado o maior pintor histórico polaco de todos os tempos. Tornou-se famoso por retratar personalidades e eventos históricos.





Golda Meir e a Guerra do Yom Kippur





Golda Meir [1898-1978] enquanto era a Primeira-Ministra de Israel [1969-1974] Anwar Sadat [1918-1981] presidente do Egito [1971-1981] e Hafez al-Assad [1930-2000] presidente da Síria [1971-2000] preparavam em Alexandria um ataque a Israel que se veio a dar inesperadamente para Golda Meir aparentemente apanhada desprevenida. Foi o resultado de uma guerra que decorreu entre 6 e 26 de Outubro de 1973, conhecida pela Guerra do Yom Kippur, cujo desfecho redundou numa pequena vitória militar de Israel, mas ganhos políticos para o Egito. O Ministro da Defesa de Israel era Moshe Dayan, um veterano de todas as outras guerras desde a Revolta Árabe entre 1936 e 1939. 




Enquanto o Egito atacava as posições israelitas desprotegidas na península do Sinai, as forças sírias atacaram os baluartes dos Montes Golã. Nessa investida, graves perdas foram infligidas ao exército de Israel. Após três semanas de luta, as tropas árabes foram forçadas a retroceder. Mas as fronteiras iniciais tiveram de se reconfigurar. Guerra do Yom Kippur foi um momento crítico na história do Médio Oriente, em que Golda Meir saiu muito desgastada, e as consequências para  resto do mundo foram significativas e com muitas implicações.

Foi uma espécie de sentimento de vingança por parte dos árabes depois da humilhante derrota da Guerra dos Seis Dias. A seguir vieram os Acordos de Camp David que normalizaram as relações do Egito com Israel. 
O Egito, que já se vinha afastando da União Soviética, cortou completamente de vez.Mas uma das consequências desta guerra para o Mundo foi a crise do petróleo. Os estados árabes, membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) boicotaram os Estados Unidos e os países europeus que apoiavam a sobrevivência de Israel. Se a curto prazo a medida agravou a crise económica mundial, a longo prazo a comunidade internacional aprendeu a usar fontes alternativas de energia, e inclusive outras áreas do planeta começaram a aumentar a exploração de petróleo, como foi o caso da região do Mar do Norte, na Europa, do Alasca, nos Estados Unidos, da Venezuela, do México, e tantos outros.

Havia o antecedente de no ano anterior, a 6 de setembro de 1972, terroristas palestinos capturaram 11 atletas israelitas durante os Jogos Olímpicos de Verão em Munique, na Alemanha. Um grupo de terroristas palestinos do grupo "Setembro Negro" invadiu a Vila Olímpica e capturou 11 membros da equipa olímpica de Israel. O evento ficou conhecido como o Massacre de Munique. Após horas de negociações malsucedidas, um resgate mal planeado resultou na morte dos 11 atletas israelitas, além de um polícia alemão e cinco dos oito sequestradores palestinos. Este trágico acontecimento teve um impacto significativo nas relações internacionais e na perceção global do terrorismo.

Erro fatal de Golda Meir e Moshe Dayan, Ministro da Defesa de Israel, que não acreditaram no ataque. Não levaram a sério os sinais de um ataque iminente. Houve informações de inteligência indicando que o Egito e a Síria estavam a preparar-se para uma ofensiva, mas esses sinais foram subestimados ou ignorados. Esse erro de avaliação teve consequências graves para Israel.

Após a Guerra do Yom Kippur, o rei Faisal da Arábia Saudita e outros líderes da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) aproveitaram a oportunidade para orquestrar um aumento nos preços do petróleo. Eles implementaram um embargo ao petróleo contra os países que apoiaram Israel durante a guerra, incluindo os Estados Unidos e vários países europeus. Além disso, a OPEP reduziu a produção de petróleo, aumentando assim os preços. Esse aumento repentino nos preços do petróleo teve um impacto significativo na economia global e nas relações geopolíticas, marcando o início de uma crise energética. 

