sábado, 31 de outubro de 2020

O que correu mal depois da Idade de Ouro Islâmica?


Miguel Sousa Tavares, na sua crónica de hoje no Expresso, dedica a última parte ao que se está a passar em França com os atentados de inspiração islamista. Não deixando de condenar este terrorismo cobarde sem qualquer hesitação, no entanto, também não deixa de fazer as suas críticas à moda do “Je suis Charlie”. Diz Miguel Sousa Tavares:

«Mas o que o “Charlie Hebdo” faz hoje não é jornalismo nem é um exercício de liberdade de imprensa: é pura provocação gratuita e ofensa às crenças religiosas alheias: é terrorismo jornalístico. Ainda a semana passada trazia uma caricatura do primeiro-ministro turco, Erdogan, sentado numa retrete a defecar. Ora, Erdogan, é um dos tiranos europeus da actualidade, um homem decerto sinistro, que se toma pelo novo sultão otomano e que tem planos perigosos para toda a região do Oriente próximo. Fruto — mais um — da ausência de uma visão de política externa de Donald Trump, ele vem conquistando espaço e influência na região, passo a passo e com intenções que são uma ameaça à segurança da Europa e dos seus vizinhos, e a que só a França tem tido a coragem de se opor. Certamente que ele merece ser atacado e confrontado, mas não como o “Charlie Hebdo” o fez. E, pior ainda: acrescentando à caricatura uma referência ordinária ao Profeta — o que é uma obsessão do jornal. Ora, atacar o Islão desta forma é ofender gratuitamente centenas de milhões de fiéis seguidores do islamismo, cuja fé a França laica respeita, por imperativo constitucional. Mas não apenas isso: o Islão representa também uma civilização e uma cultura que fazem parte da nossa história de povos do Sul e que foi absolutamente extraordinária. Os meninos do “Charlie Hebdo”, que brincam aos jornalistas, não sabem o que fazem nem do que falam: deviam ir visitar o Alhambra, em Granada, para começarem a perceber a imbecilidade das suas caricaturas.»
A Idade de Ouro Islâmica, também conhecida como Renascimento Islâmico, decorre entre os séculos VIII e XIII, embora alguns a estendam até ao século XIV e XV. Durante esse período, não foram apenas os filósofos que brilharam, como Avicena e Averróis, mas também em muitas outras áreas da ciência, medicina, engenharia, arquitetura e diversas áreas da arte. Os filósofos, poetas, artistas, cientistas, comerciantes e artesãos muçulmanos criaram uma cultura única que influenciou as sociedades de todos os continentes. Começou fulgurantemente em meados do século VIII, com a ascensão do poder dos califas abássidas, que transferiram a capital do Império de Damasco para Bagdad.

Muitos livros da Antiguidade Clássica, que de outra forma poderiam ter sido perdidos, foram traduzidos para o árabe. Do árabe essas obras foram, posteriormente, traduzidas para o turco, persa, hebreu e latim. Durante esse período, o mundo islâmico foi beber a cultura do chamado “Mundo Clássico”, desde a China, Índia, Pérsia, Egito até à Grécia, cuja síntese depois se estendeu por todo o Norte de África e se difundiu para a Europa através do Al Andaluz. Por outro lado, as peregrinações a Meca, transformaram-na num centro de intercâmbio de ideias e mercadorias. A influência dos comerciantes muçulmanos no comércio entre a Arábia e a África e Ásia foi muito grande, fazendo com que a civilização islâmica se desenvolvesse sobre uma base mercantil, contrastando com os cristãos, indianos e chineses, que construíram as suas sociedades a partir de uma nobreza cujo poder estava fundado na posse de terras e produção agrícola. 



Al Quaraouiyine, uma universidade de Marrocos, localizada em Fez, tendo sido fundada em 859 como uma mesquita, por Fatima al-Fihri, é, para alguns, considerada a mais antiga universidade do mundo. Todavia, para outros, seria mais correto considerá-la como o equivalente dos seminários cristãos, porque foi efetivamente administrada como uma madraça até 1963, altura em que sofreu uma reorganização moderna. O ensino ainda é ministrado nos métodos tradicionais, em que os alunos se sentam em semicírculo (halga) ao redor de um xeque que os põe a ler certos textos, faz perguntas e explica pontos difíceis para eles. A universidade é frequentada por alunos de todo o Marrocos e África Ocidental muçulmana, com alguns vindo também de outros países. As mulheres foram admitidas pela primeira vez na instituição na década de 1940.

