terça-feira, 30 de maio de 2023
Tolstoi visita Chekhov
segunda-feira, 22 de maio de 2023
Arábia
A vida no deserto é extremamente precária. Os nómadas por natureza sofrem de subnutrição; também competem ferozmente uns contra os outros para garantir a satisfação das suas necessidades básicas. O único modo de sobreviver é pertencer a um grupo bastante unido; sozinho, um beduíno não tem nenhuma possibilidade de sobreviver. Assim, os nómadas se juntam em grupos autónomos, agrupados por laços de sangue (clãs) ou parentesco em grupos maiores formando tribos. Estão unidos por intermédio de uma ancestralidade comum, real ou mítica. Os árabes, contudo, em geral não fazem distinção entre clãs e tribos. Para evitar que as tribos se tornassem muito grandes e difíceis de controlar, os grupos constantemente se reconfiguram. Era essencial cultivar uma ardente e absoluta lealdade ao qawm e a seus aliados. Somente a tribo poderia garantir a sobrevivência dos indivíduos, e isso quer dizer que não havia lugar para o individualismo.
Nem a Pérsia nem Bizâncio pensavam em invadir aquela região desolada e ninguém poderia sequer imaginar que nela estava prestes a nascer uma nova religião que logo se tornaria uma grande potência mundial. Nas terras civilizadas, muitos árabes se converteram ao cristianismo e, no século IV, formaram sua própria Igreja Siríaca. Mas, em geral, os beduínos árabes da Arábia Deserta desconfiavam tanto do judaísmo como do cristianismo, mesmo percebendo que essas religiões eram mais sofisticadas que a sua.
Ao se afiliar à Abissínia, Bizâncio encorajou o seu governante, o negus, a invadir o Iémen, para submetê-lo à suserania de Constantinopla. Contra a ameaça da Abissínia, os árabes do Sul pediram auxílio à Pérsia dos sassânidas. Finalmente, em 570, o rei Cosroes invadiu a região e o orgulhoso reino do Sul se tornou colónia da Pérsia. Dessa vez foi a heresia cristã do nestorianismo (que afirmava a existência de duas naturezas em Cristo, uma humana e outra divina), protegida pela Pérsia, que se tornou religião oficial. Os árabes beduínos de Hedjaz e Najd tinham imenso orgulho de seus vizinhos ao sul da Arábia e viram a sua queda como uma catástrofe. Inevitavelmente, o judaísmo e o cristianismo se tornaram suspeitos. Depois da morte de Maomé, os exércitos muçulmanos invadiram as fronteiras a norte com Bizâncio e a Leste com a Pérsia sassânida. Aí os árabes estavam profundamente ressentidos com os poderes locais e prontos para tentar a sorte com o islão.
No começo do século VII, os árabes da Arábia Central estavam cercados por fações dissidentes do cristianismo: no Sul, estava a majestosa igreja cristã de Najran, que os beduínos tanto admiravam, embora mantivessem sua desconfiança em relação a esses sistemas religiosos e estivessem decididos a continuar independentes das grandes potências. Ao mesmo tempo, havia um sentimento de insatisfação. Os árabes se sentiam inferiores tanto religiosa como politicamente. Mas parecia haver poucas chances de formação de um Estado beduíno unificado. Durante séculos, os árabes do Hedjaz e Najd viveram agrupados em tribos nômadas e em constante pé de guerra. Com o passar dos anos, desenvolveram um modo de vida altamente especializado, que se tornara comum na península pelo século VI d.C. Mesmo os árabes que viviam em cidades e assentamentos organizavam-se de acordo com o antigo etos pastoral: ainda criavam camelos e viam-se como filhos do deserto.