Uma curiosidade: Ashraf Marwan, genro do ex-presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, era suspeito de ser um agente duplo, trabalhando tanto para Israel quanto para o Egito durante o período que antecedeu a Guerra do Yom Kippur. Ora, acontece que em 2007 foi encontrado morto em Londres. Sua morte permanece envolta em mistério e especulação, com algumas fontes sugerindo que ele foi assassinado, enquanto outras alegam que foi um acidente ou suicídio. O caso de Ashraf Marwan continua a ser objeto de debate e investigação.

domingo, 12 de maio de 2024

Catarina, uma rainha Médici e a França em Guerras de Religião



Sim, Catarina de Médici 1519-1589] foi uma figura importante na história da França. Ela foi rainha consorte da França de 1547 a 1559, como esposa do rei Henrique II, e depois rainha-mãe de 1559 a 1589, durante os reinados de seus três filhos: Francisco II, Carlos IX e Henrique III. Nesse tempo reinava em Portugal D. João III desde 1521 e reinaria até 1557. E desde 1554 que Filipe II estava à frente do Reino de Espanha.

Catarina desempenhou um papel significativo na política francesa durante um período de tumultos, incluindo as Guerras de Religião entre católicos e protestantes. Ela também foi uma patrona das artes e da cultura renascentista. Os irmãos Guise, liderados por Henrique I, Duque de Guise, e seu irmão Carlos, Cardeal de Guise, eram figuras proeminentes na facção católica durante as Guerras de Religião na França. Eles estavam fortemente comprometidos em defender o catolicismo e suprimir o protestantismo, representado pelos huguenotes. Os Guise lideraram várias campanhas militares contra os huguenotes e estavam envolvidos em várias intrigas políticas para garantir a hegemonia católica na França. Suas ações desempenharam um papel significativo no agravamento das tensões religiosas e políticas durante esse período conturbado da história francesa.



Quarto de Catarina no Château de Chenonceau

Uma das propriedades mais cobiçadas por Catarina de Médici era o belíssimo Château de Chenonceau, que Henrique II havia dado para Diana de Poitiers, na região do rio Loire, ao sul de Chambord. Propriedade da Coroa e utilizado como residência real, Chenonceau é um lugar excepcional, não só por causa do seu design deslumbrante (abrangendo o rio Cher) como também pela riqueza de suas decorações. Ao longo de sua história, foi uma residência edificada, administrada e protegida por algumas das mulheres mais importantes da França. Conhecido também como o Château des Dames, sua aparência atual data de 1513, graças a Katherine Briçonnet. Foi sucessivamente embelezado por Diana de Poitiers e depois por Catarina de Médici. O edifício permaneceu protegido dos tumultos da Revolução Francesa por Madame Dupin e hoje é um importante ponto turístico. O visitante pode conhecer o quarto da rainha Catarina, contendo uma cama de madeira com dossel que teria sido utilizada pela própria soberana nas muitas ocasiões em que esteve no Château.




Château de Chenonceau

Nostradamus, o famoso astrólogo e médico renascentista, teve um encontro com Catarina de Médici. Nostradamus era conhecido por suas habilidades proféticas e foi consultado por muitas figuras proeminentes da sua época, incluindo Catarina de Médici. Embora não haja muitos detalhes precisos sobre o encontro entre os dois, é sabido que Catarina era uma patrona das artes e das ciências, e é plausível que tenha consultado Nostradamus em busca de orientação sobre assuntos políticos ou pessoais.

Henrique II da França não era conhecido por expressar publicamente um desejo de "exterminar" os protestantes. No entanto, durante o seu reinado, houve tensões religiosas significativas entre católicos e protestantes na França, culminando eventualmente nas Guerras de Religião. Estas guerras envolveram conflitos violentos entre as duas facções religiosas, mas é importante notar que os líderes políticos muitas vezes buscavam objetivos políticos e territoriais, além de motivos religiosos.