Al-Azhar é outra universidade antiga, esta localizada no Cairo, fundada em 970 pelo califado fatímida. Para além de ministrar o Alcorão e a lei Islâmica, hoje é o principal centro de literatura árabe. Nela também se estuda lógica e gramática, bem como outras disciplinas não religiosas. 




Muitos pensadores muçulmanos da Idade Média seguiam o humanismo, o racionalismo e o discurso científico na busca de conhecimento, significados e valores. Um amplo espectro de escritos islâmicos sobre a poesia amorosa, a história e a teologia filosófica mostram que o pensamento medieval islâmico estava aberto às ideias humanistas do individualismo, secularismo, ceticismo e liberalismo. A liberdade religiosa ajudou a criar redes interculturais atraindo assim intelectuais muçulmanos, cristãos e judeus - desse modo a "plantar a semente" do maior período de criatividade filosófica da Idade Média, entre o século VIII e o século XIII.

Um número significativo de instituições previamente desconhecidas na Idade Antiga, teve a sua origem no mundo medieval islâmico, sendo os exemplos mais notáveis o hospital público (que substituiu os templos de cura), a biblioteca pública, ou o observatório astronómico como instituto de investigação. A partir do século IX Hospitais médicos universitários, do mundo medieval islâmico, entregavam diplomas de medicina a estudantes de medicina islâmica que estavam qualificados para exercer medicina.

Nos tempos de Almamune, as escolas de medicina eram extremamente ativas em Bagdad. O primeiro hospital público gratuito foi aberto em Bagdad durante o califado de Harune Arraxide. Ao desenvolver este sistema, médicos e cirurgiões eram obrigados a dar aulas nas escolas de medicina, e entregavam diplomas àqueles que consideravam qualificados para exercer a medicina. O primeiro hospital no Egito foi aberto em 872, e a partir daí se espalhou por todo o Império, desde o Al-Andaluz até ao Irão.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Personificação do assassino de massacre

 

O crime é um facto tão antigo quanto o ser humano e sempre impressionou a humanidade. Existem muitos aspetos a serem analisados quanto ao que se passa na mente do assassino. Uns sofrem de uma psicose, e, portanto, em tribunal, são classificados como inimputáveis. Mas outros entram no grande rol dos delinquentes com perturbações mentais com a classificação de psicopata. O psicopata tem satisfação e prazer em praticar o crime, sem perder o juízo crítico, logo, considerado culpado, sujeito a julgamento e condenação em tribunal. 

Há assassinos que possuem profundos sentimentos ambivalentes, mórbidos e obsessivos, cujo alvo final é o próprio absoluto. É neste grupo que se inserem muitos dos recentes casos de atentados terroristas em França. Noutros casos, parece que apenas sobra a vaidade e a ganância, oportunistas sem escrúpulos com laivos de personalidade múltipla. Em qualquer caso, a maioria dos especialistas tem procurado as raízes do problema focado na infância, as frustrações do amor primitivo da criança, que descambou em pulsões de violência e impulsos destrutivos. Assoma também o narcisismo mórbido, que se reveste de carateres nitidamente antissociais. 

Por conseguinte, a classificação psiquiátrica do perfil psicológico do assassino tem implicações na criminologia. Enquanto um portador de psicose (maioritariamente são classificados de esquizofrénicos) é inimputável, um psicopata, que é um desarranjado da sua personalidade, não perdendo o sentido do bem e do mal e ainda por cima sentindo prazer com o sofrimento das vítimas que persegue, é imputável de culpa para fins de julgamento em tribunal. 

Os assassinos em série (serial killers) são um capítulo à parte na criminologia, e uma dificuldade para a psiquiatria, uma vez que não se encaixam em nenhuma linha de raciocínio. Esses casos não só desafiam as balizas do senso comum, que delimitam a loucura e a "normalidade", mas também as categorias da psiquiatria que definem o que é um louco e o que é uma pessoa normal. Para o criminologista, quando um assassino cometeu pelo menos três crimes, segundo um determinado padrão de vítima antes de ser descoberto, com um intervalo de tempo preciso entre cada um, está-se perante um assassino em série. Que não se deve confundir o assassino em série do assassino em massa, aquele que mata várias pessoas de uma só vez sem se preocupar com a identidade destas. Será o caso dos terroristas solitários, sejam os dos atentados em França, sejam os dos atentados nos Estados Unidos. O assassino em série elege cuidadosamente as suas vítimas, geralmente mulheres com o mesmo tipo de perfil. Aliás, o ponto mais importante para o diagnóstico de um assassino em série é um padrão geralmente bem definido no modo como ele leva à prática a sua pulsão criminosa. Com frequência, eles matam seguindo um determinado padrão, seja pela seleção do perfil individual da vítima, seja pelo grupo social com características bem definidas: prostitutas, homossexuais, ou até polícias. 

