sexta-feira, 29 de abril de 2022

Os Samurais




Samurai - servo ou guerreiro - Inicialmente era um servidor civil do império japonês com as funções de cobrador de impostos e administrador de terras. Durante o período do Japão feudal - 930 - 1877, ganhou funções militares, passando a soldado da aristocracia imperial, no período de 930 a 1877. 
Na época feudal, já com funções militares, no Período Kamakura, conhecido pelo "Xogunato Kamakura"o samurai seguia o código de honra denominado Bushidô (caminho do guerreiro, desenvolvido nos séculos IX e XII), que ensinava as principais características do samurai: disciplina, lealdade, frugalidade, coragem extrema diante de qualquer situação. Em 1868, com a Restauração Meijios samurai perderam o poder para o imperador e declinaram rapidamente, sendo perseguidos e exterminados nove anos depois, no fim da Rebelião Satsuma.

O que difere o Samurai de outros guerreiros da Antiguidade é o modo de encarar a vida e o seu peculiar código de honra e ética. Eram chamados de Ronin os samurai desempregados, aqueles que ainda não tinham um daimyo (senhor de terras) para servir, ou quando o senhor morria, ou quando eram destituídos do cargo - princípio básico de lealdade do guia Bushidô. Ronin era considerado a mais profunda forma de penitência de um guerreiro, estando ele preso a uma vida desonrosa - sem um sentido para sua existência.

No século XVI, a classe dos espadachins japoneses viu-se diante do desafio das armas de fogo; ela então descobriu meios de livrar o Japão dessas armas e assim perpetuar sua dominação social por mais 250 anos. Enquanto o mundo ocidental, que tocou brevemente o Japão no século XVI, comerciava, viajava, se industrializava e passava por revoluções políticas, os samurais japoneses fechavam o seu país ao mundo exterior, extirpavam as cabeças-de-ponte da religião estrangeira e da influência técnica e fixavam fortemente as tradições segundo as quais tinham vivido e mandado por mil anos. Esse impulso encontra paralelos — foi fortemente sentido na China, no século XIX —, mas a sua realização efetiva é incomparável. Porém, apesar de toda a sua singularidade, seu sucesso evidencia que a lógica política não precisa dominar a guerra e que, ao contrário, as formas culturais, quando encontram defensores fortes, podem prevalecer sobre as tentações mais insistentes de escolher expedientes técnicos como meio de alcançar a vitória, em particular quando o preço da vitória é derrubar os valores mais antigos e acalentados.

Os samurais constituíam, em termos simplificados, a classe nobre e feudal do Japão. Deviam as suas origens ao isolamento insular do país e às subdivisões internas das ilhas japonesas percorridas por suas cadeias de montanhas. Os líderes dos clãs dos vales japoneses eram fiéis a um imperador cuja linhagem antiga era profundamente reverenciada, mas cujo poder era meramente nominal. A partir do século VII, quando o chefe de clã Fujiwara Kamatari instituiu um governo central tendo por modelo o da dinastia Tang da China, o Japão foi administrado efetivamente por um clã familiar, a princípio o do próprio Fujiwara, depois por rivais mais bem-sucedidos. Os rivais puderam competir com os Fujiwara e finalmente usurpar-lhes o poder devido à prerrogativa de coletar impostos. Com a riqueza acumulada com esses impostos, primeiro uma depois outras famílias nobres chegaram a dominar a corte imperial, até que, no século XII, aquele que detinha o poder fez o soberano de então, um imperador menino, conceder-lhe o título de Sei-i tai-Shogun, ou generalíssimo. Yoritomo, o primeiro xogum, já tinha estabelecido uma nova sede de governo, o Bakufu — literalmente, o “gabinete de campo” —, e a partir de então exerceu a autoridade central até o século XIX, quando a restauração Meiji devolveu o poder real, se não ao imperador, pelo menos à corte, derrubando o Bakufu e os magnatas dos vales.

Os xoguns, os líderes dos outros clãs militares que competiam com eles pelo poder e seus seguidores samurais, eram a grande classe guerreira cujos membros, distinguidos por seu direito de levar duas espadas, insistiam em seu estatuto nobre. 
Eram guerreiros impetuosos e talentosos. Uma prova disso foi a derrota decisiva que impuseram aos mongóis, que após o seu avanço sobre o mundo árabe em 1260 conseguiram pôr um pé no arquipélago japonês em 1274. Quando voltaram, em 1281, um tufão destruiu boa parte da frota, e eles partiram para nunca mais voltar.

Os japoneses eram um povo letrado e a cultura literária dos samurais era altamente desenvolvida. Os maiores nobres do Japão, aqueles que residiam na corte do imperador como um deus sem poder, não lutavam pela reputação militar, mas pela glória literária. O seu exemplo dava o tom para os samurais, que desejavam comumente ser conhecidos como peritos da esgrima, e poetas. O budismo em sua versão zen, adotada pelos samurais, encorajava uma visão meditativa e poética do universo. Os maiores guerreiros do Japão feudal eram, portanto, homens de espírito e sentidos cultivados.

O Japão feudal era politicamente caótico, devido à competição endémica pelo xogunato, mas caótico dentro de limites controlados. Porém, no início do século XVI, os conflitos tinham saído do controlo e a ordem social estava ameaçada; líderes estabelecidos eram derrubados, às vezes por meros bandidos; o poder do xogum tornou-se tão fictício como o do imperador. 

Até que chegaram os portugueses com canhões e armas de fogo em 1542. Assim, a excelência do comando não foi a única explicação para a restauração do poder central. A ordem foi restaurada entre 1560 e1616 por uma sucessão de três homens fortes notáveis: Oda Nobunaga; Toyotomi Hideyoshi; Tokugawa Ieyasu. Agiam em nome do xogum. Eles acabaram sistematicamente com o poder dos mosteiros budistas, dos líderes de clãs errantes e dos bandos fora-da-lei. A pacificação de Ieyasu foi concluída com o cerco à fortaleza de Osaka, em 1614, último foco de resistência de seus oponentes, após o que decretou a destruição de todos os castelos não residenciais do Japão. Os três generais tornaram-se hábeis manobradores das novas armas. Oda Nobunaga ficara muito impressionado com o poder da pólvora, equipou rapidamente as suas tropas com mosquetes. Até então, dentro da tradição antiga e quase universal de guerrear entre campeões, as batalhas japonesas começavam com os líderes de cada lado gritando desafios uns aos outros, identificando-se e exibindo suas armas e armaduras. Esse ritual continuou mesmo depois da introdução das armas de fogo, mas Oda Nobunaga não queria saber disso. Ensinou os seus mosqueteiros a disparar saraivadas em fileiras de até mil homens e, na batalha decisiva de Nagashino, em 1575, varreu o inimigo com uma torrente de fogo. Isso significava uma mudança revolucionária em relação à batalha de Uedahara, em 1548, quando o lado que possuía armas de fogo perdeu a chance de usá-las porque o adversário atacou com espadas no instante em que os rituais se concluíram.

O domínio estabelecido por esses comandantes poderia ter assegurado o predomínio das armas de fogo, mas aconteceu exatamente o contrário. No final do século XVII o uso de armas de fogo já estava quase extinto no país. Apenas alguns japoneses sabiam como fabricar armas de fogo ou canhões, e a maioria dos canhões sobreviventes datava de antes de 1620. Esse estado de coisas continuou até a metade do século XIX, quando a chegada dos “navios negros” do comodoro Perry na baía de Tóquio, em 1854, obrigou os japoneses a voltar a utilizar a pólvora. Mas durante 250 anos viveram completamente sem ela. O ímpeto de renúncia viera do último dos comandantes, Tokugawa Ieyasu, cuja campanha de pacificação culminara com sua ascensão ao xogunato

Primeiro veio um desarmamento geral da população instituído em 1587 pelo antecessor de Ieyasu, Hideyoshi, que decretou que todos os que não fossem samurais deveriam entregar as armas — espadas e armas de fogo — ao governo, que usaria o metal na construção de uma enorme estátua de Buda. O objetivo era, obviamente, aprofundar a pacificação do país, restaurando o monopólio das armas pela classe militar, que estava sob controlo do governo. A partir de 1607, Ieyasu instituiu um sistema que centralização de armas de fogo e canhões e determinou que o governo seria o único comprador autorizado. Todos os fundidores e armeiros receberam ordens de transferir suas oficinas para a cidade de Nagahama, os quatro principais armeiros foram promovidos a samurais, assegurando assim a sua lealdade, e promulgou-se um decreto estabelecendo que nenhuma encomenda de armas podia ser feita sem a aprovação do comissário para Armas de Fogo. Por seu turno, este revelou-se disposto a aprovar apenas as encomendas do governo, que por sua vez diminuiu progressivamente as suas compras até que, em 1706, a produção de Nagahama, nos anos pares, era de 35 arcabuzes grandes e, nos anos ímpares, de 250 pequenos. Distribuído por uma classe guerreira de cerca de meio milhão de homens — que os usavam principalmente em procissões cerimoniais —, esse total de armas era insignificante. 

A razão disso é uma questão muito mais complexa. As armas de fogo eram indiscutivelmente um símbolo da intrusão estrangeira. Elas estavam associadas, ilógica mas inescapavelmente, à disseminação do cristianismo pelos missionários jesuítas portugueses, que eram considerados os arautos da invasão. E Hidetada, o sucessor de Ieyasu, aplicou rigidamente as ordens de repressão e expulsão que seus antecessores tinham ordenado. As suspeitas do xogunato em relação ao cristianismo e todos os seus acessórios foi reforçada pela rebelião Shimabara, deflagrada por cristãos nativos em 1637, com o uso de pólvora. Depois que ela terminou, a autoridade do xogunato - Tokugawa, não foi desafiada por mais de duzentos anos e o fechamento do país aos forasteiros e à influência estrangeira imposta no ano anterior tornou-se completa.