Francisco II reinou como rei da França de 1559 a 1560, casado com Maria, Rainha dos Escoceses, também conhecida como Maria Stuart. O casamento entre Francisco e Maria ocorreu em 1558, quando Maria tinha apenas 15 anos. Este casamento tinha como objetivo fortalecer os laços entre a França e a Escócia, bem como reforçar a posição católica na Europa, já que Maria era católica. No entanto, o reinado de Francisco II foi curto, pois ele morreu em 1560, aos 16 anos de idade, deixando Maria viúva.

Na mesma altura, nos Países Baixos, Margarida de Áustria, conhecida como Margarida da Parma, também era uma figura importante nas conhecidas Dezessete Províncias. Ela foi nomeada como governadora dos Países Baixos espanhóis em 1559 pelo seu meio-irmão, nada mais nada menos que o rei Filipe II da Espanha. Margarida enfrentou muitos desafios durante o seu governo, incluindo as tensões religiosas entre católicos e protestantes e a crescente insatisfação dos nobres locais com o governo exercido por Espanha. Ela tentou administrar esses conflitos da melhor maneira possível, mas a situação acabou por se deteriorar ao ponto de levar ao levantamento da Revolta dos Países Baixos contra o domínio espanhol. Na verdade, Margarida de Áustria era filha de Carlos V, Sacro Imperador Romano-Germânico, e de Isabel de Portugal [1503, Lisboa - 1539, Toledo]. O pai era D. Manuel I de Portugal; e a mãe Maria de Aragão e Castela. 

Era também o tempo de Fernando Álvarez de Toledo [1507-1582], também conhecido como o Duque de Alba, general espanhol que desempenhou um papel significativo na supressão de várias rebeliões nos territórios espanhóis, incluindo os Países Baixos. Ele é especialmente conhecido por sua atuação durante a Revolta dos Países Baixos, uma revolta contra o domínio espanhol que ocorreu entre 1568 e 1648. O Duque de Alba liderou as forças espanholas na repressão brutal da revolta, o que lhe rendeu uma reputação temível entre os rebeldes. Sua estratégia incluía medidas rigorosas, como execuções em massa e a criação de um tribunal especial conhecido como o Tribunal dos Tumultos para julgar os envolvidos na rebelião. Embora tenha sido eficaz em esmagar a rebelião em algumas áreas, as suas táticas brutais também alimentaram o ressentimento e fortaleceram a determinação dos rebeldes em outras partes dos Países Baixos.

As posições do Duque de Alba colidiam com as posições de Guilherme de Orange, também conhecido como Guilherme, o Taciturno, líder da revolta contra o domínio espanhol nos Países Baixos. 
O Duque de Alba era o representante do rei espanhol Filipe II e liderava as forças espanholas que tentavam suprimir a revolta, enquanto Guilherme de Orange era um dos líderes rebeldes que buscavam a independência dos Países Baixos do domínio espanhol. Suas interações geralmente envolviam conflitos militares e políticos, que nunca levaram a negociações diretas. Mas houve um momento em que Filipe II da Espanha nomeou Guilherme de Orange como stadtholder (governador) da Holanda e Zelândia em 1572. Essa nomeação ocorreu em parte devido às habilidades políticas e militares de Guilherme e também como uma tentativa de Filipe de conter a rebelião dos Países Baixos, oferecendo uma concessão aos rebeldes. No entanto, essa nomeação não impediu Guilherme de Orange de continuar a liderar a revolta contra o domínio espanhol na região. Ele se tornou uma figura central na luta pela independência dos Países Baixos. Já agora, João de Áustria, irmão de Filipe II da Espanha, foi o comandante da frota da Liga Santa na Batalha de Lepanto, em 1571, onde obteve uma importante vitória sobre a Marinha Otomana.