Um psicótico geralmente pratica um crime em consequência dos seus delírios, sem juízo crítico dos seus atos. Um psicopata, do tipo do assassino em série, atua conscientemente, satisfazendo-se com a sua crueldade. O psicopata, possuindo juízo crítico dos seus atos, acaba por ser muito mais perigoso, devido à sua alta capacidade de se metamorfosear. É um competente fingidor das suas emoções, para além da ausência de ansiedade (frieza), culpa ou remorso. Um psicopata, ou sociopata, é extremamente sedutor, conseguindo habilmente enganar as suas vítimas. Ao cometer um crime, por mais repugnante que seja aos olhos da sociedade, o seu maior sentimento é o de prazer. O móbil do crime num psicopata é o prazer que o sofrimento da vítima lhe dá. Desprovido de autocensura, age como se tudo lhe fosse permitido. Excita-se com o risco e com o proibido. Quando mata, tem como objetivo final, humilhar a vítima para reafirmar a sua autoridade e realizar a sua autoestima. Quando capturados costumam simular insanidade, alegando múltiplas personalidades, esquizofrenia ou qualquer coisa que os ilibe. 

Por conseguinte, judicialmente, praticamente em todo o mundo com Estado de Direito Democrático, os crimes praticados por psicopatas são condenados a penas pesadas de prisão. Os psicopatas têm plena responsabilidade dos seus atos. A sociedade necessita de se resguardar com veemência da perigosa liberdade deste tipo de criminosos. Encarcerados, não só deixam de fazer mal aos outros, como também a si próprios, apesar de se saber serem criminosos insuscetíveis de qualquer recuperação, por todos os esforços que se façam para os ressocializar. Libertados da prisão, voltam a praticar os mesmos crimes.  Não aprendem com a punição. Esta é ainda a questão que divide a sociedade quanto à lei da prisão perpétua para este tipo de criminosos. 

Na Europa, os únicos países em que a lei prevê expressamente penas de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional são: Inglaterra, País de Gales, Holanda, Eslováquia, Bulgária, Itália, Hungria e República da Irlanda. 
Nos Estados Unidosum relatório de 2009 do Sentencing Project sugeriu que a prisão perpétua sem liberdade condicional deveria ser abolida no país. Mas as instituições competentes opuseram-se à sua proposta de abolição. Em Portugal, não na Espanha, a prisão perpétua está proibida pela Constituição. Mas, de resto, muitos dos países que aboliram tanto a prisão perpétua como a prisão indefinida foram culturalmente influenciados ou colonizados por Portugal e Espanha. Por sua vez, o Papa Francisco decidiu pela abolição da prisão perpétua e da pena de morte. Numa reunião com representantes da Associação Internacional do Direito Penal, o Papa Francisco anunciou que a prisão perpétua havia sido recentemente removida do código penal do Vaticano. E, efetivamente, em 2 de agosto de 2018, o Papa Francisco ordenou, finalmente, a alteração do número do Catecismo da Igreja Católica relativo à pena de morte, cuja nova redação sublinha a rejeição total desta prática. O texto divulgado assinala que, durante muito tempo, se considerou o recurso à pena capital, por parte da autoridade legítima, depois de um “processo regular”, como uma resposta “adequada à gravidade de alguns delitos e um meio aceitável, ainda que extremo, para a tutela do bem comum”.


quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Terramoto



T.D. Kendrick, The Lisbon Earthquake, 1956 
Dizem-nos que, no Terramoto de Lisboa de 1755, a barra da entrada do Tejo foi vista seca de costa a costa; e de repente o mar, como uma montanha, veio a rolar, e perto do castelo de Belém a água levantou-se cinquenta pés quase num instante. Viu-se que os mesmos fenómenos acompanharam o terramoto na ilha da Madeira, onde nos dizem que, na cidade do Funchal, o mar, que estava bastante calmo, retirou-se subitamente de alguns lugares; levantando-se depois num grande empolamento, sem o menor ruído e avançando de súbito, inundou a costa e entrou na cidade. 

