quinta-feira, 29 de junho de 2023

A coexistência pacífica do tempo de Khrushchev





Em 1959, Khrushchev fez uma visita aos EUA, onde se encontrou com o presidente Eisenhower e cativou os americanos com a simpatia dos homens comuns. Foi propor que os países socialistas e capitalistas deixassem de lado a competição militar entre eles e se concentrassem na competição económica. Os dois sistemas (capitalismo e socialismo) podiam dar a seus cidadãos melhores condições de vida. Essa proposta foi bem recebida no Ocidente, mas gerou muitas desconfianças nos países socialistas. A China acusaria a URSS de ter abandonado a via revolucionária com a doutrina da coexistência pacífica. Segundo os maoistas da época, não havia possibilidade de conciliação com o capitalismo, pois esse é inimigo direto do socialismo e somente poderia ser derrubado pela força. E assim, nos primeiros anos da década de 1960, a China rompeu abertamente a colaboração que até aí tinha sido operada com a URSS.

A economia da URSS nas décadas de 1930, 1940 e 1950 tinha crescido a taxas três vezes superiores às dos Estados Unidos. Quando no XXI Congresso do PCUS, em 1961, Khrushchev afirmou que em vinte anos a URSS ultrapassaria os EUA economicamente (e entraria na fase do comunismo propriamente dito), o cálculo não estava de todo errado. Se realmente as taxas de crescimento dos dois países continuassem no mesmo ritmo das três décadas anteriores, em menos de vinte anos o Produto Interno Bruto da URSS ultrapassaria o dos EUA. Além disso, a URSS naquela época deu dois grandes sustos tecnológicos que apanharam de surpresa os americanos: em 1957 enviou o primeiro satélite artificial ao espaço (o Sputnik I) e em abril de 1961 o soviético Yuri Gagarin se tornou o primeiro astronauta a ir ao espaço. A URSS tinha ultrapassado os EUA no campo tecnológico mais avançado da época.




Khrushchev, para resolver a questão do aumento da oferta de alimentos, implementou, a partir de 1954, o grande esquema das “terras virgens”. O objetivo era ocupar rapidamente as fronteiras agrícolas ainda não exploradas de modo intensivo na URSS, principalmente no Cazaquistão e na região de Altai, na Rússia. Esta campanha enorme levou 300 mil pessoas de todo o país para abrir fazendas com uma área equivalente a toda a região cultivada do Canadá. Inicialmente, a experiência parecia ter sido bem-sucedida, já que a primeira colheita com o novo esquema, em 1956, foi gigantesca: cerca de metade das 125 milhões de toneladas vieram das novas terras e com alta produtividade. Entretanto, com o passar do tempo, problemas ecológicos de erosão (devido ao caráter apressado e sem planeamento das consequências ecológicas do modo como foi feita a ocupação), dificuldades logísticas (falta de silos de armazenamento suficientes e outras estruturas causaram a perda de parte excessiva das colheitas) e questões de financiamento levaram a que em anos seguintes os resultados finais se revelassem baixos em relação aos custos elevadíssimos da empreitada.

Outra grande reforma de Khrushchev também se mostrou problemática: a passagem da administração económica das empresas de bases ministeriais para bases regionais, entre 1957 e 1965. Até ali a administração das empresas estatais era feita através dos ministérios centrais. Assim, cada fábrica siderúrgica respondia ao ministério da Siderurgia, independentemente de sua localização no país. O diagnóstico de Khrushchev é que isso levava a um excesso de centralização e falta de coordenação local. Confiando que os líderes locais conheciam melhor as peculiaridades de cada região do que um ministro em Moscou, Khrushchev criou Conselhos Regionais de Economia (Sovnarkhozy), aos quais as empresas de cada região, independentemente do ramo, estariam subordinadas. Dessa forma, haveria maior integração regional. Os Sovnarkhozy, porém, acabaram levando à formação de pequenos “feudos” burocráticos regionais e particularismos. Apesar dos grandes avanços tecnológicos, a impetuosidade excessiva com que se lançava em vários esquemas novos levara a alguns erros caros.