Filipe II de Espanha casou quatro vezes, sendo Ana de Áustria a sua quarta esposa. O casamento entre Filipe II e Ana de Áustria ocorreu em 1570. Ana era filha do imperador Maximiliano II e irmã do futuro imperador Rodolfo II. O casamento foi político e também estratégico, buscando consolidar alianças entre as poderosas casas reais da época. Ana de Áustria foi uma influência significativa na corte espanhola durante o reinado de Filipe II, exercendo uma considerável influência sobre ele.

sábado, 11 de maio de 2024

Aquebar, o Grande





Jalaludim Maomé Aquebar [1542-1605] foi o terceiro imperador Mogol da Índia/Industão, um descendente direto da Dinastia dos Timúridas. Era filho de Humaium e neto de Babur. 
No final do seu reinado, em 1605, o império Mogol cobria a maior parte do Norte da Índia. Aquebar, tinha treze anos quando ascendeu ao trono em Déli. No fim, como imperador, havia solidificado o império pela diplomacia com a poderosa casta Raiput. Sua origem étnica era Mongol por parte da mãe, descendente de Gengis Cã; e descendência Turca ou dos Timúridas, cujo fundador foi Tamerlão, por parte de pai.

Ele expandiu o domínio Mogol sobre regiões como o norte da Índia, partes do sul da Ásia e partes do Afeganistão. Também estendeu a sua influência sobre regiões como Gujarat, Bengala, Caxemira e partes do atual Paquistão. Além disso, ele implementou políticas diplomáticas e administrativas que ajudaram a consolidar o império.


  

Mausoléu de Aquebar em Agra



O reinado de Aquebar influenciou significativamente a arte e a cultura na região. As paredes de seus palácios foram adornados com murais. Além de incentivar o desenvolvimento da escola Mogol, também patrocinava o estilo europeu de pintura. Ele gostava de literatura e tinha várias obras em sanscrito traduzidas para o persa, além de obter muitas obras persas ilustradas por pintores de sua corte. Aquebar iniciou uma série de debates religiosos, onde eruditos muçulmanos podiam debater questões religiosas com siques, hindus, ateus carvaka e jesuítas portugueses. 

O Império Mogol existiu entre 1526 e 1857 (com um interregno entre 1540 e 1555) que chegou a dominar quase todo o subcontinente indiano. A designação Mogol parece ter sido apenas atribuída durante o século XIX e deriva de Mongol, denotando a ascendência direta de Gengis Cã e de seu fundador Babur.

Surat, localizada no estado de Gujarat, na Índia, desempenhou um papel crucial no comércio entre a Índia e os países europeus durante vários séculos. Durante o período Mogol, Surat era um importante porto de comércio que facilitava as trocas comerciais entre a Índia e as potências europeias, como Portugal, Holanda, Inglaterra e França. Essas potências buscavam principalmente especiarias, seda, tecidos e outros produtos valiosos da Índia. Surat tornou-se um dos principais centros comerciais e portos de exportação da Índia, conectando o subcontinente indiano ao comércio global.

Aquebar conquistou Bengala, uma região rica em recursos naturais e estratégica para o comércio, em 1576. Nomeou seu general, Khan Jahan Quli, como governador da província. Também expandiu o império para incluir a região de Caxemira, em 1586, após uma campanha militar liderada pelo príncipe Salim (mais tarde conhecido como Imperador Jahangir), filho de Aquebar. A conquista de Caxemira permitiu controlar uma área estratégica no norte da Índia e estender sua influência sobre as regiões montanhosas do Himalaia.



Goa portuguesa

Os portugueses ganharam direitos sobre Goa através de uma combinação de negociações diplomáticas, alianças com líderes locais e conquistas militares. Em 1510, Afonso de Albuquerque, um explorador e militar português, conquistou Goa, então sob controlo do Sultanato de Bijapur, como parte dos esforços portugueses para estabelecer uma presença comercial na Índia. Após a conquista, os portugueses construíram fortalezas e estabeleceram uma administração colonial em Goa. Eventualmente, Goa tornou-se a capital do vasto império português na Índia, controlando uma extensa área costeira e desempenhando um papel central no comércio entre a Índia e a Europa. Os portugueses mantiveram o controlo sobre Goa por cerca de 450 anos, até que a Índia, governada por Nehru, invadiu a região em 1961, passando a partir daí a fazer parte integrante da Índia tal como é atualmente.