As vagas sísmicas começaram no mar, e, avançando sobre Lisboa, pelo Sudoeste, encontraram alguma resistência nas barras do rio; mesmo assim eram formidáveis, disseram alguns que com quinze ou vinte pés de altura, e atiraram-se por três vezes às seis milhas da zona ribeirinha. Um grande número de pessoas, provavelmente mais de cem, que se tinham refugiado no que parecia ser um lugar a salvo dos tremores ao longo do rio, foram atirados para o largo e afogaram-se ao longo de toda a costa. As águas, no entanto, gastaram toda a sua força com a terceira vaga, e a seguir o rio começou gradualmente a ficar calmo. Os barcos de refugiados recomeçaram a atravessar o Tejo por volta das duas da tarde. 

Cinquenta mil almas morreram em Lisboa; uma providência notável parece ter protegido os protestantes, pois do grande número estabelecido em Lisboa, só doze ou catorze desapareceram. A razão é que os protestantes tinham saído da cidade por causa dos autos-de-fé que costumam fazer na Festa de Todos os Santos. E os protestantes incomodavam-se muito com isso. Mas por seu lado, os portugueses acorriam em grande número à cidade para verem o cruel espetáculo. Foi preciso inventar um milagre para acalmar a populaça. A Virgem Maria fora vista entre o fogo, nas ruínas duma igreja, a agitar um lenço branco para o povo. Isto foi de imediato declarado como sendo um perdão por todas as ofensas passadas.

O Terramoto de Lisboa que ocorreu a 1 de novembro de 1755 não se limitou a abalar Lisboa. Abalou muitos intelectuais da Europa. Voltaire foi um deles. Chocou mais a civilização ocidental do que qualquer outro acontecimento desde a queda do Império Romano. O que tão profundamente traumatizou Voltaire foi o reconhecimento da sua própria complacência. Conquanto tivesse expressado desacordo em relação ao axioma de Leibniz: “tudo vai pelo melhor”. Foi com sarcasmo que Voltaire deixou as suas dúvidas quanto a este: ser o melhor dos mundos possíveis. Os horrores de Lisboa forçaram-no a reexaminar a sua posição por inteiro. O otimismo fácil não passava de uma palermice. O esforço para expressar a sua repulsa e a sua piedade, tal como o havia feito no Poème e no Cândido, tornaram-no um homem mais profundo e mais abrangente. Voltaire já era famoso como dramaturgo, poeta e historiador, mas o Terramoto de Lisboa fez dele um filósofo.

Sonhos de terramotos significam trepidações do nosso juízo a estragar a saúde do nosso corpo. [Hipócrates]

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

As Tês Faces de Eva



Foi o caso de Chris Costner Sizemore, tratada por dois psiquiatras – Corbett H. Thigpen e Hervey M. Cleckley – os quais verteram a história clínica publicada em livro, 1954, e que posteriormente deu origem a um filme, 1957, passado no cinema da época com as três personalidades diferentes: Eva White; Eva Black; e Jane – que foi representada pela atriz Joanne Woodward, tendo ganhado o óscar de melhor atriz. Os psiquiatras também participaram no roteiro do filme. Com o diagnóstico de Perturbação Dissociativa de Identidade, a pessoa real - Chris Costner Sizemore - só veio a ser revelada ao público em 1977. 



  • Eva White - Formal, reservada, tímida, reprimida, compulsiva, não sabia da existência de Eva Black nem de Jane. É uma esposa e mãe tímida e discreta, que sofre de enxaquecas, e apagões de memória ocasionais. Numa consulta com um psiquiatra, e enquanto conversam, uma "nova personalidade", emerge – Eva Black. 
  • Eva Black - Instável, irresponsável, estúpida, histérica, fútil, sabia da existência de Eva White, mas não tinha consciência de Jane. Sabe tudo sobre Eva White, mas Eva White não tem conhecimento algum de Eva Black e Jane.
  • Jane - Audaciosa, madura, interessante, habilidosa, compassiva. Quando despertou, ela sabia da existência das outras Evas
De repente, sem motivo algum, Eva White desatou a comprar roupas extravagantes e caras demais para as suas posses. Mas depois perdia a memória desses episódios, como o local e o momento das compras. Depois de ser levada aos psiquiatras, e à medida que ia sendo interrogada sobre esses factos, o seu comportamento começava a mudar. Apresentava certa confusão mental, que se acompanhava de alterações da expressão facial e verbal. Em vários momentos quem estava presente era Eva Black. Nessas situações os olhos flamejavam, em simultâneo com um sorriso sedutor e provocador. Falava animadamente, fumava, tudo diferente de Eva White.