O mundo arábico é um mundo semítico. O círculo, o quadrado (representando os quatro cantos do mundo) e os 360 símbolos parecem ter vindo da antiga religião suméria. O ano sumério era composto por 360 dias, mais cinco dias santos adicionais, passados, por assim dizer, “fora do tempo”, na realização de cerimônias especiais que ligavam o céu e a terra. Em termos árabes, esses cinco dias especiais talvez fossem representados pela peregrinação do hajj, que acontecia uma vez por ano e era feita por todos os árabes da península. O hajj começaria na Caaba e se encaminharia aos vários santuários fora de Meca, possivelmente dedicados a outros deuses. O hajj originalmente acontecia durante o outono, e as várias cerimónias podem ter sido um modo de acompanhar o sol poente para que viessem as chuvas do inverno. Os peregrinos iriam em grupo até ao vale de Muzdalifa, morada do Deus Trovão; fariam uma vigília noturna na planície em volta do monte Arafat, a aproximadamente 25 Km de Meca; atirariam pedras nos três pilares sagrados de Mina e, finalmente, ofereceriam um sacrifício animal. Hoje ninguém entende qual o significado desses ritos e, no tempo de Maomé, é provável que os próprios árabes já tivessem esquecido o significado original, embora continuassem fervorosamente ligados à Caaba e aos outros santuários da Arábia, realizando os rituais com devoção.
Os rituais ajudam a desenvolver uma postura interior. A secularização das sociedades desviou as pessoas da participação desse tipo de atividade simbólica. Tal atividade arquetípica passou para o artista, o melhor detentor de um imaginário criador de símbolos. Em ritos como a tawwaf, ou os rituais do hajj, os árabes estavam criando um tipo especial de arte prática, por meio da qual descobriam sentido ou relevância que não se podem descrever em palavras com facilidade. Provavelmente, tinham consciência, em algum nível profundo, embora inarticulado da natureza simbólica e figurativa daquilo que esta celebração cerimoniosa representa. Talvez seja particularmente difícil para os republicanos apreciar isso, devido ao facto de algumas formas de agnosticismo encararem o ritual com um preconceito supersticiosamente equivalente, com suspeição e hostilidade.
Quando Maomé nasceu na cidade de Meca, por volta do ano 570 da era cristã, nenhuma das potências se importava com a Arábia. A Pérsia e o Império Romano Bizantino estavam imobilizados numa desgastante luta entre si que terminou pouco antes da morte de Maomé. Ambos estavam ansiosos por estreitar laços com os árabes do Sul, na região onde hoje é o Iémen. O reino da Arábia do Sul era diferente do resto da região: como tinha o auxílio das chuvas trazidas pelas monções, era uma região rica e fértil, detentora de uma cultura antiga e sofisticada. As intratáveis estepes da Arábia eram um ermo aterrador, habitado por gente do deserto a quem os gregos chamavam “sarakenoi” (povo que vive em tendas). Por isso, naquela região desolada ninguém poderia imaginar que nela estava prestes a nascer uma nova religião que logo se tornaria uma grande potência mundial.
A muruwah supria muitas funções de uma religião, dando aos árabes uma ideologia e uma visão que os capacitava a encontrar sentido em sua perigosa existência. Era uma religião, contudo, totalmente terra-a-terra. A tribo era o valor sagrado; os árabes não tinham a noção de vida após a morte e o indivíduo não tinha um destino único e eterno. A única imortalidade que um homem ou uma mulher poderia obter estava na tribo e na continuação do espírito desta. Cada um tinha a obrigação de cultivar a muruwah como forma de garantir a sobrevivência da tribo. Assim, a tribo tomava conta de si mesma. Esperava-se de seu chefe que cuidasse dos membros mais fracos do grupo e distribuísse os bens e as posses de modo igual. A generosidade era uma virtude importante: um chefe demonstrava poder e confiança (logo, o poder de sua tribo) por meio da hospitalidade larga e generosa para com os membros da tribo e seus confederados de outros grupos.