Uma inclinação adicional ao chauvinismo talvez tenha se manifestado na única aventura de política externa do Japão, uma invasão da Coréia em 1592, destinada aparentemente a ser uma preliminar de uma extremamente ambiciosa agressão à China, que acabou sem sucesso em 1598. Contudo, mais importante que a rejeição às coisas do exterior, e profundamente subjacente a ela, era o reconhecimento de que as armas de fogo contribuíam para a instabilidade social. Uma arma de fogo nas mãos de um indivíduo qualquer ou de um pirata podia derrubar o mais nobre dos fidalgos.

O culto da espada teve muitas fontes. Foi promovido pelo zen-budismo, que enfatizava “dois ideais supremos — fidelidade e uma indiferença às provações físicas”. Foi reforçado pela cultura da classe guerreira, “uma cultura que dava atenção meticulosa ao formal, ao cerimonioso e ao elegantemente expresso na vida e na arte”; a esgrima japonesa, tal como a europeia, diga-se, era tanto uma habilidade quanto uma arte, governada pelas regras da conduta e do gesto que sintetizavam a preocupação dos japoneses com o “estilo” em todos os aspectos da existência. Ela parece ter participado da crença japonesa na importância da unidade com a natureza e as forças naturais, uma vez que o esforço físico é “natural”, ao passo que a energia química da pólvora não o é. Ela coincide indubitavelmente com o respeito japonês pela tradição, uma vez que não só a esgrima era tradicional, como as melhores espadas eram amiúde transmitidas de geração em geração, de pai para filho, tal como o nome de família — em si mesmo uma distinção restrita aos possuidores de espadas.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Maiakovski

 



Maiakovski, poeta e artista futurista, abraçou a Revolução Comunista. Mas não conseguiu seguir o seu experimentalismo artístico na era de Stalin. Suicidou-se em 1930. O ambiente conturbado combinava com a turbulência inventiva das mais diversas artes russas. Quando o bolchevismo chegou ao poder as vanguardas artísticas que tomavam conta da Rússia acompanharam-no. Ambas as revoluções caminharam lado a lado bem próximas uma da outra. Isso decorreu entre os finais da década de 1920 e o início dos anos 1930: o realismo soviético ascendeu com a ascensão de Stalin. A revolução de 1917 na Rússia foi um projeto revolucionário no mais radical sentido da palavra. O propósito dos comunistas não era somente derrubar o antigo regime político: era forjar uma sociedade completamente nova. Não apenas no sentido económico - de superar o capitalismo e implantar o socialismo, feito que já seria muito ambicioso, mas também criar um novo homem, com valores e comportamento diferentes dos anteriores. Imagina-se, assim, que uma tal sociedade seria um grande laboratório de experiências de inovadoras de engenharia social. Criou-se, portanto, uma sociedade experimental.

Maiakovski pode ser tomado como o símbolo desta relação contraditória entre experimentalismo e poder na URSS. Antes da revolução era um inquieto artista rebelde participante de um grupo que revolucionaria o uso da linguagem e representaria, literalmente, o futuro: os construtivistas futuristas. Maiakovski (como muitos outros desse grupo) aderiu à Revolução e lutou ao longo de toda a década de 1920 para manter viva a chama do experimentalismo e do vanguardismo dentro do espírito bolchevista. Para o poeta, a Revolução Socialista era a antítese do espírito burguês e a superação do capitalismo. Por conseguinte, deveria refletir uma atitude revolucionária, original, no campo da cultura. O conflito das almas permanentemente experimentais, revolucionárias, rebeldes dentro de uma sociedade que, ao se aproximarem os anos 1930, ia se tornando cada vez mais conservadora e repressiva. Tal ficou expresso não só na vida, mas também na morte de Maiakovski. Ele viria a suicidar-se em 1930. Incapaz de ver o seu projeto libertário, experimental, desabrochar na URSS, mas também não querendo se tornar um oponente do regime (pois era um comunista), optou pela saída definitiva. Seu espírito sobreviveu, entretanto, inspirando a vida literária experimental, rebelde, de vanguarda, não só dentro da URSS como também no mundo para fora da Rússia nas décadas seguintes.

Maiakovski via o comunismo como o projeto do futuro. Não era à toa que chamava a si e ao seu movimento de futurista. Antes da revolução ele dizia que para que a arte e a literatura do futuro desabrochassem era preciso romper com o passado radicalmente: deitar tudo fora, inclusive Pushkin, o maior poeta russo. Era a maneira metafórica de Maiakovski dizer que a sociedade russa pré-revolucionária tinha que se refazer totalmente. Após a Revolução, a verve satírica e crítica de Maiakovski não esmoreceu. Basta ver o poema “O Reunismo”, de 1922, em que critica o excessivo sistema burocrático, e a “mania de reuniões” que começava a infestar toda a vida soviética.



Maiakovski - 1930

segunda-feira, 18 de abril de 2022

22 de junho de 1941 – a Alemanha invade a URSS


Às primeiras horas de 22 de junho de 1941, quando as forças alemãs se encontravam na fronteira soviética, prontas para a invasão – 2,5 milhões de soldados soviéticos enfrentavam 3,2 milhões de alemães. As reservas soviéticas, disponíveis para a defesa de Moscovo, de Leningrado e das regiões industriais da bacia do rio Donets e dos Urais, eram de 2,2 milhões de homens. Esses números, porém, eram enganadores: somente 30% das tropas soviéticas estavam equipadas com armas automáticas e apenas 20% dos aviões soviéticos, e 9% dos tanques, eram modelos modernos.
Uns dias antes, o expresso Berlim-Moscovo atravessava a ponte ferroviária sobre o rio Bug e entrava em Brest-Litovsk, na fronteira soviética. Pouco depois, dois comboios provenientes de Kobryn atravessaram o Bug na direção oposta: o expresso normal Moscovo-Berlim e, seguindo-o imediatamente, um comboio de mercadorias que transportava cereais soviéticos para os silos da Alemanha. A vida seguia o seu curso habitual. Num ponto mais meridional da fronteira, o comandante de um corpo do exército alemão comunicou aos seus superiores que a pequena cidade soviética à sua frente estava manifestamente tranquila. “Sokal não tem as luzes apagadas”, disse ele. “Os russos colocaram homens nas guaritas, que continuam iluminadas. Aparentemente não têm suspeitas.” Em Novgorod-Volynsky, o general soviético Konstantin Rokossovsky era convidado de honra para um concerto em seu quartel-general. Ao receber a diretiva vinda de Moscovo, ordenou aos comandantes que regressassem às respetivas unidades “no fim do concerto”. Na residência dos oficiais em Kiev, o general Pavlov, comandante da região militar do Ocidente, assistia a uma comédia ucraniana. Ao ser informado de que “a situação na fronteira parecia alarmante”, resolveu, de qualquer maneira, ver a peça até o fim. Não era um concerto nem uma peça, mas um baile, o evento marcado para essa noite de sábado na cidade fronteiriça de Siemiatycze, em que estavam, como era habitual havia algumas semanas, os elementos da patrulha fronteiriça do lado alemão e um grande número de judeus. Às 4h, o baile ainda não terminara. Os minutos sucediam-se em canções roucas e em danças rodopiantes. “De repente”, registou um historiador do episódio, “começaram a cair bombas. O salão de baile ficou sem luz. Em pânico e tropeçando uns nos outros, no escuro, todos correram para suas casas”.
Senhor de oito capitais europeias – Varsóvia, Copenhague, Oslo, Haia, Bruxelas, Paris, Belgrado e Atenas –, dominando a Europa desde o Ártico até à ilha de Creta, com seus exércitos vitoriosos ainda mais a sul, na fronteira do Egito, Hitler voltava as suas atenções e tropas para Moscovo. Porém, embora não estivesse longe o dia em que as torres do Kremlin seriam visíveis através dos binóculos dos comandantes alemães na primeira linha, Moscovo nunca seria sua, e a marcha sobre a cidade, tal como a de Napoleão, conduziria, entre o sofrimento e a devastação, à derrocada de todos os seus planos e à queda do Reich. Passavam quinze minutos das quatro horas da manhã de 22 de junho de 1941 quando as tropas alemãs começavam a invasão da União Soviética. Nas primeiras horas os bombardeiros alemães atacaram 66 aeródromos soviéticos, destruindo muitos aviões. Ao mesmo tempo, cinco cidades soviéticas previamente escolhidas eram sujeitas a bombardeamentos aéreos: Kovno, Minsk, Rovno, Odessa e Sebastopol. Outro grupo de bombardeiros atacou, em Libava, uma entre as principais bases navais soviéticas do Báltico. Enquanto a população soviética despertava ao som das bombas, o exército alemão iniciava o seu avanço ao longo de uma frente de 1.500 Km. Às sete horas, Goebbels leu por rádio uma proclamação de Hitler: “Sobrecarregado pelo peso dos preparativos”, declarava, “condenado a meses de silêncio, posso finalmente falar com toda a franqueza, Povo alemão!, neste momento, está em curso uma marcha que, por suas dimensões, iguala-se às maiores que o mundo alguma vez assistiu. Decidi colocar novamente o destino e o futuro do Reich e de nosso povo nas mãos de nossos soldados. Que Deus nos auxilie, especialmente nesse combate!”.

Quinze minutos depois, com a aprovação de Stalin, Zhukov emitiu uma diretiva em que autorizava as tropas soviéticas a “atacar o inimigo e destruí-lo” onde quer que as fronteiras fossem violadas, sem, contudo, transpor a fronteira alemã. Seriam organizados ataques aéreos contra as posições alemãs, nomeadamente em Konigsberg e em Memel, mas as incursões não deveriam ultrapassar 150 Km além das linhas inimigas. Molotov faria uma comunicação ao país, por rádio, ao meio-dia.