A maior parte do filme mostra o psiquiatra às voltas com o diagnóstico clínico na tentativa de melhor saber lidar com essas duas faces de EvaUtilizando o teste de Rorschach - aquele teste em que a paciente descreve as coisas que vê nos borrões de tinta, revelando os aspetos inconscientes da personalidade - as diferenças entre Eva White e Eva Black ficaram ainda mais evidentes. Eva Black tinha uma tendência para a histeria, mas muito controladora e com grande capacidade adaptativa.  Enquanto Eva White se apresentava muito ansiosa e constrangida, traços obsessivo/compulsivos. Era incapaz de lidar com a sua própria agressividade.

Sob hipnose, numa sessão, revela-se uma terceira personalidade, Jane. O psiquiatra finalmente faz com que Eva se lembre de um evento traumático da sua infância. Quando ela tinha seis anos, aquando do funeral da sua avó, segundo uma tradição da família, os parentes deveriam beijar a pessoa morta no velório, para melhor assimilarem a despedida. Ora ali estava a pista do trauma da fragmentação da sua personalidade em três personagens completamente distintas. 



Eva Black, quando tenta matar Bonnie, a filha de Eva White, em consequência disso, é submetida a um internamento hospitalar psiquiátrico. quando teve alta do hospital o marido disse-lhe que tinha de ir trabalhar noutro Estado. Bonnie vai viver para casa dos pais de Eva White, e ela vai passar esses dias num hotel. Quando o marido regressa, diz-lhe que não acredita que ela sofra do tal Distúrbio de Personalidade Múltipla, que era como se chamava na altura à hoje chamada Perturbação Dissociativa de Identidade. Ele tenta levá-la de volta para casa, mas ela teme que Eva Black também volte, e recusa-se a ir. E, de facto, o stress da situação faz com que Eva Black volte. O marido percebe então que Eva Black é real. Eva Black sai para se divertir, acabando por se envolver com outro homem, inclusive indo "dançar" com ele. Ao retornar ao hotel confronta-se com o divórcio apresentado pelo marido. 



Assim, quando estava numa sessão de psicoterapia hipnótica, Jane foi aflorando gradualmente,  conseguindo finalmente lembrar-se de tudo o que acontecera. Já fora do transe hipnótico, quando o psiquiatra tentou falar com Eva White, eles descobrem que Eva White e Eva Black já não existem. Agora só existia Jane, todas as três personalidades se haviam fundido numa só - Jane. Jane acaba por  casar-se com um homem que só a conhece da sua relação enquanto Jane. E volta a juntar-se à filha, Bonnie. 

Chris Costner Sizemore [1927-2016] escreveu longamente sobre as suas experiências. Em seu livro de 1958 - "The Final Face of Eve", ela usou o pseudónimo Evelyn Lancaster. Em seu livro de 1977 - "I'm Eve", 
Chris Costner Sizemore revela finalmente a sua verdadeira identidade. Em 1989 escreve o terceiro livro, em continuação dos anteriores, com o título: "A Mind of My Own"


terça-feira, 27 de outubro de 2020

O burro dos Democratas e o elefante dos Republicanos



Nos Estados Unidos da América há mais partidos do que o Partido Republicano e o Partido Democrata. Mas estes dois partidos monopolizam há muitos anos o espetro eleitoral na contenda democrática. Na década de 1870, e por via do seu lugar primordial na vida política americana, o Partido Republicano foi alcunhado de Grand Old Party. Desde então a sigla GOP é utilizada com frequência para designar os Republicanos. Também na mesma época o cartoonista Thomas Nast representava o Partido Republicano como um poderoso elefante que tudo destruía à sua passagem – sublinhando assim a sua hegemonia no quadro político dos EUA. O elefante é hoje o símbolo dos Republicanos, embora o partido nunca o tenha reconhecido oficialmente. 

Os Democratas também têm um símbolo, que é o burro. Em 1837, Andrew Jackson surgiu num cartoon de um jornal montado num burro, a representar o Partido Democrata. E isto porque os adversários de Andrew Jackson dirigiam-lhe fortes ataques pessoais tratando-o por Jackass. Ora, Jackass é o nome que se dá ao animal - "burro". Durante a década de 1870, o mesmo cartoonista, Thomas Nast, foi buscar este episódio e recuperou a imagem do burro para o identificar com os Democratas. Embora o Partido Democrata também nunca tenha reconhecido oficialmente esse símbolo, a verdade é que hoje o símbolo de facto do Partido Democrata é o burro.