O que derrubou Khrushchev, porém, foi a política, especialmente internacional. Os primeiros grandes problemas começaram logo após o famoso discurso de 1956 em que colocava o estalinismo no banco dos réus. Naquele mesmo ano, em parte estimulados pela atmosfera de discussão crítica dos erros do passado na construção socialista, dois países do Leste Europeu se insubordinaram contra a URSS. O primeiro foi a Polónia. Em junho de 1956, protestos populares na cidade de Poznan catalisaram um processo de autocríticas e revisões internas dentro do próprio Partido Comunista. Como consequência, um novo líder, bem mais liberal e nacionalista, foi elevado ao poder: Wladyslaw Gomulka. Em 19 de outubro de 1956, Khrushchev e outros líderes soviéticos viajaram a Varsóvia para resolver de vez a questão da rebeldia. Um compromisso foi firmado. Os polacos manteriam autonomia para conduzir seus próprios assuntos internos, desde que se mantivessem alinhados ao socialismo como linha geral e com a URSS em sua política externa. A solução de autonomia interna e alinhamento externo evitou que a situação na Polónia se transformasse em uma revolta aberta contra a URSS.

No entanto, em outro país socialista do Leste Europeu a situação se transformou em revolta aberta. Na Hungria, o XX Congresso do PCUS também provocou um movimento de discussão crítica. Em julho de 1956, o estalinista Matyas Rakosi foi afastado da liderança do partido e substituído por um apagado Erno Gero. Debates internos profundos dentro do partido e na sociedade levaram a clamores por uma liderança mais liberal e um afastamento do rígido modelo soviético. Em 23 de outubro, manifestações estudantis irromperam pela cidade trazendo demandas por abertura. A esse movimento se juntaram outras camadas da população. Logo, barricadas populares estavam por toda a parte nas grandes cidades. Várias fábricas foram tomadas pelos próprios trabalhadores organizados em conselhos de autogestão. Pressionado, o partido trouxe de volta ao poder, como primeiro-ministro, o comunista liberal Imre Nagy. Nagy ficou pressionado pelas diversas correntes: as que queriam liberalização dentro do regime socialista, as que queriam uma liberalização para fora do regime socialista e as pressões dos russos para que controlasse as desordens e mantivesse a Hungria no campo socialista. Pressionado destes vários lados, em 10 de novembro Nagy tomou uma decisão radical: retirou a Hungria do Pacto de Varsóvia (a aliança militar dos países socialistas do Leste Europeu) e declarou a neutralidade do país. Dois dias depois anunciou a criação de um governo de coligação incluindo comunistas, sociais-democratas e membros de partidos camponeses. Em 4 de novembro, os russos enviaram seus tanques para invadir a Hungria e terminar com a revolta. Nagy foi deposto e substituído por um líder pró-Moscovo, Janos Kadar.

Esses acontecimentos explosivos em 1956, logo no início do processo de desestalinização aberta, assustaram os líderes soviéticos e fragilizaram a posição de Khrushchev como líder. Em 1957, houve uma tentativa, por parte de Malenkov, Molotov e Kaganovich, de depor Khrushchev em uma reunião esvaziada do Presidium do partido. Com ajuda do general Zhukov, Khrushchev conseguiu fazer voar a Moscovo os membros do Comité Central, que reverteram a decisão do Presidium. Os três rebeldes foram denominados o “grupo anti partido” e foram “exilados” informalmente para cargos de importância secundária em regiões distantes (Malenkov, por exemplo, tornou-se embaixador na Mongólia). O destino dado a este grupo “anti partido” era um sinal dos novos tempos: perderam os cargos, mas não foram presos.

Mais problemas sérios aguardavam Khrushchev na cena internacional. Como vimos, a China não se conformou com os rumos do XX Congresso do PCUS e rompeu definitivamente com a URSS no início dos anos 1960. Mao Tsé-Tung provavelmente temia que um ataque contra o seu próprio culto à personalidade pudesse se desenvolver no país. No campo socialista internacional houve, então, a cisão entre os pró-russos e pró-chinas. A maioria dos partidos socialistas no poder se alinharam pelo Kremlin. A Albânia, porém, ficou ao lado da China. E a Jugoslávia de Tito se manteve independente e não alinhada.