Nada podia deter o avanço dos exércitos alemães. Nesse dia, ao sul de Kovno, em Alytus, uma ponte de importância vital foi tomada, e a linha do rio Neman foi transposta pelos alemães sem que encontrassem qualquer resistência por parte dos soviéticos. Algumas unidades russas, registou o general Halder, “foram capturadas completamente desprevenidas nos quartéis; os aviões estavam nas bases, ainda cobertos; e as unidades mais avançadas, ao serem atacadas por nossas tropas, perguntavam ao alto-comando o que deviam fazer”. Às 21h15, Timoshenko emitiu a terceira diretiva em menos de 24 horas, ordenando que todas as forças fronteiriças soviéticas passassem à ofensiva e avançassem cerca de 80 a 120 Km além da fronteira alemã. A maré da guerra, porém, já não podia ser mudada por uma simples diretiva. Ao cair da noite em 22 de junho, os alemães haviam aberto uma brecha entre a frente noroeste e a frente ocidental soviética, mas nem todos os observadores viam na ofensiva alemã um facto trágico. Quando, às 16h, a notícia do ataque alemão à Rússia foi transmitida através dos alto-falantes alemães instalados em Varsóvia, os judeus do gueto, conforme um deles, Alexander Donat, recordou mais tarde “Com a Rússia do nosso lado”, sentiam eles, “a vitória é certa, e o fim de Hitler está próximo”.

A confiança desses judeus encurralados e famintos tinha uma curiosa contrapartida no clima que reinava em Berlim. “Temos de vencer, e depressa”, escreveu Goebbels em seu diário, em 23 de junho. “Nota-se que a população está levemente desanimada. A nação quer a paz, se bem que não à custa de uma derrota, mas cada novo teatro de operações que se inaugura traz consigo inquietação e receio.” Hitler, trocando Berlim por um novo quartel-general, a Toca do Lobo, próximo de Rastenburg, na Prússia Oriental, disse ao general Jodl: “Basta-nos arrombar a porta a pontapé para que o edifício inteiro se desfaça, tão podre ele está.” No entanto, nem mesmo a confiança de Hitler era isenta de reservas. “No início de cada campanha”, disse ele a um membro de seu estado-maior algumas horas mais tarde, “abre-se uma porta para um quarto escuro, onde nada se vê. Nunca se sabe o que estará escondido”.

Ao meio-dia de 22 de junho, a força aérea alemã já havia destruído mais de mil aviões soviéticos no solo ou em combate: um quarto de todos os efetivos aéreos russos. Nesse dia, tanto a Itália como a Roménia declararam guerra à União Soviética. Ao cair da noite, haviam sido tomadas as cidades de Kobryn e de Pruzhany, situadas na zona fortificada. No dia seguinte, em Moscovo, foi criado um conselho de evacuação, composto por três elementos, entre os quais Alexei Kosygin, que organizaria o desmantelamento, a transferência e a reconstrução de mais de 1.500 fábricas de armamento e de outras unidades industriais da Rússia Ocidental e da Ucrânia para locais seguros no Leste. Além dos Urais, longe de qualquer combate provável, ou mesmo possível, em cidades distantes como Sverdlovsk, Kurgan e Chelyabinsk, na Sibéria e nas cidades do Cazaquistão, a União Soviética, neste momento de desorganização e de fraqueza, começava a reconstituir as bases de um maciço potencial de guerra.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

A bomba atómica e o fim de tudo



Vladimir Putin, com a invasão da Ucrânia e uma guerra a que a Europa já não estava habituada desde a Segunda Guerra Mundial, bem como a ameaça que faz agora com as armas nucleares depois de a Suécia e a Finlândia terem declarado vontade de entrar na NATO, aviva a memória de Hitler. Para Hitler, a Primeira Guerra Mundial fora “a maior de todas as catástrofes”. Putin, desde que ascendeu ao poder como presidente da Rússia em 7 de maio de 2000, diz o mesmo do fim da União Soviética em 1991.

Hitler achara os perigos das trincheiras revigorantes. Sua bravura lhe dera medalhas e a opinião favorável de seus oficiais. Depois de anos de vida como um derrotado em Viena, metera na cabeça a sua ardente crença na superioridade da nação germânica sobre todas as outras. E ele estava tomado por uma ira destruidora em face da humilhação da Alemanha na paz de Versalhes, (cujos termos incluíam a perda de território, redução de seu exército a uma força de 100 mil, privação de sua marinha de vasos de guerra modernos e abolição total de sua força aérea) foram aceites pelo governo alemão somente porque o bloqueio naval dos Aliados, obtendo finalmente o efeito que não conseguira nos anos de guerra, não lhe deixava outra opção. 

Na Rússia, um partido bolchevique triunfalista, vitorioso na guerra civil, estava instituindo um regime que, apesar de toda a sua retórica igualitarista, superaria em muito a Revolução Francesa ao subordinar todos os aspectos da vida pública, assim como boa parte da vida privada, ao comando do alto, reforçado por disciplinas arbitrárias e um sistema penetrante e difuso de espionagem interna. 

Hitler admirava profundamente Mussolini, que comparava constantemente a Júlio César e cujo uso do simbolismo legionário, inclusive o de estandartes e da saudação “romana”, adotou em seu grupo revolucionário. No entanto, o Estado germânico, embora enfraquecido pela derrota. A tentativa de um golpe de Estado em 1923 foi facilmente sufocada pela polícia bávara. 
Mas, em janeiro de 1933, costurando com dificuldade uma maioria no Parlamento, foi nomeado chanceler e passou a tomar imediatamente medidas para repor a Alemanha em seu antigo lugar de grande potência militar. No ano seguinte, com a morte do presidente Hindenburg, o comandante-em-chefe do tempo da guerra, Hitler fez com que todos os soldados jurassem fidelidade pessoal a ele na qualidade de novo chefe de Estado (Führer, ou “líder”). Em 1935, repudiou as cláusulas do Tratado de Versalhes que limitavam o tamanho do exército a 100 mil, reimplantou o recrutamento universal e decretou a criação de uma força aérea independente; em 1936, mesmo ano em que negociou com a Inglaterra um novo tratado naval anglo-germânico que lhe permitia construir submarinos, reocupou a desmilitarizada Renânia com tropas alemãs. Já estava fabricando tanques em janeiro de 1934. Em 1935, três divisões panzer (blindados) já estavam em formação. Em 1937, o exército alemão já contava com 36 divisões de infantaria e três de panzer. Proporcionou uma força de guerra de 3 milhões de homens, um aumento de trinta vezes em quatro anos. Em 1938, a nova Luftwaffe tinha 3350 aviões de combate (nenhum em 1933) e estava treinando tropas de paraquedistas para se tornarem o braço aéreo do exército, enquanto a marinha dava início à construção do primeiro de uma série de super encouraçados e planeava construir um porta-aviões.

Enquanto os franceses reforçavam a Linha Maginot e os ingleses recusavam-se firmemente a se rearmar, os jovens alemães envergavam com entusiasmo o uniforme cinzento escuro das trincheiras, gozavam da admiração dos civis, tal como seus pais e avós nas décadas anteriores a 1914, quando o exército de conscritos fora o principal símbolo da nacionalidade germânica, e vibravam com a modernidade que representavam tanques, aviões de combate e caças de mergulho. Em 1939, a sociedade alemã não estava apenas remilitarizada, mas tomada pela crença de que possuía os meios para sobrepujar os seus decadentes vizinhos, Estados que não levavam a sério a filosofia de “cada homem um soldado”, e obter a vitória que lhe fora roubada 21 anos antes.

A campanha da Polónia revelou a nova tática para a qual as forças terrestres e aéreas da Alemanha estavam equipadas e treinadas. Chamada de Blitzkrieg, “guerra relâmpago”, termo de um jornalista, mas bastante descritivo, ela concentrava os tanques das divisões panzer numa falange ofensiva, apoiada por esquadrões de caças de mergulho agindo como “artilharia voadora”, que quando direcionada para um ponto fraco de uma linha de defesa a rompia e prosseguia espalhando confusão em sua esteira. A técnica era a mesma introduzida por Epaminondas em Leuctra, usada por Alexandre contra Xerxes em Gaugamelos e empregada por Napoleão em Marengo, Austerlitz e Wagram. A Blitzkrieg, porém, obteve resultados negados a comandantes anteriores, cuja habilidade para explorar o sucesso no ponto de assalto estava limitada pela velocidade e resistência do cavalo, fosse um instrumento de força ou um meio de levar mensagens e relatórios. O tanque não somente deixava para trás a infantaria, como podia manter um ritmo de avanço de cinquenta, até oitenta quilómetros em 24 horas, desde que suprido de combustível ou peças sobressalentes, ao mesmo tempo que seu aparelho de rádio permitia ao quartel-general receber informações e transmitir ordens com a mesma velocidade que as operações pediam, um desdobramento que veio a ser conhecido durante a guerra como “tempo real”.

Concentradas furtivamente nas florestas das Ardenas, ao norte da Linha Maginot, as divisões blindadas alemãs romperam as defesas de campo francesas em três dias de luta e alcançaram Abbeville, na costa do canal da Mancha, em 19 de maio. Esse avanço cortou os exércitos aliados em dois, deixando o melhor dos franceses e das forças expedicionárias britânicas isolado no Norte, enquanto no Sul a defesa do interior francês ficava nas mãos de formações imóveis e de segunda categoria. A maior parte do exército inglês foi evacuada de Dunquerque por mar — e a frente meridional foi penetrada e derrotada imediatamente depois. Em 17 de junho, o governo francês pediu um armistício que entrou em vigor a 25 de junho. A 19 de julho, ele realizou uma celebração da vitória em Berlim para promover doze de seus generais ao posto de marechal; já tinha tomado a decisão de desmobilizar 35 das cem divisões do exército, para que a indústria recuperasse a mão-de-obra necessária para sustentar a produção de bens de consumo em níveis de tempo de paz.