Porque se realizam as eleições sempre a uma terça-feira de novembro?

É uma tradição que nos dias de hoje já não faz sentido, mas que os americanos são muito ciosos das regras fundacionais, são. Esta regra remonta a uma lei de 1845: a terça-feira seguinte à primeira segunda feira de mês de novembro. Isto era para não colidir com os procedimentos judiciais nos tribunais dos condados, que eram sagrados. Por outro lado, era à terça porque num século predominantemente rural, os eleitores poderiam ter de percorrer grandes distâncias até chegarem às mesas de voto, e aí exercerem o seu direito. E ao domingo nunca poderia ser, porque o domingo era um exclusivo dos serviços religiosos. E ainda, o mês de novembro também obedecia a uma condicionante rural, ou agrária, senão vejamos: não se fazendo sentir ainda os rigores do inverno no hemisfério norte, os agricultores também já não tinham nada para fazer, pois as colheitas já estavam guardadas nos celeiros, não havendo desculpas para não ir votar. E assim, a tradição e a lei mantiveram-se inalteradas.

O Partido Republicano foi fundado em 1854. Em 1860 Abraham Lincoln, o candidato Republicano, obteve um apoio esmagador em todos os Estados do Norte e do Midwest, conquistando a Presidência. Mas o candidato Democrata, Breckinridge, venceu em onze Estados do Sul. Ora, os Estados Sulistas, reagindo à eleição de um Presidente abolicionista, em 1861 deixaram a União, formando os Estados Confederados da América. Esta decisão foi o gatilho da sangrenta guerra civil.

O Norte e o Sul dos Estados Unidos da América sempre tiveram características culturais, sociais e económicas distintas. O Norte mais urbano e industrial; o Sul, mais agrícola e esclavagista, conservava um modo de vida predominantemente rural. O Partido Democrata, no século XIX, viu-se refém dos grandes proprietários de terras e de escravos do Sul, acabando por se ver conotado com as tradições sulistas e a preservação da escravatura.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Sonhos e Estados de Dissociação


Estudos empíricos têm demonstrado que existem certas atividades cognitivas superiores que permanecem ativas durante o sono, e que se manifestam através dos sonhos. Certos aspetos da nossa vida pessoal, como por exemplo, a tomada de certas decisões importantes, podem ocorrer depois de terem sido sonhadas durante o sono. Ou até a solução para um problema intrincado que andávamos a arrastar há algum tempo, pode ser encontrada num sonho. 
O processamento linguístico cria uma espécie de narrativa que é memorizada e depois é trazida até à vigília, podendo ser verbalizada depois de acordarmos. Estes aspetos têm-se revelado importantes para deslindar certas perplexidades que têm ocorrido no estudo da fenomenologia da consciência, demonstrando que a consciência não é um bloco monolítico, mas em vez disso uma boca de cena onde desembocam vários palcos com cenários diferentes. A fenomenologia da vigília e do sonho, ao nível do processamento cerebral, não estão assim tão separados. Há processamentos cognitivos complexos durante os sonhos. 

Já nas antigas civilizações  - Suméria, Egito, Mesopotâmia, Grécia - se recorria à interpretação simbólica dos sonhos pelo seu significado metafórico próprio. Exemplos disso eram os diagnósticos dos médicos gregos projetados para a esfera divina, ou as profecias bíblicas. Práticas do culto do sonho como comunicação com o divino também eram rotina em tribos nativo-americanas. E as civilizações orientais também fizeram os seus próprios cultos com registos narrativos dos sonhos.

O estudo dos sonhos tem gente com pergaminhos, como Freud e Jung. Freud tentou aproximar as suas teorias sobre o sono e os sonhos da neurociência. Jung avançou por outros caminhos como foi o caso do inconsciente coletivo, em que nos sonhos se revelavam os arquétipos primordiais da espécie humana. No entanto, dado que na altura o avanço científico ainda não era significativo, Freud teve de se limitar à especulação, que não foi pequena.