Goa portuguesa

Em 1535, o sultão do Gujarate, Badur-Shá, concedeu a Nuno da Cunha autorização para construir uma fortaleza em Diu. Conservam-se o castelo e grande parte da muralha de terra, além de baluartes e cortinas na costa sul. As primeiras obras realizadas foram da responsabilidade de Martim Afonso de Sousa. O vice-rei D. João de Castro foi o responsável pela renovação das fortificações da cidade após o segundo cerco posto a Diu, tendo ao seu serviço o mestre Francisco Pires.



Fortaleza de Diu: portão de armas

Quanto às muralhas, na ponta de terra mais para leste, foram executadas entre 1570 e 1574, por iniciativa do capitão Aires Telles, a quem se devem as portas, e por Manuel de Miranda, que em 1584 edificou o maior dos baluartes, o de São Sebastião da Vitória.


 

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Identidades



A abordagem etnocêntrica nas ciências sociais analisa e interpreta outras culturas a partir de uma perspectiva própria, muitas vezes considerando-a superior às outras. Isso pode levar a preconceitos e distorções na compreensão das sociedades e culturas estudadas. É importante buscar uma abordagem mais objetiva e inclusiva, reconhecendo e respeitando a diversidade cultural. Toda a teoria social é uma ferramenta para entender o mundo e não um instrumento de autossatisfação intelectual. A teoria social tem o propósito fundamental de fornecer insights e compreensão sobre as dinâmicas complexas da sociedade, e não apenas para alimentar o ego intelectual de quem a estuda.
  
O nosso mundo é contraditório na sua pluralidade e temos de saber conviver com isso. A diversidade e as contradições são características intrínsecas da sociedade humana. A habilidade de conviver com essa pluralidade é essencial para construir sociedades mais inclusivas e resilientes. É por isso que os movimentos sociais podem ter tanto de bom como de mau. Os movimentos sociais são uma manifestação da diversidade de perspectivas e necessidades na sociedade. Eles podem ter impactos positivos ao promover mudanças sociais importantes, mas também podem apresentar desafios quando levam a conflitos ou exclusões. É fundamental analisar criticamente os objetivos e métodos de cada movimento para entender o seu impacto completo.

Não foram assim tão poucos os movimentos que com a ambição do paraíso na terra acabaram em tragédia. Infelizmente, ao longo da história, houve exemplos de movimentos sociais que começaram com ideais nobres, mas acabaram em tragédias devido a diversas razões, como autoritarismo, intolerância ou falta de consideração pelos direitos individuais. É importante aprender com esses erros para evitar repeti-los no futuro e promover movimentos mais inclusivos e responsáveis. Para não ser tendencioso em relação ao Ocidente, recordo a Rebelião Taiping, que acabou com um saldo de vinte milhões de chineses mortos. A Rebelião Taiping, que ocorreu na China entre 1850 e 1864, foi um dos conflitos mais sangrentos da história, resultando num enorme número de mortes. As razões para o alto saldo de vítimas incluem a escala do conflito, as táticas brutais empregadas pelas partes envolvidas e as condições sociais e económicas da época. Esse trágico evento ilustra como movimentos sociais podem ter consequências devastadoras quando não são adequadamente controlados ou quando suas lideranças não consideram o bem-estar da população.

Nunca houve nenhum povo que na construção da sua identidade não tenha recorrido aos feitos gloriosos dos seus antepassados em detrimento dos seus defeitos contra os outros. É verdade que muitas culturas tendem a glorificar os feitos positivos de seus antepassados enquanto minimizam ou ignoram os seus defeitos. Isso pode ser parte do processo de construção da identidade e do orgulho cultural. Mas deve ser feita uma pedagogia permanente sobre a importância de reconhecer que devemos aprender com os erros do passado para promover a compreensão e a reconciliação. É sabido que o que dá significado à coesão identitária de um povo são as suas qualidades positivas e não as negativas. As qualidades positivas de um povo, como sua cultura, valores e conquistas, certamente desempenham um papel importante na coesão identitária. Elas ajudam a unir as pessoas em torno de uma narrativa comum e a fortalecer o sentido de pertencimento. No entanto, é igualmente importante reconhecer e abordar as questões negativas, como injustiças históricas ou conflitos, para promover uma identidade mais inclusiva e resiliente.