Hospitalidade e generosidade ainda são virtudes supremas para os árabes. Uma tribo hoje rica poderia estar na miséria amanhã, e se fosse egoísta durante os bons tempos quem a auxiliaria em sua hora de necessidade? Mas o cultivo da generosidade também ajudava os árabes a se elevar acima da árdua luta pela sobrevivência, não se preocupando com o amanhã. Ela estimulava a indiferença aos bens materiais, o que era essencial numa região onde não havia o bastante para todos, nem mesmo o essencial. Essa abordagem também delineava o profundo fatalismo da muruwah: o darh (tempo ou destino) era uma dura realidade e tinha de ser aceito com dignidade. A vida seria impossível se as pessoas não aceitassem que alguns desastres são inevitáveis. Os árabes, portanto, acreditavam firmemente que nada podia ser feito para prorrogar o término (ajal) da vida de um homem ou para assegurar provisões (rizq) suficientes de comida.
De facto, a Arábia era considerada uma região sem Deus, e nenhuma das religiões mais avançadas, associadas à modernidade e ao progresso, havia conseguido entrar nela. É verdade que havia umas poucas tribos judaicas de proveniência duvidosa nos assentamentos agrícolas de Yathrib (futura Medina), Khaybar e Fadak, mas esses judeus, cuja religião era de natureza algo rudimentar, eram praticamente indiscerníveis de seus vizinhos árabes. Nas terras civilizadas muitos árabes se converteram ao cristianismo e, no século IV, formaram a sua própria Igreja Siríaca. Mas, em geral, os beduínos, árabes da Arábia Deserta, desconfiavam tanto do judaísmo como do cristianismo, mesmo percebendo que essas religiões eram mais sofisticadas que a sua. Sabiam que as potências vizinhas estavam prontas para usá-las como forma de controlo imperial. Isso havia ficado tragicamente aparente no reino do Iémen, que perdeu para o império Sassânida a sua independência em 570, ano do nascimento de Maomé, convertido a uma satrapia persa. A heresia cristã do nestorianismo (que afirmava a existência de duas naturezas em Cristo, uma humana e outra divina), protegida pela Pérsia, tornou-se religião oficial. Os árabes beduínos de Hedjaz e Najd tinham imenso orgulho de seus vizinhos ao sul da Arábia e viram a sua queda como uma catástrofe. Inevitavelmente, o judaísmo e o cristianismo se tornaram suspeitos.Bizâncio encorajara os árabes das fronteiras a se converter por meio da construção de mosteiros e centros de culto. A tribo dos ghassan, que invernava na fronteira de Bizâncio, acabou se convertendo ao cristianismo monofisista e se tornou confederada dos bizantinos. Os gassânidas formaram um estado tampão de Bizâncio cuja função, supõe-se, era proteger o império cristão do império zoroastrista da Pérsia. Mas a Pérsia conseguiu retaliar. Os árabes lachmidas, a leste da Síria, tornaram-se nestorianos, uma fé também favorecida pelos árabes nas regiões mesopotâmicas do império persa. Os sassânidas, por consequência, também indicaram os árabes lachmidas como governantes de um estado tampão, com capital em Hira, para proteger as suas próprias fronteiras. Mas tanto a Pérsia como Bizâncio se retiraram dos estados árabes: como medida económica, o imperador Heráclio cortou os subsídios aos gassânidas durante a guerra contra a Pérsia, por volta de 584, e o rei Cosroés deu fim ao regime lachmida por volta de 602, designando governantes persas para substituir os árabes. Quando, cerca de trinta anos depois, após a morte de Maomé, os exércitos muçulmanos invadiram a região, encontraram os árabes profundamente ressentidos com os poderes locais e prontos para tentar a sorte com o islão.