Durante o sono temos regularmente experiências alucinatórias geradas internamente pelo cérebro. Essas experiências são não apenas de sonho, mas também de ideação. A ideação durante o sono refere-se a um processo simples e estático de imagens de uma única modalidade. Ao passo que no sonho o processo é mais complexo, como se fossem imagens num filme a desenrolar-se no tempo, com sequências de experiências multimodais. 
O sonho é um estado alterado de consciência, no qual o cérebro constrói um mundo virtual de imagens vívidas em que nós não somos capazes de as identificar como alucinogénias. A natureza virtual e alucinatória do sonho é sempre tida como real ou verdadeira, apesar do seu conteúdo bizarro e repleto de inconsistências. Essa incapacidade de deteção de conteúdo ilógico e bizarro é devido à perda das características cognitivas do self reflexivo, da capacidade de orientação e racionalização lógica. O cérebro entra num registo de funcionamento o qual não nos faculta a capacidade de questionamento. É essa a característica do enredo onírico. 

Ao longo dos estudos no século XX surgiram várias interrogações acerca do proveito que o nosso corpo poderia ter com a função onírica do cérebro. Ou seja, para que é que nos servia sonhar? Começando por uma perspetiva evolucionista, a utilidade dos sonhos residiria na preparação do ser vivo para as reações de sobrevivência de fuga ou luta, conhecida como Teoria da Sentinela. As características do sono REM influenciam os conteúdos dos sonhos, como a disposição e a emoção, assegurando a continuidade da espécie na luta pela sobrevivência. 
É durante a fase REM do sono que o cérebro assume um estado mental mais criativo e associativo, o que leva a um reflexo imagístico e metafórico dos problemas diários com conteúdo emocional e experiencial sobre a forma de imagens. Estas metáforas organizam-se através dos pensamentos e sentimentos em histórias com sequência, assumindo elementos do passado e do presente. 

Hobson (2009) formalizou também uma teoria da proto consciência - um contínuo vigília/sono/vigília - um estado interativo cujo papel seria fundamental para a otimização cognitiva na cooperação interpares na luta pela sobrevivência. Para Hobson seria um processo em desenvolvimento de ascensão para níveis de consciência ainda mais elevados do que os necessários para a vida quotidiana. Esses níveis seriam os níveis da esfera do sagrado, do religioso. Freud teorizava que os sonhos eram uma forma de acesso ao inconsciente. E que estudar o conteúdo dos sonhos poderia ser uma forma de descobrir a causa das neuroses. Para Freud o conteúdo manifesto ou superficial assumia a forma simbólica de um conteúdo latente e escondido no inconsciente. O conteúdo inconsciente, ou “Id”, era o conteúdo dos desejos que não se poderiam satisfazer à vista da sociedade. Para Freud, esses desejos eram predominantemente de cariz sexual. E o sexo era daquelas matérias tabu, que a sociedade punia com severidade. Assim, a sua satisfação tinha escapatória no sonho. E esses desejos assumiam a forma de símbolos para poderem ser aceites pela consciência moral.

Atualmente, tanto os sonhos naturais, como os chamados sonhos lúcidos, têm funcionado como um útil recurso no âmbito de certo tipo de psicoterapia da síndrome pós traumática. O termo sonhos lúcidos foi cunhado pela primeira vez por Van Eden (1913), que relatou um estado de consciência nos sonhos em que existia uma reintegração das funções psíquicas em estado de vigília. Assim, este estado tinha capacidade para direcionar a atenção sob a força da vontade. Na Perturbação do Stress Pós-traumático sabe-se que, na tentativa de evitamento fóbico, os pacientes recorrem a estratégias extraordinárias para evitar pistas internas e externas que despertem a lembrança do conteúdo traumático. O evitamento salva consciência do paciente, porque reviver a experiência do trauma torna-se não apenas insuportável, mas destruidora do sentido do Si (self). São estas situações que conduzem muitas vezes aos processos dissociativos do Eu.  Os sintomas dissociativos são alimento e causa da dissociação estrutural. As dissociações estruturais, que estão interligadas com as fobias, constituem o núcleo do evitamento da lembrança do trauma, para que a identidade pessoal sobreviva. O evitamento fóbico de memórias traumáticas nem sempre é eficaz no sentido de evitar outros sintomas como pensamentos intrusivos, ou entorpecimento e desapego emocional. São perturbações prototípicas da personalidade que ficaram encarceradas na dissociação do self, reforçando ainda mais a ligação entre dissociação e trauma.

Existe uma predominância comprovada de pesadelos após eventos traumáticos, nomeadamente em eventos que causem a síndrome pós traumática. Estes pesadelos são muitas vezes vivências reconstruídas a partir do trauma, podendo prolongar-se durante meses após o evento traumático. O estado emocional de uma pessoa traumatizada está, portanto, repleto de negatividades que invadem o estado vígil da consciência, e o estado alterado de consciência durante o sono espelhado nos sonhos. Southern (2004) verificou através do estudo de um dos seus casos clínicos gravemente traumatizado, que era possível aceder de forma criativa e engenhosa aos seus modos de vinculação e memórias associadas.  