Não adianta sermos ingénuos porque a pluralidade de um determinado coletivo social sempre foi fonte de tensão e contradição. A diversidade dentro de um grupo social pode criar tensões e contradições, especialmente quando há diferenças culturais, políticas ou socioeconómicas significativas. Essas tensões muitas vezes refletem dinâmicas de poder e privilégio, e lidar com elas requer uma abordagem sensível e inclusiva que reconheça e respeite as diferentes perspectivas e experiências dentro do grupo. A aceitação da complexidade e a disposição para o diálogo aberto são fundamentais para lidar com essas questões de maneira construtiva.

Quantas vezes a nossa razão teórica entra em contradição com a nossa razão inata? A razão teórica, baseada em conhecimento adquirido e raciocínio lógico, às vezes pode entrar em conflito com a nossa razão inata, que é influenciada por instintos, emoções e experiências pessoais. Esses conflitos podem surgir quando há uma desconexão entre o que sabemos ser racionalmente verdadeiro e o que os nossos instintos ou emoções nos impulsionam a fazer. Nesses momentos, é importante reconhecer essas contradições e buscar um equilíbrio entre a razão teórica e a razão inata para tomar decisões informadas e éticas. E é esse o viés frequente das más teorias académicas dos sociólogos, que também as há.

É verdade que algumas teorias académicas em sociologia, como em qualquer campo, podem ser influenciadas por viés, limitações metodológicas ou interpretações tendenciosas. Isso pode levar a uma compreensão inadequada ou simplificada de questões sociais complexas. No entanto, é importante reconhecer que a sociologia é um campo diversificado, com uma ampla gama de teorias e abordagens, algumas das quais são mais rigorosas e válidas do que outras. A crítica construtiva e o debate dentro da comunidade académica são essenciais para melhorar a qualidade e a relevância das teorias sociológicas.

É através dos significados simbólicos que os povos forjam a sua identidade coletiva. Os significados simbólicos desempenham um papel fundamental na formação da identidade coletiva de um povo. Os símbolos, como bandeiras, hinos, rituais, mitos e monumentos, são carregados de significados culturais e históricos que ajudam a unir as pessoas em torno de uma identidade compartilhada. Esses símbolos muitas vezes representam valores, crenças e aspirações comuns, proporcionando um sentido de continuidade e pertença de uma comunidade. O estudo dos significados simbólicos é uma parte importante da sociologia e da antropologia cultural, pois ajuda a entender como as identidades coletivas são construídas e mantidas ao longo do tempo.

É assim que a construção de identidades se faz da história, geografia, memória coletiva e até fantasias pessoais plasmadas nos mitos e lendas. A construção de identidades é realmente um processo complexo que envolve uma interação entre vários elementos. A história de um povo, a sua relação com a terra em que vive, as narrativas compartilhadas sobre eventos passados, e as histórias transmitidas oralmente ao longo do tempo, todos eles desempenham um papel na formação da identidade coletiva. Além disso, as fantasias pessoais e os mitos podem refletir aspirações e ideais comuns dentro de uma comunidade, contribuindo para uma compreensão compartilhada de quem são, do que são, e do que valorizam na vida. Esses elementos combinados ajudam a moldar e sustentar a identidade coletiva de um grupo social.

Por exemplo, em relação à Ucrânia atual, enquanto Putin quer impor, através da força, uma identidade legitimadora, Zelensky socorre-se da identidade em trincheiras de resistência. A situação na Ucrânia é um exemplo vívido de como a construção e a defesa da identidade nacional podem desempenhar um papel crucial em contextos geopolíticos complexos. Enquanto Putin busca impor uma narrativa que legitima suas ações por meio da força e da reivindicação de uma suposta herança histórica, Zelensky e outros líderes ucranianos resistem a essa pressão, mobilizando símbolos, narrativas e memórias coletivas para fortalecer o sentido de identidade nacional e promover a resistência contra a intervenção externa. Essa dinâmica demonstra como a identidade coletiva pode ser usada como uma ferramenta política poderosa em tempos de conflito e desafio.