A guerra-fria aqueceu, quase ferveu, com a crise dos mísseis em Cuba em outubro de 1962. Fidel Castro tomou o poder em 1959 e instaurou um regime socialista. Em 1962, Moscovo tentou secretamente instalar mísseis nucleares soviéticos em Cuba. Descoberto o esquema, o presidente americano John Kennedy ordenou um bloqueio naval de Cuba para impedir os navios soviéticos de passarem. Por alguns dias, o mundo suspendeu a respiração com medo de um confronto nuclear entre os dois países. Mas Khrushchev, deu primeiro o pisca e depois fez inversão de marcha, perante a promessa de Kennedy não mais tentar invadir Cuba e retirar os mísseis nucleares americanos da Turquia.

O episódio minou seriamente o prestígio do líder russo, já bastava o cisma comunista internacional e as dificuldades económicas. Em outubro de 1964 Khrushchev foi deposto do poder, acusado de ser voluntarista demais. Pode-se dizer que ele foi vítima do seu grande momento: abriu a caixa de Pandora com o discurso da desestalinização em 1956. O facto de o movimento comunista internacional ter aberto uma fissura com Stalin foi uma estupidez imperdoável por parte de Khrushchev. Os estalinistas (e mesmo vários ex-estalinistas) não o perdoaram pela cisão. A partir da China viriam as acusações de que a doutrina da coexistência pacífica de socialismo e capitalismo era, na verdade, um abandono da via revolucionária. Atacado por esses flancos importantes, ele conseguiu sobreviver ao golpe de 1957 dentro de seu próprio partido, mas não ao de 1964.



sábado, 17 de junho de 2023

Os cossacos


Os cossacos foram uma casta especial de soldados russos que, desde o século XVI, viviam nas fronteiras sul e leste do império, em comunidades autogovernadas nas regiões do Don e do Kuban ao longo do rio Terek, no Cáucaso, na estepe de Oremburgo e, em povoados estrategicamente mais importantes, perto de Omsk, do lago Baikal e do rio Amur, na Sibéria. Esses guerreiros pouco se distinguiam das tribos tártaras das estepes orientais e do Cáucaso, de quem realmente podem ter descendido. Cossaco é uma 
palavra turcomana que significa cavaleiro. Tanto os cossacos como os tártaros exibiam grande coragem em defesa da sua liberdade; ambos tinham ternura e espontaneidade naturais; ambos amavam a boa vida. Gogol enfatizou o caráter “asiático” e “sulista” dos cossacos ucranianos no conto “Taras Bulba”; na verdade, usou esses dois adjetivos de forma intercambiável. Num texto relacionado - “Um olhar sobre a formação da Pequena Rússia” - isto é, a Ucrânia.

Os cossacos são um povo ao mesmo tempo europeu e asiático no modo de vida, nos costumes e modo de vestir. São um povo em que duas partes opostas do mundo, dois espíritos opostos estranhamente se reúnem: prudência europeia e abandono asiático; simplicidade e esperteza; uma forte noção de atividade e amor ao ócio; um impulso para o desenvolvimento e a perfeição e, ao mesmo tempo, um desejo de parecer desdenhoso de toda a perfeição. Gogol tentou vincular a natureza dos cossacos às ondas periódicas de migração nómada que varreram a estepe desde os hunos na antiguidade. Ele defendia que só um povo enérgico e belicoso como os cossacos seria capaz de sobreviver na planície. Os cossacos cavalgavam à moda asiática pela estepe. Precipitavam-se com a “rapidez de um tigre ao sair dos esconderijos quando lançavam um ataque”. Tolstoi, que conhecera os cossacos quando oficial do exército, também dizia que eles tinham uma costela asiática. Em "Os Cossacos", 1863, mostrou com detalhes etnográficos que os cossacos russos, do lado norte do rio Terek, tinham um modo de vida praticamente indistinto das tribos das colinas chechenas no lado sul do mesmo rio.