Portanto, no verão de 1940, a União Soviética estava inerte, satisfeita com a incorporação ao seu território das terras que Hitler lhe destinara no acordo com Stalin, anterior à guerra, e com o cumprimento das entregas de matérias-primas que eram uma condição do acordo. A Inglaterra, expulsa do continente, onde abandonara quase todo o seu equipamento militar pesado, estava destituída de meios para travar uma guerra ofensiva; na melhor das hipóteses, podia defender as suas rotas marinhas ou seu espaço aéreo. Qualquer cálculo racional levava à conclusão de que os ingleses pediriam paz. Assim calculava Hitler e ele esperou durante junho e julho receber uma proposta de Churchill.

Uma Blitzkrieg em escala ampliada pela estepe russa seria uma guerra relâmpago bem-sucedida, pensou Hitler. Se bem pensava, proporcionaria à Alemanha os recursos materiais e industriais que fariam dela a potência dominante da Europa para sempre. Essa Blitzkrieg não teria sido deflagrada se a Inglaterra tivesse concordado com um armistício, uma vez que evitaria o perigo de que os Estados Unidos viessem a intervir na Europa, como acontecera em 1917, invertendo a balança do poder. Porém, a Inglaterra mostrou-se recalcitrante, mesmo sob o peso da ofensiva aérea total lançada pelos alemães em agosto. Enquanto observava quanto tempo as defesas aéreas britânicas poderiam resistir, Hitler decidiu suspender a desmobilização de divisões que tinham tomado parte na batalha da França e começar uma distribuição preventiva de suas formações panzer no Leste.

Hitler era um clausewitziano convicto: considerava realmente a guerra como uma continuação da política. Mais que isso: não as via como atividades separadas. Tal como Marx, embora rejeitasse com desprezo o coletivismo dele, uma vez que fora ideado para libertar indiferentemente todas as raças da escravidão económica, Hitler concebia a vida como luta e a guerra, portanto, como o meio natural pelo qual a política racial alcançaria seus objetivos. Em 1934, afirmou em Munique: “Nenhum de vocês leu Clausewitz, ou, se o fez, não aprendeu a relacioná-lo ao presente”. Em seus últimos dias de vida em Berlim, em abril de 1945, quando se sentou para escrever o seu testamento político ao povo alemão, o único nome que citou foi o do “grande Clausewitz”, ao justificar o que tentara realizar.

Armas revolucionárias, ethos guerreiro e filosofia clausewitziana de integração dos fins militares aos políticos iriam garantir que, sob a mão de Hitler, a guerra na Europa entre 1939 e 1945 alcançasse um nível de totalidade com que nenhum líder anterior - nem Alexandre, nem Maomé, nem Gengis Khan, nem Napoleão - jamais sonhara. No início das hostilidades, ele concordou com a declaração dos governos inglês e francês de que não dirigiriam ataques aéreos contra alvos civis. Uma vez aberta uma brecha na proibição - por um ataque alemão equivocadamente lançado contra a cidade alemã de Freiburg a 10 de maio de 1940, que a conveniência exigiu que se colocasse a culpa nos franceses -, as inibições foram deixadas de lado.

Hitler, frustrado em seus esforços de fazer a Inglaterra admitir a derrota pelos efeitos dos bombardeios, resolveu então usar o seu outro sistema revolucionário de armas, a força blindada, para conseguir a vitória total na Europa que tanto desejava. Na primavera de 1941, sua distribuição de divisões no Leste estava completa e sua decisão de atacar a União Soviética, que se recusara a concordar com a sua reorganização diplomática da Europa meridional, era absoluta. Depois de uma campanha subsidiária para conquistar a Jugoslávia e a Grécia, que resistiram às suas exigências de subordinação, lançou as suas forças blindadas contra a Rússia em 22 de junho.

A Blitzkrieg nos primeiros seis meses da ofensiva na Rússia foi tão estrondosa como havia sido no Ocidente a primavera de 1940. Até dezembro, os tanques germânicos tomaram a Ucrânia, o celeiro agrícola da União Soviética e fonte de boa parte de sua riqueza industrial e extrativa, e chegaram às portas de Leningrado e Moscovo. Embora os soldados alemães tivessem observado os códigos legais de combate vigentes no Ocidente, no Leste, eles se comportaram frequentemente como se o suposto barbarismo de seus adversários (um barbarismo tecido pelos propagandistas do Reich a partir de lembranças folclóricas da ameaça das estepes e da evocação de uma Revolução Vermelha sangrenta de unhas e dentes) justificasse o comportamento bárbaro contra os soldados do Exército Vermelho, mesmo depois de aprisionados, o que aconteceu aos milhares depois dos cercos de Minsk, Smolensk e Kiev. Mais de 3 milhões dos 5 milhões de soldados soviéticos feitos prisioneiros pela Wehrmacht morreram de maus-tratos e privações no cativeiro, a maioria nos dois primeiros anos de campanha.

A Blitzkrieg funcionou em terra, pelo menos até a embrulhada alemã na batalha de Stalingrado, no outono de 1942. Enquanto isso, no espaço aéreo do continente europeu, seus inimigos movimentavam-se para obter uma vantagem decisiva.
 Os primeiros bombardeiros britânicos eram estratégicos em concepção, não em capacidade, mas a força aérea americana, que começou a chegar à Inglaterra em 1942 para participar com a Real Força Aérea da execução de uma campanha de bombardeios estratégicos contra a Alemanha, fez isso com um avião, o B-17, que cumpria todos os desideratos necessários: era rápido, de longo alcance, lançava uma grande carga de bombas com grande acuidade e estava concebido para defender-se contra o ataque de caças.

A revogação por Hitler do acordo tácito de poupar os alvos civis levou a Inglaterra a começar a bombardear cidades alemãs em 1940. Os bombardeiros conseguiram pouca coisa naquele ano e no seguinte, mas em fevereiro de 1942 um novo chefe do Comando dos Bombardeiros, marechal-do-ar Arthur Harris, pôs de lado a política de atacar apenas alvos militares identificáveis e inaugurou o “bombardeio de área”. 
Logo mil bombas inglesas com explosivos de ruptura choviam sobre cidades alemãs escolhidas, ao mesmo tempo que ataques diurnos coordenados da força aérea do exército americano sustentavam o ataque. Depois que obtiveram uma força de caças de longo alcance para escoltar as suas formações até aos alvos, os bombardeiros voavam sobre a Alemanha impunemente.

O Japão, outro dos vitoriosos nominais da Primeira Guerra, que se sentia enganado na partilha dos despojos, tinha gasto uma grande proporção de seu orçamento militar desde 1921 construindo a maior e mais bem equipada força aérea naval do mundo. A frota de seis grandes porta-aviões não tivera nenhuma utilidade quando, em 1937, quando o exército deflagrou um ataque total à China. Mas revelou-se um suporte estratégico essencial quando, em 1941, Tóquio tomou a decisão de desafiar a insistência americana de que terminasse a ofensiva na China e desistisse da disposição de tropas ao sul que ameaçavam as possessões britânicas e holandesas na Malásia e nas Índias orientais. Yamamoto, o principal estratego naval do Japão era um dos poucos japoneses que conheciam de perto os Estados Unidos.  N
os primeiros seis meses de 1942, a marinha japonesa, agindo ao mesmo tempo como ponta de lança e escolta para o exército, conquistou quase todo o Pacífico ocidental e o Sudeste asiático e levou o perímetro do que estava planeado para ser uma zona impenetrável de controlo estratégico até aos acessos setentrionais da Austrália.

De onde os japoneses tiraram o ethos guerreiro que fez deles um dos mais terríveis povos militares que o mundo já conheceu continua tão misterioso hoje quanto no dia 7 de dezembro de 1941 os seus pilotos transformaram os couraçados da frota do Pacífico dos Estados Unidos ancorados em Pearl Harbor numa fileira de cascos em chamas. Já era um povo guerreiro e, durante o século XIII, o único, além dos mamelucos turcos do Egito, que confrontou e viu partir o impulso conquistador dos mongóis. Todavia, eram guerreiros de um tipo “primitivo”, praticando um estilo altamente ritualizado de combate e valorizando a habilidade nas armas em larga medida como um meio de definir o estatuto social e subordinando os desprovidos de espada ao poder dos samurais. Foi para perpetuar essa ordem social que tinham banido a pólvora de suas ilhas no século XVII e, a partir de então, resistiram à intromissão de comerciantes estrangeiros até reconhecerem, com a chegada de uma frota americana de navios de guerra a vapor, em 1854, que os meios de negar o mundo exterior não eram mais eficazes.

Ao contrário dos manchus chineses, que reagiram ao desafio tecnológico ocidental confiando na capacidade da cultura tradicional de negar seus efeitos desestabilizadores, os japoneses, a partir de 1866, tomaram a decisão consciente de aprender os segredos da superioridade material do Ocidente e colocá-los ao serviço do seu próprio nacionalismo. Numa terrível guerra civil, os samurais rústicos que resistiram ao programa de reformas foram esmagados por exércitos que pela primeira vez admitiam gente comum em suas fileiras. O regime vitorioso, dominado por famílias feudais que tinham abraçado a necessidade de mudança, introduziu no Japão as instituições que seus enviados aos países ocidentais tinham identificado como as que os tornavam fortes: na economia, as indústrias de processos repetitivos; no domínio público, um exército e uma marinha recrutados por alistamento universal e equipados com as armas mais avançadas, incluindo navios encouraçados que, em 1911, já estavam em construção nos estaleiros japoneses.