Por outro lado, Portugal consolidou a sua identidade através do projeto dos Descobrimentos. 
Tais feitos desempenharam um papel significativo na consolidação da identidade portuguesa ao longo dos séculos. A expansão marítima portuguesa durante os séculos XV e XVI trouxe não apenas novos territórios, mas também uma sensação de orgulho nacional e uma narrativa de exploração e conquista. Os navegadores portugueses, como Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral, foram celebrados como heróis nacionais, e suas viagens foram retratadas como expressões do espírito empreendedor e a audácia do povo português. Além disso, os Descobrimentos contribuíram para a difusão da língua portuguesa, da cultura e das tradições em todo o mundo, ajudando a estabelecer uma identidade nacional distintiva. No entanto, também é importante reconhecer que os Descobrimentos tiveram consequências negativas e controversas, incluindo a exploração de povos indígenas e o estabelecimento do comércio de escravos. A compreensão da identidade portuguesa muitas vezes envolve uma reflexão crítica sobre esse legado histórico.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

A França e a Espanha entre a Fronde e d'Artagnan


A Fronde foi uma série de guerras civis em França entre 1648 e 1653 concomitantemente com a guerra entre a França e a Espanha entre 1635 e 1659. A monarquia francesa viu-se diante de uma série de conflitos contrários que partiram de vários segmentos da sociedade, incluindo a insatisfação com as políticas do cardeal Mazarin, altos impostos, a centralização do poder real e o descontentamento das classes nobres e do povo com o governo de Luís XIV, que era ainda muito jovem na época. Os eventos da Fronde foram marcados por uma série de levantes armados, conflitos entre fações nobres e tentativas de limitar o poder do rei e do cardeal Mazarin. No entanto, apesar de várias reviravoltas e mudanças de alianças, a Fronde não conseguiu derrubar o governo centralizado em Mazarin e depois em Luís XIV. Em última análise, a Fronde fortaleceu a posição do monarca francês e consolidou o seu poder.



Jules Mazarin

Jules Mazarin [1602-1661] havia sido um discípulo e sucessor de Richelieu. Ele seguiu os passos de Richelieu como principal conselheiro do rei durante o reinado de Luís XIII, que depois continuou o seu papel de liderança durante a regência de Ana de Áustria. A ascensão de Mazarin ao poder na França foi em parte resultado da herança deixada por Richelieu [1585-1642] Richelieu foi um estadista e prelado francês mais conhecido por seu papel como primeiro-ministro do rei Luís XIII. [1601-1643] Ele foi uma figura proeminente na política francesa. Richelieu havia passado algum tempo na Itália durante a sua vida. Ele viajou para lá em 1614 como embaixador do rei Luís XIII, onde passou cerca de três anos. Durante a sua estadia na Itália, Richelieu teve a oportunidade de estudar a política e a cultura italianas, além de fazer contactos importantes que mais tarde seriam úteis em sua carreira política na França. Sua experiência na Itália teve uma influência significativa em seu desenvolvimento como estadista e diplomata.



Richelieu

O cardeal Mazarin tinha uma sobrinha chamada Marie Mancini por quem Luís XIV [1638-1715] teve um grande afeto. Durante a juventude do rei, Marie Mancini foi uma das suas primeiras paixões e ele demonstrou um grande interesse por ela. No entanto, devido a pressões políticas e à influência do cardeal Mazarin, o romance entre Luís XIV e Marie Mancini não se concretizou em casamento. Em vez disso, Luís XIV foi induzido a se casar com Maria Teresa da Espanha [1638-1683], filha de Filipe IV de Espanha, como parte de um acordo político entre a França e a Espanha. 



Ana de Áustria

O cardeal Jules Mazarin, como primeiro-ministro da França, desempenhou um papel importante na negociação do casamento do jovem rei, Luís XIV, com Maria Teresa da Espanha. Esse casamento foi parte do Tratado dos Pirenéus, que encerrou a Guerra Franco-Espanhola. Mazarin era conhecido por sua habilidade diplomática e por sua influência na política externa francesa durante esse período. Luís XIV era filho de Ana de Áustria. [1601-1666] Esta por sua vez era filha de Filipe III de Espanha [1578-1621] e de Margarida da Áustria. [1584-1611].