O sistema tribal e o antigo paganismo haviam servido bem aos beduínos por séculos, mas, durante o século VI, a vida havia mudado. Mesmo que a maior parte da península arábica estivesse fora da civilização dominante, os árabes começavam a ter consciência de algumas das ideias e motivações dessa civilização. Alguns talvez tivessem ouvido falar, por exemplo, na noção religiosa de vida após a morte, que faz da vida do indivíduo um valor supremo. Como se ajusta isso ao antigo ideal comunitário do tribalismo? Os árabes que haviam começado a travar relações comerciais com os países civilizados voltavam com histórias impressionantes, e os poetas descreviam as maravilhas da Síria e da Pérsia. Mas parecia que os árabes não poderiam aspirar a tanto poder e esplendor. O sistema tribal impossibilitava-os de juntar os poucos recursos de que dispunham e encarar o mundo como o povo unificado que tinham apenas vaga consciência de ser. As tribos pareciam presas num ciclo sem fim de guerras e vendetas: uma rixa de sangue levava inevitavelmente a outra, ao mesmo tempo que novos indícios de individualismo minoravam sensivelmente o valor do etos comunitário.
Durante o século VI, uma tribo emigrara da problemática região da Arábia do Sul para o oásis de Yathrib, estabelecendo-se junto às tribos judaicas. Prosperaram com a agricultura e, no entanto, achavam que o sistema tribal simplesmente não funcionava quando não estavam percorrendo vastos territórios. No começo do século VII, oásis inteiros pareciam imersos num ciclo crónico de violência e guerra. Mas em Meca, a tribo dos coraixitas [quraysh], na qual nascera Maomé, tornara-se a mais poderosa da Arábia. Mas vivia um tipo de mal-estar sombrio, já que também sentia que a antiga ideologia não a tinha preparado para a vida urbana. Os coraixitas haviam-se estabelecido em Meca por volta do fim do século V.
Quando Maomé começou a pregar em Meca, era reconhecido por todos que a Caaba era dedicada a al-Llah, o Deus Supremo dos árabes pagãos, a despeito da efígie de Hubal. Por volta do começo do século VII, al-Llah se tornara mais importante que nunca na vida religiosa de muitos árabes. Muitas religiões primitivas mantêm a crença num Deus Supremo, às vezes chamado Deus do Céu. Acreditava-se que tivesse criado o céu e a terra e depois se retirado, como que exaurido pelo esforço. As pessoas perdiam o interesse nesse ser transcendente, que desaparecera de vista, e seu lugar era tomado por divindades mais atrativas e acessíveis. Deusas da fertilidade, em particular, afetavam de modo mais imediato as vidas de homens e mulheres, depois que se estabeleciam e começavam a cultivar a terra. Podemos ver isso nas Escrituras judaicas. Os antigos israelitas, ao se estabelecerem em Canaã, começaram a render culto a Baal, Anat e Ashtaroth, paralelamente a seu deus Iahweh. Parecia estupidez negligenciar essas divindades, que conheciam a terra muito melhor que eles. Mas em tempos de perigo se voltavam uma vez mais para Iahweh.
Durante o período de vida nómada, as funções de fertilidade das deusas árabes provavelmente tinham sido esquecidas, de modo que al-Llah, o Deus Supremo, tornou-se mais importante. O Corão deixa claro que todos os coraixitas acreditavam que al-Llah havia criado os céus e a terra. Isso era um dado a priori. Mas alguns deles, ao que parece, estavam dispostos a ir mais longe. No início do século VII, a maioria dos árabes passou a acreditar que al-Llah, o Deus Supremo, era o mesmo deus adorado por judeus e cristãos. Os árabes convertidos ao cristianismo chamavam seu Deus de “al-Llah” e parece que faziam o hajj juntamente com os pagãos. Mas os árabes tornavam-se cada vez mais conscientes de que al-Llah não lhes enviara uma Escritura. Podemos ver pelas primeiras biografias de Maomé que os árabes pagãos sentiam grande respeito pelo Povo do Livro, detentor de um conhecimento que eles não possuíam. Alguns deles decidiram procurar uma religião autêntica e não associada às grandes potências nem corrompida por sua conexão com o imperialismo e com o controlo estrangeiro. Já no século V, o historiador cristão palestino Sozomenus nos conta que alguns árabes haviam redescoberto a religião de Abraão e continuavam a praticá-la. Abraão, a rigor, não havia sido nem judeu nem cristão. Ele viveu antes que Moisés trouxesse a Torá ao povo de Israel. Na Arábia, durante o período em que Maomé recebeu as revelações, encontramos alguns árabes tentando praticar a religião de Abraão.