Outros Estados não europeus que tentaram essa imitação do poderio militar ocidental, notadamente o Egito de Muhammad Ali e a Turquia otomana do século XIX, tinham fracassado. A compra de armas ocidentais não trazia necessariamente com ela a transferência da cultura militar do Ocidente. Mas o Japão conseguiu adquirir as duas juntas. Em 1904-05, derrotou a Rússia numa guerra pelo controlo da Manchúria na qual todos os observadores ocidentais testemunharam o poder de luta exemplar do recruta comum japonês. Isso foi demonstrado novamente na campanha de 1941-45 no Sudeste asiático e no Pacífico, especialmente nos estágios iniciais, quando unidades treinadas dos “povos marciais” da Índia — herdeiros de ondas sucessivas de conquistadores militantes e comandados por oficiais britânicos — foram constantemente superadas em combate pelos descendentes de agricultores japoneses que, cem anos antes, tinham sido proibidos de portar armas.

As qualidades pessoais dos soldados japoneses acabaram por ser ultrapassadas exatamente pelos meios que Yamamoto tinha advertido: a capacidade “repentina” da indústria americana de superar a produção japonesa de navios e aviões de guerra. O desempenho do corpo de fuzileiros navais dos Estados Unidos nas batalhas para conquistar as ilhas de Iwo Jima ou Okinawa (1945), em particular, desmentiu a rejeição racista de Hitler dos americanos como um povo desvirilizado pela abundância material. Contudo, a consistência com que os japoneses demonstraram a sua determinação de lutar literalmente até à morte — após o ataque em Tarawa (1943), apenas oito dos 5 mil soldados da guarnição japonesa foram encontrados vivos — persuadiu o alto comando americano em 1945 de que um ataque às ilhas centrais do Japão custaria caro demais — falou-se em 1 milhão de baixas, talvez de mortos — para ser tentado, a não ser que outro meio prevalecesse. Por fim, esse meio estava disponível.

Os Estados Unidos já tinham utilizado uma pletora de meios técnicos avançados contra o Japão na tentativa de vencer a coragem com o poder de fogo. Sua frota de porta-aviões, inferior em número mas vigorosamente manejada nas batalhas do mar de Coral e das ilhas Midway, tinha restaurado o equilíbrio naval no Pacífico em 1942. No final de 1944, a força submarina americana já tinha afundado metade da frota mercante japonesa e dois terços de seus petroleiros; no verão de 1945, a força aérea estratégica dos Estados Unidos estava engajada numa campanha incendiária que deixou completamente incendiada 60% da área das sessenta maiores cidades construídas em madeira do Japão.

Os exércitos anglo-americanos, que tinham desembarcado na França em junho de 1944, e o Exército Vermelho, que tinha simultaneamente rompido a última linha de defesa da Wehrmacht na Bielorrússia, estavam lutando dentro do território germânico. As batalhas que travaram foram de atrito: o aumento do número de tanques em todos os exércitos fizera com que essa arma blindada perdesse as propriedades revolucionárias que aparentemente proporcionara à guerra no breve período da Blitzkrieg de 1941-42. Ademais, a ofensiva dos bombardeiros também tinha passado por um longo período de atrito em 1943-44, quando as perdas de tripulações aéreas de 5%, às vezes 10% por missão, tinham ameaçado quebrar o moral e conceder vantagem nos céus da Alemanha a seus caças e suas defesas antiaéreas. O bombardeiro tripulado era uma arma frágil de ataque, como Hitler pagara caro para aprender na campanha de 1940 contra a Inglaterra. Foi esse o principal motivo de sua adesão entusiástica a um programa de desenvolvimento de aeronaves sem pilotos, generosamente financiado pelo exército desde 1937. Em outubro de 1942, ocorrera um teste de disparo de um foguete com alcance de 250 Km, planeado para transportar uma tonelada de altos explosivos, e em julho de 1943 Hitler declarou-o “a arma decisiva da guerra” e decretou que toda a mão-de-obra e material que os projetistas necessitassem deviam ser fornecidos instantaneamente.

O foguete, batizado pelos Aliados de V-2, só foi posto em ação em setembro de 1944 e apenas 2600 foram disparados, primeiro contra Londres (onde mataram 2500 pessoas), depois contra Antuérpia, a principal base logística anglo-americana durante o ataque à fronteira oeste da Alemanha. Mas as potencialidades da arma estavam claras para todos; a notícia de seu desenvolvimento alarmara enormemente os ingleses quando recebida pela primeira vez, por uma misteriosa revelação feita por um simpatizante alemão da causa aliada, em novembro de 1939. Esse “Relatório de Oslo” forneceu à investigação de informações técnicas britânica boa parte de seu impulso nos primeiros dois anos da guerra. Ao mesmo tempo, porém, o serviço secreto científico inglês ficara ainda mais alarmado com a possibilidade de que os alemães estivessem a fazer experiências com armas nucleares. Até então, a ameaça era puramente teórica: ninguém conseguira ainda provocar uma reação em cadeia por fissão, o processo pelo qual os átomos liberam o seu poder explosivo, e as máquinas para produzi-la não existiam. 

Nos Estados Unidos, porém, Albert Einstein enviou um intermediário ao presidente Roosevelt em 11 de outubro de 1939 para adverti-lo sobre o perigo atómico e o presidente criou imediatamente uma comissão, da qual se desenvolveria o Projeto Manhattan, para estudar e avaliar a questão. Enquanto isso, os ingleses também começavam a reunir o potencial humano e os materiais necessários para levar adiante a pesquisa atómica, ao mesmo tempo que procuravam negá-los de todas as formas aos alemães. Imediatamente depois de Pearl Harbor, a equipe da organização britânica, que tinha o nome de Tube Alloys (ligas para tubos), foi transportada para os Estados Unidos para se unir à do igualmente batizado enganadoramente Projeto Manhattan; juntas elas prosseguiram, com uma urgência alimentada pelo medo de que a Alemanha pudesse vencer a corrida, na busca dos processos pelos quais a teoria da fissão pudesse ser traduzida na realidade de uma arma definitiva. O resultado de seus esforços só foi demonstrado após a derrota da Alemanha; investigações frenéticas de equipas de especialistas Aliados descobriram que até então os alemães estavam longe de descobrir como iniciar uma reação em cadeia.

Quando foi informado do sucesso da explosão da primeira bomba atómica em Alamagordo, no deserto do Novo México, em 16 de julho de 1945, Winston Churchill proferiu palavras proféticas: “O que era a pólvora? Trivial. O que era a eletricidade? Inexpressiva. Essa Bomba Atómica é o Segundo Advento em Ira!”. O milhão previsto de baixas ou mortes de soldados americanos então se reunindo para o assalto às ilhas centrais do Japão resolveu a dúvida. O choque, administrado primeiramente em Hiroxima, em 6 de agosto de 1945, e três dias depois em Nagasaqui, matou 103 mil pessoas. Exortado a cessar a resistência ou “esperar uma chuva de ruína do céu”, em 15 de agosto o imperador japonês anunciou pelo rádio ao seu povo que a guerra tinha acabado.

terça-feira, 12 de abril de 2022

Galatia





A Galatia era uma antiga área nas terras altas da Anatólia Central, que surgiu no século III a.C. após a suposta invasão dos gauleses que entrou pelos Balcãs em 279 a.C. Uma região que hoje abrange o círculo à volta de Ancara (Ancyra), capital da Turquia. F
oi deste acontecimento que resultou o nome de Galatia (a terra dos gálatas da Trácia), delimitada a norte pela Bitínia e Paphlagonia; a leste pelo Ponto e Capadócia; a sul pela Cilícia e Lycaonia; a oeste pela Frígia. Foram os gregos que usaram esse termo aos povos celtas da Anatólia: Tectosages; Trocmii; Tolistobogii. No século I a.C. alguns escritores gregos chamavam Hellenogalatai (Ἑλληνογαλάται), e os romanos chamavam Gallograeci. Embora os celtas se tivessem, em grande parte, integrado na Ásia Menor helenística, eles preservaram a sua identidade linguística e étnica. Os gálatas eram originalmente parte da grande migração liderada por Brennus que passaram pela Trácia e invadiram a Macedónia. 

No século IV a.C. os celtas haviam penetrado os Balcãs, entrando em contato com os trácios e os gregos. Em 380 a.C. eles entraram nas lutas guerreiras desencadeadas no sul da Dalmácia (atual Croácia),  chegando a circular rumores de que o pai de Alexandre Magno – Filipe II da Macedónia, havia sido assassinado por alguém usando uma adaga de origem celta. Arriano de Nicomedia escreve que "Celtas estabelecidos na costa jónica" estavam entre aqueles que vieram ao encontro de Alexandre, o Grande durante uma campanha contra os Getas, em 335 a.C. Vários relatos antigos mencionam que os celtas formaram uma aliança com Dionísio I de Siracusa que os enviou para lutar ao lado dos macedónios contra os tebanos. Em 279 a.C. duas fações celtas se uniram sob a liderança de Brennus e começaram a descer pelo sul da Bulgária em direção à Grécia. Uma força considerável destes celtas se separou do grupo principal para entrar pelo interior da Ásia Menor. Por essa altura, Nikomedes I da Bitínia contratou 20.000 mercenários gálatas para lutarem contra o seu irmão, Zipoetes, numa disputa pelo poder no Helesponto.