Lermontov era um aguarelista talentoso e, num autorretrato, ele se pinta com uma espada bem segura na mão, o corpo envolto numa capa caucasiana e um estojo de cartuchos usado pelos homens das tribos da montanha preso à frente do uniforme da Guarda. Essa mesma identidade mista, meio russa, meio asiática, foi atribuída por Lermontov a Pechorin, protagonista de "O herói do nosso tempo". Inquieto, cínico e desiludido com a alta sociedade de São Petersburgo, Pechorin sofre uma transformação ao ser transferido, como oficial da Guarda, para o Cáucaso. Apaixona-se por Bela, filha de um chefe circassiano, aprende a sua língua turcomana e usa roupas circassianas para declarar o seu amor a ela. Em certo momento, o narrador o compara-o a um bandido checheno. Parece que aí essa era a questão essencial: não havia fronteira clara entre o comportamento dos colonos russos e os atos “bárbaros” das tribos asiáticas.

Lermontov não foi o único russo a adotar o Cáucaso como seu “lar espiritual”. O compositor Balakirev foi outro “filho das montanhas”. O fundador da “escola de música russa” vinha de antiga linhagem tártara e se orgulhava dela, a julgar pela frequência com que posava para retratos com roupas caucasianas. Em Os circassianos”: não conheço roupa melhor do que a do circassiano. 
Rimski-Korsakov descreveu Balakirev como “meio russo e meio tártaro no seu caráter”.  Os recursos musicais que Balakirev usou vinham principalmente do acervo de “sons orientais” — escalas cromáticas sensuais, ritmos de dança sincopados e harmonias langorosas que visavam evocar o mundo exótico de prazer hedonista que o povo do Ocidente associava havia muito tempo ao Oriente.  Esse elemento oriental foi um dos marcos da escola de música russa desenvolvida pelos kuchkistas — o “poderoso punhado” (kuchka) de compositores nacionalistas que incluía Balakirev, Mussorgski, Borodin e Rimski-Korsakov. 

Para Stassov, a importância da característica oriental da arte russa ia bem além da decoração exótica. Ela era uma comprovação do facto histórico de que a Rússia descendia das antigas culturas do Oriente. Stassov acreditava que a influência da Ásia era “manifesta em todos os campos da cultura russa: na língua, na vestimenta, nos costumes, na construção, na mobília e nos utensílios quotidianos, em ornamentos, em melodias e harmonias e em todos os contos de fadas”. Stassov começou a delinear a discussão da sua tese sobre a origem da ornamentação russa durante a década de 1860. Ao analisar os manuscritos medievais da Igreja russa, ele vinculou a ornamentação das capitulares a motivos semelhantes (losangos, rosetas, suásticas, padrões quadriculados e certos tipos de desenhos florais e animais) da Pérsia e da Mongólia. Encontravam-se motivos comparáveis em outras culturas de Bizâncio nas quais a influência persa também era marcante; mas, enquanto os bizantinos tinham tomado emprestado somente alguns ornamentos persas, os russos adotaram quase todos.

Havia, por exemplo, semelhança fora do comum na imagem ornamental da árvore que, segundo Stassov, estava vinculada ao facto de que tanto os persas quanto os russos pagãos tinham “idealizado a árvore como culto sagrado”. Em ambas as tradições, a árvore tinha base cônica, uma espiral em torno do tronco e galhos nus com flores magnoliáceas na ponta. A imagem aparecia com frequência em rituais pagãos do culto da árvore, que, como Kandinski descobrira, ainda era encontrado no povo komi nas últimas décadas do século XIX. Stassov a encontrou até como o tronco caligráfico da letra “Б” (“B”) num evangelho de Novgorod do século XIV, no qual um homem se ajoelha em oração ao pé de uma árvore. Aí está uma ilustração perfeita da mistura complexa de elementos asiáticos, pagãos e cristãos que forma as principais tendências da cultura folclórica russa.


quinta-feira, 8 de junho de 2023

O mistério da complexidade das sociedades humanas



As sociedades humanas são Sistemas Complexos, agregado de um grande número de elementos, que à medida que interagem entre si se organizam num complexo sistema de movimentos que vão da educação à economia até formarem uma cultura sui generis, com identidade própria que se costuma designar por 'um povo'. 
As suas propriedades fundamentais decorrem de uma emanação que resulta da da interação coletiva de seus múltiplos elementos individuais não apenas no seu interior como também com outros povos circundantes. O desenvolvimento do enquadramento científico destes sistemas só passou a receber uma exata compreensão quando a comunidade científica percebeu que o clássico método reducionista não se adequava às grandes questões das sociedades humanas no seu conjunto diverso. Foi na base desse pressuposto que a corrente dominante da neurociência deu um salto qualitativo nos finais do século XX ao olhar para o funcionamento do cérebro como uma estrutura holista resistente à abordagem reducionista, que dividia o cérebro em regiões individuais com uma alta densidade de neurónios.