Maria Teresa da Espanha, por Diego Velázquez

Filipe IV de Espanha era conhecido como "o Rei Planeta" devido ao seu grande patrocínio das artes e à sua reputação de ser um monarca culto e aficionado pela cultura e pela literatura. Ele reinou durante o período conhecido como a "Era de Ouro Espanhola", um período de grande florescimento cultural e artístico na Espanha. Filipe IV foi um dos principais patronos do famoso pintor espanhol Diego Velázquez, que retratou o rei em várias ocasiões, criando algumas das obras de arte mais icónicas da época. Esses retratos são conhecidos por sua habilidade técnica e pela capacidade do artista de capturar a personalidade e a dignidade do monarca.

No famoso quadro "Las Meninas", pintado por Diego Velázquez em 1656, o próprio artista incluiu um autorretrato. Ele aparece ao fundo, no centro do quadro, pintando um grande painel que está fora do alcance da visão do espectador. Esta é uma das características mais fascinantes do quadro e adiciona uma camada extra de complexidade e interesse à obra. Filipe IV e a rainha, Mariana da Áustria, estão representados refletidos em um espelho no fundo da sala, embora não estejam olhando diretamente para o espectador. Isso cria uma sensação de profundidade e também sugere que eles estão presentes na cena, observando a pintura sendo feita por Velázquez e interagindo com suas filhas, as meninas do título.




Velázquez e Rubens foram contemporâneos e estabeleceram uma amizade e uma relação profissional durante suas vidas. Rubens, o renomado pintor flamengo, era muito respeitado na Espanha e atuou como um importante intermediário entre Velázquez e o rei Filipe IV, ajudando a garantir a nomeação de Velázquez como pintor da corte espanhola. A troca de influências entre esses dois grandes mestres foi significativa para o desenvolvimento da arte da época.

No dia 17 de agosto de 1661 Nicolas Fouquet recebeu o Rei e a corte para uma grandiosa recepção em comemoração ao restauro do Castelo de Vaux-le-Vicomte. O refinado trabalho realizado pelo arquiteto Louis Le Vau, o pintor Charles Le Brun, e pelo paisagista André Le Nôtre, transformaram o château num símbolo do poder da nobreza francesa, fatco este que desagradou profundamente o Rei Luís XIV. Pouco tempo após a grande festa, o soberano ordenou a prisão de Fouquet; considerando-o demasiadamente poderoso e ambicioso. Entre as acusações havia uma suspeita (pouco fundada) de conspiração contra o Rei. Ao fim de um processo que durou três anos, Fouquet foi condenado a passar 15 anos preso na fortaleza de Pinerolo, na Itália, onde morreu em 1680. Fouquet era um poderoso político e superintendente das finanças da França, conhecido por sua grande riqueza e influência. 



 Nicolas Fouquet, por Charles Le Brun

Luís XIV confiava bastante em Charles de Batz-Castelmore d'Artagnan, [1611-1673] que serviu como capitão dos mosqueteiros do rei na França. D'Artagnan era conhecido por sua lealdade e habilidades como espadachim, e ele desfrutou de grande confiança e respeito por parte do rei e da corte. Ele é mais conhecido por ser um dos protagonistas do romance "Os Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas.

Os mosqueteiros do rei eram uma guarda de elite na França durante o reinado de Luís XIII e Luís XIV. Eles eram soldados altamente treinados, conhecidos por sua habilidade com o mosquete, uma arma de fogo de longo alcance. Os mosqueteiros eram uma força respeitada e prestigiada, responsável pela proteção do rei e do país, além de participarem de batalhas e missões especiais. Eles foram imortalizados na literatura por Alexandre Dumas que segue as aventuras ficcionais de d'Artagnan e seus companheiros Athos, Porthos e Aramis.



d'Artagnan in Aldenhofpark, Maastricht.