Os gálatas dividiram-se em dois grupos: um liderado por Leonrio; e outro liderado por Lutarius: E assim cruzaram o Bósforo. Em 277 a.C., quando as hostilidades terminaram, os gálatas saíram do controlo de Nikomedes e começaram a invadir cidades gregas na Ásia Menor enquanto Antíoco solidificava o seu governo na Síria. Os gálatas saquearam por todo lado até que os cidadãos de Eritras lhes pagaram um resgate. Em 275 ou 269 a.C. o exército de Antíoco enfrentou os gálatas algures na planície de Sardis, na Batalha dos Elefantes. Após a batalha, os celtas estabeleceram-se no norte da Frígia, na tal região que ficou conhecida pelo nome de Galatia.

Portanto, Os gálatas eram um povo celta que habitava uma região da Anatólia central, onde fica hoje Ancara, durante o período helenístico. Eles falavam uma língua intimamente relacionada com o gaulês, uma língua celta que contemporaneamente se falava na Gália. Ecos desse tempo ainda hoje se fazem sentir numa equipa de futebol com boa projeção no ranking das competições europeias de futebol: 
Galatasaray Spor Kulübü, mas com sede em Istambul.

Em 25 a.C., Galatia tornou-se uma província do Império Romano com Ancara (Ancyra) como sua capital. No século I, muitos gálatas foram cristianizados pelas atividades missionárias de São Paulo, de que são célebres as suas cartas aos gálatas reunidas nos Evangelhos do Novo Testamento. Os gálatas eram guerreiros, respeitados por gregos e romanos. Eles eram frequentemente contratados como soldados mercenários, às vezes lutando de ambos os lados nas grandes batalhas da época. Durante anos devastaram a metade ocidental da Ásia Menor como aliados de um ou outro dos príncipes em guerra. Em 64 a.C. Galatia tornou-se um estado subsidiário do Império Romano. A a antiga constituição perdeu efeito e três chefes (erroneamente denominados "tetrarcas") foram nomeados, um para cada tribo. Mas este arranjo logo cedeu antes da ambição de um desses tetrarcas, Deiotarus, contemporâneo de Cícero e Júlio César, que se fez mestre dos outros dois tetrarcas, tendo sido finalmente reconhecido pelos Romanos como rei da Galatia.


domingo, 10 de abril de 2022

Galícia (Europa Oriental)





Alguns historiadores especularam que na região entre a Polónia e a Ucrânia existiu o assentamento dos vendos (venedi em latim), um povo 
que se havia mudado para essa região no período final da cultura La Tène. O nome "Galícia" é suposto estar relacionado com os povos celtas. Muitos nomes semelhantes são encontrados na Europa e Ásia Menor – Gália (França); Galácia (Turquia); Galiza (Espanha); Galaţi (Roménia). Não se refere a um povo homogéneo, mas a vários povos, tribos ou grupos. Eram os vizinhos setentrionais dos galindas e gitões. Tácito teve dificuldade em classificá-los como germanos ou sármatas. Eram parecidos mais com os primeiros do que com os segundos em alguns de seus costumes, como a construção de casas, o uso de escudos e o hábito de andar a pé, em oposição aos sármatas que viajavam a cavalo ou em carroças. Tinham um estilo de vida precário, vasculhando os bosques e montanhas que ficavam entre os peucinos e fínicos

Nos tempos do Império Romano, a região era povoada por várias tribos de mistura celto-germânica, incluindo tribos "Gaulics" e Bolihinii ou "Volhynians". Durante o período da Grande Migração da Europa, aquando da queda do Império Romano, uma variedade de grupos nómadas invadiram a área: eslavos orientais identificados com grupos como buzhans, dulebes e croatas brancos. A borda sudoeste da terra era provavelmente parte do grande estado morávio.

Em 907, croatas brancos e dulebs estavam envolvidos na campanha militar contra Constantinopla liderada pelo príncipe Oleg de Novgorod. A área foi mencionada em 981, quando Vladimir o Grande do Rus de Kiev assumiu o seu caminho para a Polónia. Ele fundou a cidade de Volodymyr (Lodomeria em latim), situada no que é hoje o baixo oeste da Ucrânia, o oblast de Volínia. 
Mas no geral, as tribos eslavas orientais dos croatas brancos e tivertsi dominaram a área desde o século VI até serem anexadas à Rus de Kiev no século X. No século X, várias cidades foram fundadas na Galícia, tal como Volodymyr e Jaroslaw, cujos nomes marcam as suas conexões com os Grandes Príncipes de Kiev.

No século XII os descendentes de Vladimir o Grande fundaram aí o Principado Rurikid de Halych (Halicz, Halics, Galich, Galic). No final do século fundiu-se com a vizinha Volínia formando o Reino da Galícia-Volínia e depois chamado Reino da Ruténia. Galícia e Volínia, originalmente eram dois principados rurikides separados, que eram atribuídos rotativamente aos membros mais jovens da dinastia de Kiev. Portanto, a 
Galícia (Halychyna em ucraniano, remetendo para a cidade medieval Halych) era uma região histórica e geográfica que abrangia o que hoje é o sudeste da Polónia e oeste da Ucrânia. De 1199 a 1349 o Reino da Ruténia (Regnum Rusiae) foi vassalo da Horda de Ouro que ocupava parte do que é hoje Bielorrússia e Ucrânia. A data de 1206 é a referência escrita mais antiga, de umas crónicas históricas húngaras, com o nome Galiciæ




Em 1204, Roman, em aliança com a Polónia, capturou Kiev. Assinou um tratado de paz com a Hungria, e estabeleceu relações diplomáticas com o Império Bizantino. Em 1205, Roman voltou-se contra os seus aliados polacos, levando a um conflito com Leszek o Branco, e Konrad de Masovia. Roman foi posteriormente morto na Batalha de Zawichost (1205), e seu domínio entrou num período de rebelião e caos. Assim enfraquecida, a Galícia-Volínia tornou-se uma arena de rivalidade entre a Polónia e a Hungria. O rei André II da Hungria autointitulou-se rex Galiciæ et Lodomeriæ, um título que mais tarde foi adotado na Casa de Habsburgo. Em um acordo de compromisso feito em 1214 entre a Hungria e a Polónia, o trono da Galícia-Volínia foi dado ao filho de André - Coloman da Lodoméria.

Após a invasão mongol da Rus de Kiev (1239-1241), por volta de 1247, Daniel da Galícia fundou Lviv (Leopolis em homenagem ao filho Leo). Em 1253, o Príncipe Daniel da Galícia foi coroado rei de Rus (Rex Rusiae) ou rei da Ruténia.

Após a morte de Leo em 1301, um período de declínio se seguiu. Leo foi sucedido por seu filho Yuri, que governou por apenas sete anos. Embora o seu reinado fosse em grande parte pacífico e o Reino de Rus florescesse economicamente, Yuri I perdeu Lublin para os polacos em 1302. De 1308 a 1323 o Reino de Rus foi governado conjuntamente pelos filhos de Yuri I - André e Leo II -, que se proclamaram reis do Reino de Rus. Os irmãos forjaram alianças com o rei Ladislau I da Polónia e a Ordem Teutónica contra os lituanos e os mongóis, mas o Reino de Rus ainda era afluente para os mongóis e se juntou às expedições militares mongóis de Uzbeque Khan e seu sucessor, Janibeg Khan. Os irmãos morreram juntos em 1323, em batalha, lutando contra os mongóis, e não deixaram herdeiros.


Após a extinção da dinastia Rurikid no Reino de Rus em 1323, Volínia passou para o controle do príncipe lituano Liubartas, enquanto os boiardos assumiram o controlo sobre a Galícia. No inverno de 1341, os tártaros, ruthenianos liderados por Detko, e os lituanos liderados por Liubartas foram capazes de derrotar os polacos, embora não tenham tido tanto sucesso no Verão de 1341. Finalmente, Detko foi forçado a aceitar a presidência polaca. Após a morte de Detko, o rei da Polónia Casimiro III montou uma invasão bem sucedida, capturando e anexando a Galícia em 1349. A Galícia-Volínia deixou de existir como um Estado independente.

De 1340 a 1392, a guerra civil na região passou para uma disputa de poder entre a Lituânia, a Polónia e a Hungria. A primeira fase do conflito levou à assinatura de um tratado em 1344 que garantiu o Principado de Peremyshl para a Coroa da Polónia, enquanto o resto do território pertencia a um membro da família Gediminis, Liubartas. Eventualmente, em meados do século XIV, o Reino da Polónia e o Grão-Ducado da Lituânia dividiram a região entre eles: o rei Casimiro III tomou a Galícia e a Volínia Ocidental, enquanto o estado irmão da Volínia Oriental, juntamente com Kiev, ficou sob controlo lituano entre 1352 e 1366. Após 1352, a maior parte da o reino da Ruténia pertencia à Coroa do Reino da Polónia, onde permaneceu também após a união da Polónia e a Lituânia. A atual cidade de Halych está situada a 5 Km da antiga capital da Galícia, no local onde estava localizado o porto fluvial da cidade antiga, e onde o rei Liubartas do Reino de Rus construiu um castelo de madeira em 1367. O rei polaco Casimiro III, o Grande [1310-1370], adotou o título de rei da Polónia e governante da Ruténia. Em 1434, Província da Ruténia (Palatinatus Russiae).

Em 1526, após a morte de Luís II da Hungria, os Habsburgos tendo herdado a coroa húngara reivindicaram o título da Galícia e Lodoméria. O nome oficial do novo território austríaco - Reino da Galícia e Lodoméria associava os Duchies de Auschwitz e Zator. Com a União de Lublin em 1569, a Polónia e a Lituânia fundiram-se para formar a República Polónia Lituana, que durou 200 anos até ser conquistada e dividida pela Rússia, Prússia e Áustria.