segunda-feira, 8 de maio de 2023
Os dias. Os meses. Os anos
O protótipo atual de calendário lunar é o calendário islâmico; do calendário solar é o calendário gregoriano; o calendário israelita é luni-solar. Mas também o calendário gregoriano conserva, de certo modo, uma base luni-solar no que diz respeito às regras para a determinação da data da Páscoa.
Um outro período de tempo utilizado nos calendários é a semana de sete dias, e que há uma disputa entre os especialistas quanto à sua origem. Uns acham provável estar relacionada com o mês lunar, visto que sete dias são aproximadamente um quarto de lunação, o intervalo aproximado entre a Lua cheia e o quarto minguante. Outros levam a origem para o número dos sete astros principais do firmamento desde a Antiguidade: os cinco planetas conhecidos mais o Sol e a Lua. Outros ainda, pensam que a escolha de um intervalo de sete dias se deva à Bíblia, em que o número sete entre os judeus era um número sagrado. Seja como for, o ciclo semanal de sete dias propagou-se inicialmente no Médio Oriente, e só bastante mais tarde chegou ao Ocidente, encontrando-se hoje praticamente incorporado em todos os calendários como ciclo regulador das atividades laborais.
Calendário Gregoriano
Assim passou a existir o Calendário Juliano, nome que obviamente se deve a Júlio César, que começou a vigorar no ano 709 de Roma (45 a.C.), mediante um sistema que devia desenrolar-se por ciclos de quatro anos, com três comuns de 365 dias e um bissexto de 366 dias, a fim de compensar as quase seis horas que havia de diferença para o ano trópico. Suprimiu-se o mês Mercedonius e o mês Februarius passou a ser o segundo mês do ano. O valor médio do ano passou a ser de 365,25 dias e o equinócio da primavera deveria ocorrer por volta de 25 de Março. O ano de 365,25 dias do Calendário Juliano é cerca de 11 m 14 s mais longo do que o ano trópico. A acumulação desta diferença ao longo dos anos representa um dia em 128 anos e cerca de três dias em 400 anos. Assim, o equinócio da primavera, que no tempo de Sosígenes ocorria por volta de 25 de março, teve lugar em 21 de março no ano da realização do Concílio de Niceia.
A reforma gregoriana tinha por finalidade fazer regressar o equinócio da primavera a 21 de Março e desfazer o erro de 10 dias já existente. Para isso, a bula mandava que o dia imediato à quinta-feira 4 de Outubro fosse designado por sexta-feira 15 de Outubro. Como se vê, embora houvesse um salto nos dias, manteve-se intacto o ciclo semanal. Para evitar, no futuro, a repetição da diferença foi estabelecido que os anos seculares só seriam bissextos se fossem divisíveis por 400. Suprimir-se-iam, assim, 3 dias em cada 400 anos, razão pela qual o ano 1600 foi bissexto, mas não o foram os anos 1700, 1800 e 1900, que teriam sido segundo a regra juliana, por serem divisíveis por 4.