Tal como se estuda hoje o nosso cérebro, uma gigantesca comunidade de neurónios articulados entre si numa grande sinfonia, o mesmo se aplica ao estudo das várias expressões da natureza humana ao longo da sua história, desde as pinturas rupestres de nossos antepassados pré-históricos, passando por prodigiosas produções de um Beethoven ou um Einstein, até chegarmos hoje ao expoente tecnológico da ida a Marte e da Inteligência Artificial.  Todo o substrato é o mesmo, a sociedade, a cultura, nada disto existiria sem o nosso cérebro. Nenhum dos inúmeros comportamentos vitais para a sobrevivência e prosperidade da nossa espécie poderia ser resultado de uma única pessoa.

Durante o século XX o mundo teve de lidar com duas guerras mundiais e a chamada “Guerra Fria”, em que durante quase quatro décadas duas superpotências nucleares ditaram as regras do jogo da geopolítica mundial. De um lado a hegemonia de uma democracia capitalista; do outro, a ditadura de partido único, comunista, que chegou ao fim em 1991 sem legado, depois de uma incompreensível megalomania com graus equivalentes de arrogância e incompetência, minada pela corrupção. Acima de tudo, pela violência abominável e atroz infligida àqueles que se opunham com o desterro do Gulag.  Passadas três décadas o mundo ainda está a sofrer as suas sequelas com a guerra na Ucrânia, que começou a bem dizer em 2014 com a anexação da Crimeia e que se agudizou a partir de fevereiro de 2022 com a invasão da Ucrânia que Vladimir Putin batizou de "operação especial".

Ao mesmo tempo, noutras latitudes e longitudes, como na França, milhares de pessoas repetidamente ocupam as ruas das cidades, sobretudo a capital, com manifestações violentas e batalhas campais entre os manifestantes e a polícia. 
As últimas como contestação a medidas reformistas do governo em prol pela sustentação da segurança social nos próximos anos.

A esperança era que, uma vez que um grande número de neurónios e suas conexões, áreas e núcleos neurais fossem estudados exaustivamente para além da informação já acumulada, permitisse explicar como o funcionamento do cérebro como um todo. Tal desiderato levou a que uma boa parte de neurocientistas se empenhassem numa tarefa multidisciplinar de juntar anatomistas, fisiologistas,  bioquímicos moleculares como se o cérebro fosse uma orquestra sinfónica. Entretanto, após a entrada na segunda década do século XXI esse entusiasmo tem esmorecido à medida que a Inteligência Artificial vai tomando conta da agenda com o regresso dos herdeiros dos físicos da mecânica quântica.

Milhões de milhões de conexões, sejam elas ao nível dos neurónios, sejam ao nível de seres humanos, é o modelo compreensivo do funcionamento dos Sistemas Complexos. Na realidade, mais uma vez a comunidade científica, como havia teorizado Thomas Kuhn, se perdeu no labirinto do novo paradigma para lidar com a Complexidade: sistemas formados por um grande número de elementos que interagem entre si, coisas como um movimento popular, o mercado financeiro mundial, a internet, o sistema imune, o clima do planeta ou mesmo uma colónia de formigas = Sistemas Complexos. Organizações cujas propriedades mais fundamentais tendem a “emergir” por meio da interação coletiva de seus múltiplos elementos individuais. Tinha-se chegado à conclusão que os Sistemas Complexos não revelavam os seus segredos mais íntimos abordados pelo clássico método reducionista. Mas, na verdade, outras abordagens alternativas também ainda não conseguiram que a Natureza revelasse esse seu grande segredo, a que os Clássicos greco-latinos chamaram Mistério