Em 1772, a Imperatriz de Habsburgo Maria Teresa, arquiduquesa da Áustria e rainha da Hungria, usou reivindicações históricas para justificar a sua participação na Primeira Partição da Polónia. Após a incorporação da Cidade Livre de Cracóvia em 1846, foi estendida ao Reino da Galícia e Lodoméria, e ao Grão-Ducado de Cracóvia com os Ducados de Auschwitz e Zator. A parte sudeste foi concedida à Imperatriz de Habsburgo Maria Teresa, cujos burocratas designaram por Reino da Galícia e Lodoméria, um dos títulos dos príncipes da Hungria, as suas fronteiras coincidiam aproximadamente com as do antigo principado medieval. Conhecida informalmente como Galícia, tornou-se a maior, a mais populosa e a mais a norte das províncias do Império Austríaco.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a Galícia foi palco de fortes combates entre as forças da Rússia e as Potências Centrais. As forças russas invadiram a maior parte da região em 1914 depois de derrotar o exército austro-húngaro numa caótica batalha fronteiriça nos primeiros meses da guerra. Eles foram, por sua vez, empurrados para fora na primavera e verão de 1915 por uma ofensiva alemã e austro-húngara combinada. Em 1918, a Galícia Ocidental tornou-se parte da Polónia, que absorveu a República Lemko-Rusyn. A população ucraniana local declarou brevemente a independência da Galícia Oriental como a República Popular Ucraniana Ocidental. Durante a guerra entre a Polónia e a URSS, os soviéticos tentaram estabelecer o estado fantoche da URSS na Galícia Oriental, cujo governo após alguns meses foi liquidado.

O destino da Galícia foi estabelecido pela Paz de Riga em 18 de março de 1921, atribuindo a Galícia à Segunda República Polaca. Embora nunca tenha sido aceite como legítima por alguns ucranianos, foi reconhecida internacionalmente em 15 de maio de 1923. A Galícia tinha, sem dúvida, a população mais diversificada, em termos étnicos, composta principalmente por polacos e ruténios; os povos conhecidos mais tarde como ucranianos e rusyns, reuniam judeus étnicos, alemães, arménios, checos, eslovacos, húngaros, ciganos e outros. Como um todo, a população em 1910 foi estimada em 45,4% polaco, 42,9% ruténio, 10,9% judeu e 0,8% alemão. Essa população não foi distribuída uniformemente. Os polacos viviam principalmente no Oeste, e os ruténios eram predominantes na Ruténia a leste. Na passagem para o século XX, os polacos constituíam 88% de toda a população da Galícia Ocidental e judeus 7,5%. Os respetivos dados da Galícia Oriental mostram os seguintes números: ruténios 64,5%, polacos 22,0%, judeus 12%. Lviv foi o único em que os polacos constituíram a maioria da população.

Linguisticamente, a língua polaca era predominante na Galícia. De acordo com o censo de 1910, 58,6% da população combinada da Galícia Ocidental e Oriental falava polaco como língua materna, em comparação com 40,2% que falavam uma língua rutena. O número de falantes polaco pode ter sido inflacionado porque os judeus não tiveram a opção de listar o iídiche como língua. Os judeus da Galícia haviam imigrado da Alemanha desde o século XIII. Os povos de língua alemã eram mais comumente referidos pela região da Alemanha, onde se originaram, como a Saxónia ou a Suábia. Para os habitantes que falavam diferentes línguas nativas, por exemplo, polacos e ruténios, a identificação era menos problemática, mas o multilinguismo generalizado diluiu novamente as divisões étnicas. Religiosamente, a Galícia era predominantemente cristã católica. O catolicismo foi praticado em dois ritos: polaco (que era romano); e ucraniano originário da Igreja Católica Grega. O judaísmo representava o terceiro maior grupo religioso, e notavelmente, a Galícia era o centro do hassidismo.



quinta-feira, 7 de abril de 2022

casus belli



Jus ad bellum é um conjunto de critérios que devem ser consultados antes de entrar em guerra para determinar se é permitido entrar em guerra, ou seja, se será uma guerra justa. Isso é distinto do conjunto de regras que devem ser seguidas durante uma guerra, conhecido como jus in bello. São Tomás de Aquino é um dos primeiros filósofos a discorrer sobre o que faz uma guerra justa. Sua lista de critérios visava proteger civis e garantir que as guerras não fossem apenas travadas pelo interesse de partidos privados.

Após a Paz de Vestfália, que acabou com a Guerra dos Trinta Anos, os estudiosos tentaram encontrar uma maneira de controlar a guerra interestadual, respeitando a soberania do Estado. Foi só na formação das Nações Unidas após a Segunda Guerra Mundial que as noções de jus ad bellum foram formalizadas.

Na terminologia bélica, casus belli é uma expressão latina para designar um facto considerado suficientemente grave pelo Estado ofendido, para declarar guerra ao Estado supostamente agressor. São tradicionalmente considerados casus belli o ataque predatório ao território de um Estado, efetuado por outro Estado; a agressão armada contra navios ou aeronaves, ou atos que molestem órgãos representativos do Estado, como embaixadas ou consulados, e ainda infrações a tratados. O art. 33 do Estatuto das Nações Unidas prescreve que havendo dissídio entre dois ou mais Estados devem estes, visando a evitar o agravamento do conflito, buscar soluções pacíficas na mediação, arbitragem e outros meios pacíficos de composição.

O termo foi amplamente utilizado nos séculos XVII e XVIII por meio dos escritos de Hugo Grócio (1653), Cornelius van Bynkershoek (1707) e Jean-Jacques Burlamaqui (1732), entre outros, e devido ao surgimento da doutrina política de jus ad bellum ou "teoria da guerra justa". O termo também é usado informalmente para se referir a qualquer "causa justa" que uma nação pode reivindicar para entrar em um conflito. É usado retrospectivamente para descrever situações que surgiram antes que o termo se tornasse amplamente usado, bem como situações atuais, incluindo aquelas em que a guerra não foi formalmente declarada.

Proschema (plural proschemata) é o termo grego equivalente, popularizado pela primeira vez por Tucídides em sua História da Guerra do Peloponeso. Os proschemata são as razões declaradas para travar a guerra, que podem ou não ser as mesmas que as verdadeiras razões, que Tucídides chamou de profase (πρóφασις). Tucídides argumentou que há três razões principais, as reais razões para travar a guerra: medo, honra e interesses. Ao passo que as razões declaradas são outras: nacionalismo; e fomentar o medo com razões contrárias ao medo que a provocou.

Vejamos, por exemplo, o caso dos zulus. Em suas origens, os zulus levavam uma vida tranquila e pastoril. O povo nguni, de onde surgiram, eram criadores de gado que tinham migrado do norte distante para o sudeste africano no século XIV. Um excerto de uma descrição feita por náufragos europeus: “Em suas relações uns com os outros, civis polidos e conversadores saúdam-se mutuamente, sejam homens ou mulheres, jovens ou idosos, sempre que se encontram. Eram gentis com os estrangeiros, que podiam viajar em perfeita segurança por seu território, desde que tomassem a precaução de não carregar ferro ou cobre, tão raros que incentivavam o assassinato, e eram notavelmente obedientes à lei, em particular nas relações pessoais. Desconheciam a escravidão, a vingança e as disputas eram levadas ao chefe, cuja palavra era aceite sem um murmúrio”.




O casus belli entre os zulus era em geral uma disputa sobre o pastoreio, recurso essencial numa sociedade em que o gado era provavelmente mais numeroso em que a gente e o perdedor acabavam numa terra nova e mais pobre. Como é típico dos povos primitivos que vivem em regiões pouco povoadas, o resultado não era o ostracismo. As batalhas tendiam a ser ritualizadas, conduzidas sob o olhar de jovens e velhos, começando com uma troca de insultos e terminando quando se provocassem baixas. Havia limites naturais e costumeiros ao nível da violência: tendo em vista que os metais eram escassos, as armas eram feitas de madeira endurecida no fogo, atirada em vez de usada no corpo-a-corpo; e, se um guerreiro matasse um oponente, estava obrigado a deixar imediatamente o campo de batalha e submeter-se à purificação, caso contrário o espírito da vítima iria certamente trazer uma doença fatal para ele e sua família.

De repente, em poucas décadas do início do século XIX, esse estilo tipicamente “primitivo” de guerrear foi substituído. Uma pequena tribo nguni, formou um exército de regimentos disciplinados, mas brutais, que travavam batalhas de aniquilação. Seu reino zulu tornou-se uma potência no Sul da África, reduzindo seus inimigos a tribos fugitivas, que vagaram por centenas de quilómetros, mergulhadas no caos da desorganização social, em busca de algum refúgio. A verdade é que as condições benevolentes de que gozavam os ngunis do Norte em sua fase pastoril idílica tinham mudado para pior no final do século XVIII. Os rebanhos, pelos quais os ngunis mediam a riqueza, tinham crescido demais para a quantidade de pastagem “doce” existente. A oeste, erguia-se a imensa barreira da Drakensberg, em cujas proximidades havia pastagens “amargas” inadequadas para uma economia pastoril. Ao norte, o cinturão da mosca tsé-tsé sobre o rio Limpopo impedia a expansão naquela direção. A introdução do milho, trazido da América no século XVI, levara a um aumento da população dos ngunis do Sul e, ainda mais ao sul, os Bóeres da Cidade do Cabo bloqueavam, com armas de fogo e determinação, qualquer oportunidade de avançar naquela direção. A leste, estava o mar.

A ascensão do reino zulu teve repercussões da fronteira colonial do Cabo até ao lago Tanganica. Todas as comunidades de aproximadamente um quinto do continente africano foram profundamente afetadas e muitas foram completamente desintegradas. Esses efeitos nefastos do imperialismo zulu ficaram conhecidos como a Difaqane, “migração forçada”. Em 1824, a maior parte do território entre os rios Tukela e Mzimkhulu, entre a Drakensberg e o mar, estava devastada. Milhares de pessoas haviam sido mortas, muitas haviam fugido para o norte e outras haviam sido absorvidas pela nação zulu. Em Natal, a vida comunitária organizada praticamente acabou.