Portugal, Espanha e Itália foram os únicos países que aceitaram de imediato a reforma do calendário. Em França e nos Estados católicos dos Países Baixos a supressão dos 10 dias fez-se ainda em 1582, durante o mês de Dezembro. Os Estados católicos da Alemanha e da Suíça acolheram a reforma em 1584; a Polónia, após alguma resistência, em 1586 e a Hungria em 1587. Os russos, gregos, turcos e, duma maneira geral, os povos de religião ortodoxa, conservaram o Calendário Juliano. Como tinham considerado bissextos os anos de 1700, 1800 e 1900, a diferença era já de 13 dias. A URSS adoptou o Calendário Gregoriano em 1918, a Grécia em 1923 e a Turquia em 1926.
É importante notar que na era cristã os anos são referidos a uma escala sem zero, isto é, a contagem inicia-se no ano 1 depois de Cristo, designando-se o ano anterior como ano 1 antes de Cristo. Por conseguinte, qualquer acontecimento ocorrido durante o primeiro ano da era cristã, embora seja apenas de um dia ou de um mês, conta-se como tendo ocorrido no ano 1 depois de Cristo. Por esta razão, o primeiro século (bloco de 100 anos) da era cristã, terminou no dia 31 de dezembro do ano 100 d.C. (os primeiros 100 anos após o início da era). O século II começou no dia 1 de Janeiro do ano 101 d. C. e assim sucessivamente. Consequentemente, o século XX começou no dia 1 de Janeiro do ano 1901, o que significa que o século XX terminou no dia 31 de dezembro do ano 2000.
Esta forma pouco lógica de numerar os anos do calendário é particularmente inconveniente quando se trata de determinar intervalos de tempo que começam antes do início da era cristã e terminam depois. Assim, por exemplo, o intervalo entre os anos 50 a.C. e 50 d.C. não é de 100 anos, mas apenas de 99. Em geral, estes intervalos de tempo obtêm-se diminuindo um ano, o que é necessário ter em conta ao investigar acontecimentos históricos ou fenómenos astronómicos da Antiguidade datados segundo a era cristã. Este inconveniente é facilmente resolvido com a introdução dos números negativos, como aliás o fazem os astrónomos. Assim, o ano 1 a.C. corresponde ao ano 0, o ano 2 a.C. ao ano -1 e assim sucessivamente. As datas depois de Cristo exprimem-se da mesma maneira.
quarta-feira, 3 de maio de 2023
O toque humano em tempo de Inteligência Artificial
Quanto mais digital e tecnológico o mundo se torna, maior é a necessidade de sentirmos o toque humano. Para uns basta apenas ser através de relacionamentos íntimos. Para outros, são mais importantes as conexões sociais através de banhos de multidões, sejam eles em manifestações de rua, sejam dentro de estádios desportivos à pinha. Há crescentes preocupações com esta espécie de apocalipse tecnológico que se está a traduzir não apenas na desregulação climática, mas também na imaterialidade de uma mente virtual descarnada, sem corpo humano. A tecnologia está a afetar negativamente as nossas habilidades corporais. Uma delas está na incapacidade progressiva de empatia humana. E mesmo a empatia pelos animais de companhia será mais uma perversão do ego. Um estudo, que remonta já a 2010, realizado por uma equipa de pesquisadores da Universidade de Michigan, descobriu um declínio de 40% da empatia entre estudantes universitários comparados com um grupo semelhante de há 30 anos.
Um dos nossos bens mais preciosos é a conversa. É estarmos reunidos a conversar à volta de uma mesa, ou à volta de um braseiro enquanto o sargo assa sem a barreira ou interposição de um qualquer meio tecnológico. Este lastimável estado de coisas havia começado em meados do século XX com a televisão. Hoje é a internet e as famigeradas redes sociais virtuais ou cibernéticas. Quanto mais tempo passamos imersos nas redes digitais, mais superficiais se tornam as nossas capacidades cognitivas. E isso deve-se ao facto de deixamos de controlar o nosso corpo. Logo, a nossa atenção.
Doravante é a informação que produz os efeitos culturais e psicológicos mais significativos; ela substituiu globalmente as obras de ficção no avanço da socialização democrática individualista. As revistas de informação, os debates e pesquisas têm mais repercussão sobre as consciências do que todos os sucessos do ensino da escola pública. Em muitos domínios, os média conseguiram substituir a escola, a família, os partidos, os sindicatos, bem como instâncias de socialização ancestrais como as religiões. É cada vez mais através dos meios de comunicação que somos informados sobre o curso do mundo. A socialização dos seres - que antigamente se fazia por intermédio da tradição, da religião, da moral - cedeu terreno à ação da informação mediatizada pela ditadura da imagem em detrimento da palavra. Saímos definitivamente do que Nietzsche chamava “a moralidade dos costumes”. A instrução disciplinar foi substituída por um tipo de socialização completamente inédito: o prazer da imagem.
A informação tem a particularidade de individualizar as consciências e disseminar o corpo social por seus inúmeros conteúdos. Por outro lado, trabalha de alguma maneira para homogeneizá-lo pela própria “forma” da linguagem mediática. Sob sua ação os sistemas ideológicos do passado perderam autoridade. A informação é um agente determinante no processo de desafeição dos grandes sistemas de sentido que acompanhou a evolução contemporânea das sociedades democráticas. Sustentada por uma lógica da novidade imediata, que não pode esperar pela ponderação reflexiva, a informação nas atuais sociedades democráticas não cessa de reduzir o impacto das consciências amadurecidas pelo pensamento demorado.
As inteligências contextuais, inspirada e emocionalmente conduzida, são as características essenciais para lidarmos com a revolução em curso. A epigenética, um campo da biologia que floresceu nos últimos anos, é o processo pelo qual o ambiente modifica a expressão de nossos genes. Indiscutivelmente, isso mostra a importância crítica do sono, da nutrição e dos exercícios em nossas vidas. O exercício regular, por exemplo, tem um impacto positivo sobre como pensamos e nos sentimos. Ele afeta diretamente o nosso desempenho no trabalho e, por fim, nossa capacidade de obter sucesso. Então algumas pessoas tentam aprender novas maneiras para manter o corpo físico em harmonia com a mente. Incríveis progressos em inúmeras áreas, incluindo as ciências médicas, os dispositivos e as tecnologias implantáveis e as pesquisas sobre o cérebro. Complexos desafios que enfrentamos. Isso será cada vez mais importante para que possamos navegar e aproveitar as oportunidades da quarta revolução industrial.
Saber o que é necessário para prosperar é uma coisa; agir é outra. Para onde tudo isso está nos levando? Como podemos estar bem preparados? Voltaire, o filósofo francês e escritor do Iluminismo, uma vez disse: “A dúvida é uma condição desconfortável, mas a certeza é ridícula”. Com efeito, seria ingenuidade afirmar que sabemos exatamente para onde a ciência nos levará. Mas seria igualmente ingénuo ficar paralisado por medo e pela incerteza do que poderá acontecer. Claramente, o futuro é tão assustador como as oportunidades são desafiantes. Devemos mudar a maneira compartimentada na tomada de decisões, particularmente porque os desafios que enfrentamos estão cada vez mais interligados. Somente uma abordagem inclusiva poderá engendrar a compreensão necessária para abordar as muitas questões levantadas pela Inteligência Artificial. Isso exigirá estruturas colaborativas e flexíveis, que reflitam a integração dos vários ecossistemas e que levem em conta todas as partes interessadas, reunindo o público e o privado, bem como as mentes de todas as origens mais informadas.
Com base na consciência obtida pelas narrativas compartilhadas, devemos iniciar a reestruturação dos nossos sistemas económicos, sociais e políticos para tirar o máximo proveito das oportunidades apresentadas. Está claro que os nossos modelos dominantes de criação de riqueza e os atuais sistemas de tomada de decisão foram projetados e evoluíram de modo incremental ao longo das três primeiras revoluções industriais. Esses sistemas, no entanto, já não estão equipados para cumprir as necessidades.