Os zulus acabaram por adquirir armas de fogo, mas não conseguiram adaptar as suas táticas às novas armas, persistindo nos ataques em massa com a lança de estocar, sua velha maneira de alcançar a supremacia no campo de batalha. A cultura zulu, ao dar destaque aos valores guerreiros, ao ligar esses valores à preservação de uma economia pastoril e ao prender a energia e a imaginação dos membros mais dinâmicos da comunidade numa servidão militar estéril até bem depois da maturidade, negou a si mesma a chance de evoluir e adaptar-se ao mundo circundante.


segunda-feira, 4 de abril de 2022

Falar russo ou ucraniano na Ucrânia?




As origens do povo russo estão dentro das fronteiras da Ucrânia, em torno da região de sua capital - Kiev. Foi no século IX que se formou o chamado Rus’ de Kiev, que amalgamava os eslavos orientais daquela região. Na época não havia a diferença entre os russos atuais, os pequeno russos (os ucranianos atuais) e os russos brancos (os bielorrussos atuais). Rus’ era uma confederação solta de cidades Estado governadas por nobres vassalos do Grande Príncipe de Kiev.

Essa origem comum e o facto de Kiev ter sido o berço da civilização russa atual explicam muito do caráter de Putin na relação existente hoje entre a Rússia e a Ucrânia de amor/ódio. Parte dos ucranianos, principalmente os que vivem no leste do país, tem laços íntimos com o “Grande Irmão” russo. A outra metade, geralmente localizada no oeste do país cujo centro é Lviv, quer evitar a dependência da Rússia e viver a sua própria vida segundo os padrões dos países da atual União Europeia.

A guerra de 1812 provocada pela invasão de Napoleão Bonaparte foi um importante divisor de águas na cultura da aristocracia russa. Foi uma guerra de libertação nacional do império intelectual dos franceses, um momento retratado por Tolstoi no ‘Guerra e Paz’, 1869, com os Volkonsky a lutarem para se libertarem das convenções estrangeiras da sociedade e começar uma nova vida com base em princípios russos. O Príncipe Andrei Nikolayevich Bolkonsky, filho do famoso general russo Nikolai Volkonsky, criou e educou Andrei (
o melhor amigo de Pierre Bezukhov) e a sua irmã Maria Volkonskaya numa propriedade remota. 

Subitamente, os nobres veem-se a redescobrir os esquecidos costumes nacionais. Embora as vozes contra os franceses tivessem quase se transformado num coro na primeira década do século XIX, a aristocracia estava muito comprometida com a cultura de um país, a França, com o qual guerreava. Os salões de São Petersburgo estavam cheios de jovens admiradores de Bonaparte, como Pierre Bezukhov em Guerra e Paz. O grupo mais elegante era o dos condes Rumiantsev e Caulaincourt, embaixador francês em Petersburgo, círculo no qual vivia a Hélène de Tolstoi. Mas, mesmo nesses círculos, a invasão de Napoleão causou horror, e a sua reação contra tudo o que fosse francês foi a base de um renascimento russo na vida e nas artes.

No clima patriótico de 1812, educados para falar e pensar francês, esforçavam-se para conversar na língua nativa. O almirante Shishkov, durante algum tempo ministro da Educação Pública, atacou as expressões francesas do estilo de salão e quis que o russo literário retornasse às raízes arcaicas do eslavo canónico. Para Shishkov, a influência do francês era culpada do declínio da religião ortodoxa e do velho código moral patriarcal: o estilo de vida russo estava sendo corroído pela invasão cultural do Ocidente.

A língua russa fazendo parte da grande família indo-europeia (à qual pertencem também o alemão e o inglês, o persa e o português, entre muitas outras), é uma língua relativamente recente, mas de grande difusão. A grande difusão da língua russa tem muito a ver, é claro, com o imperialismo czarista, assim como com a influência que a União Soviética obteve, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Assim, em suas dezenas de repúblicas, espalhadas desde o extremo oriente da Ásia até a Polónia e os países bálticos (Lituânia, Letónia e Estónia), o russo era praticado, sendo seu uso obrigatório tanto nas escolas quanto nas repartições públicas de todo o tipo.

A língua russa utiliza uma versão, pouco alterada, do alfabeto cirílico, criado pelo missionário grego Cirilo, em colaboração com o seu colega Metódio. Embora o alfabeto exista desde o século IX, o primeiro livro publicado em russo data apenas de 1625. A questão de língua é tão relevante que o próprio czar Pedro, o Grande, fez questão de participar da reforma do alfabeto cirílico em 1708. A reforma marcaria o rompimento com o eslavo eclesiástico, praticado pela Igreja. Em 1767, o russo é declarado a língua de ensino na Universidade de Moscovo, em 33 letras do alfabeto cirílico.

No século XIX, época em que foi abolida a servidão e o país começou a dar seus primeiros passos no desenvolvimento de uma economia capitalista, a literatura russa se tornou um sucesso no Ocidente. Mas havia nobres que chegavam a falar a língua francesa, símbolo de status cultural, no próprio lar com a família. Dostoievski (1821-1881) e Tolstoi (1828-1910), ainda hoje são dois escritores tidos como dos maiores na cultura europeia. O “Shakespeare” russo chama-se Aleksandr Pushkin (1799-1837), o maior poeta da Rússia. Considerado o fundador da literatura russa moderna, marcou a chamada Época de Ouro da poesia russa na primeira metade do século XIX.

Quando a União Soviética chegou ao fim, o emprego exclusivo das línguas nacionais nos países que antes faziam parte, foi considerado uma atitude patriótica. Com a superação (ou pelo menos o abrandamento) dos problemas económicos que afligiram a Rússia, logo após o fim do comunismo, a sua influência voltou a crescer e a língua russa retomou grande parte do seu prestígio. A abertura política e o surgimento de uma camada de milionários russos provocaram também uma presença maior da língua russa no mundo ocidental, tanto em intercâmbios culturais, cada vez mais frequentes, como no turismo e até no mundo do Jet set das principais capitais europeias.

Viremo-nos agora para a Ucrânia. Os mais de 40 milhões de ucranianos, e as demais em zonas fronteiriças da Polónia, Eslováquia e Roménia, falam russo. Mas o ucraniano tem uma língua própria. O ucraniano atual está baseado principalmente no grupo de dialetos do sul e do leste, concretamente as regiões ao sul de Kiev como de Cherkasy e Poltava. Mas o ucraniano tem mais a ver com a parte a ocidente na região de Lviv
, importante centro cultural ucraniano. Essa influência tem sido exercida, desde a Idade Média, especialmente no léxico, mas também na fonologia, sendo mais forte nos tempos modernos, sobretudo nos séculos XIX e XX. Como resultado, podemos falar de uma dupla influência dialectal sobre o ucraniano normativo, ainda que a influência do sul e do leste seja a mais significativa.

A língua ucraniana, um ramo das línguas eslavas, assemelha-se à língua russa, embora também apresente semelhanças fonéticas com a língua servo-croata e partilhe muito do seu vocabulário com o polaco. Apesar da semelhança com o russo, o alfabeto ucraniano, com 32 letras e um sinal de abrandamento, possui diversas particularidades: utiliza o "I" latino, além de outra letra criada para representar o som /g/ (como em "gato"), além de não apresentar algumas letras russas. O nome desta língua eslava deriva de ukraina, que quer dizer “zona fronteiriça”, referindo-se à região onde o domínio cossaco fazia limites com os principados eslavos do Norte e do Oeste e das hordas turcas do Sul. A atual língua ucraniana deriva do dialeto da língua russa arcaica que se falava na região do rio Dniepre. Foi escrita em alfabeto latino, forma Latinka, similar às formas usadas pelo checo e polaco nos séculos XVI – XVII. No século XIX, o padre Josyp Łozynski Ivanovyč, de Lviv, na sua publicação Ruskoje wesile ("Casamento ucraniano") de 1834 tentou revitalizar esse uso. Durante o domínio do Império Austro-húngaro houve nova tentativa de ocidentalizar a língua ucraniana pelo uso do alfabeto latino, em projeto do político Checo Josef Jirecek. Nova tentativa nesse sentido de usar o Latinka foi feita em 1927 na conferência de Kharkiv pelos linguistas M. Johansen, B. Tkačenko e M. Nakonečnyj. Porém, a União Soviética se opôs a essa iniciativa.

Com a incorporação do país no Grão-Ducado da Lituânia (e parcialmente na Polónia) no século XIV, dá-se a evolução em língua literária unindo os eslavos da atual Bielorrússia e os eslavos da atual Ucrânia. No final do século XVIII e início do século XIX aconteceu uma revolução: muitos dos componentes não nativos da língua foram eliminados e a língua foi reestruturada sobre a base dialectal de Kiev. Uma complicação adicional se produziu entre 1863-1905, vigorando uma política czarista de unificação da língua entre o povo eslavo (pan-eslavismo). Devido a isso, a utilização do idioma falado no Oeste da atual Ucrânia foi censurada, bem como o idioma falado na atual Bielorrússia. Entretanto entrou na moda a língua polaca, bem como a cultura polaca. Após a revolução de 1917, o desenvolvimento do ucraniano teve os seus altos e baixos. O grande período de divisão do território ucraniano entre vários estados ao longo da sua história, como Polónia, Rússia, Checoslováquia, Roménia, Império da Áustria e Hungria, deixaram marcas no desenvolvimento da língua escrita e falada.