Sonhos lúcidos são definidos simplesmente como sonhos em que a pessoa sabe que está a sonhar. Num estudo de imagiologia Hobson demonstrou que durante um episódio de sonhos lúcidos se verifica um estado hibrido de consciência em que há uma atividade maioritariamente límbica e frontal, semelhante à que acontece durante a vigília. Num sonho lúcido o sonhador tem portanto um acesso consciente ao episódio do sonho, podendo, por vezes, influenciar a narrativa do sonho. Os sonhos lúcidos não devem ser confundidos com o fenómeno do falso acordar, relatado como a experiência de acordar dentro de um sonho. Na verdade a pessoa permanece no sonho, mas pensa que já não está a sonhar. Estas situações podem ocorrer em momentos em que a pessoa está a passar por um forte stress.

Num estudo efetuado por Barret , foram recolhidos relatos de sonhos de pacientes diagnosticados com Perturbação Dissociativa de Identidade
Os resultados mais interessantes deste estudo verificaram a capacidade de alguns pacientes recuperarem memórias de outras identidades e de experienciarem sonhos completamente fora do habitual nessa identidade. Num fenómeno mais raro, dois pacientes integraram duas das suas identidades através de um sonho. Em todo o caso estamos a falar de fenómenos extremamente raros, pelo que os estudos são escaços.

Hilgard, por sua vez, testemunhou que a experiência do sonho poderia em muitos aspetos ser comparada à da Dissociação. Nas suas características, os sonhos, tal como a Dissociação, possuem uma suspensão da função de teste da realidade. A despersonalização consiste na situação em que a pessoa está a observar-se como se de uma terceira pessoa se tratasse. Tecnicamente, esse estado é identificado com o acréscimo de desrealização, amnesia e absorção. A comparação entre a Dissociação e o Sonho passa também pela intensidade das sensações, e até das emoções. As pessoas com tendência para a Dissociação reportam terem dificuldade em distinguir a fronteira que separa o estado de sonho do estado de vigília. Estes casos têm uma maior propensão para a fantasia e para experiências extraordinariamente bizarras.


sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O que fará a diferença entre países, para uns serem ricos e outros pobres?




Será que os europeus foram de algum modo superiores? É verdade que a Europa Ocidental e a América do Norte têm sido há séculos as regiões mais ricas do mundo. Daí pensar-se que talvez tenha sido a superioridade do legado europeu a razão da prosperidade do Estados Unidos. Mas essa ideia não colhe, por exemplo, na Argentina ou no Uruguai, que apesar de a população ser maioritariamente descendente de europeus, em comparação proporcional com o Canadá e os Estados Unidos, é maior, mas o desempenho económico na América do Sul deixa não tem comparação. O Japão e Singapura nunca tiveram mais que uma minoria de descendentes de europeus entre os seus habitantes, e, no entanto, são mais abastados que muitas áreas da Europa Ocidental.

E agora temos a China, apesar das suas contradições políticas, tem sido o país de crescimento mais rápido nas três últimas décadas. A pobreza na China, até à morte de Mao, nada tinha a ver com a cultura chinesa. O modo como Mao organizou a economia, e conduziu a política nacional e internacional, foi um desastre.  Na década de 1950 o “Grande Salto” acarretou fome e morte em massa. Nos anos 1960 implementou a Revolução Cultural, que levou à perseguição maciça de intelectuais e eruditos, com um enorme desperdício de talentos e recursos da sociedade. Qualquer um, cuja fidelidade ao partido pudesse ser posta em dúvida, corria perigo de vida. Da mesma forma, o atual crescimento chinês nada tem a ver com os valores ou mudanças na cultura local; é fruto de um processo de transformação económica deflagrado pelas reformas implementadas por Deng Xiaoping e seus aliados – que, após a morte de Mao Tsé-Tung, foram pouco a pouco abandonando as instituições e políticas económicas maoistas, primeiro na agricultura e depois na indústria.

Há, evidentemente, diferentes crenças, valores e atitudes culturais entre a América do Norte e a América do Sul. Mas tais disparidades são consequência mais pelas diferentes instituições e opções políticas que para lá foram levadas pelos colonizadores, do que propriamente devido a fatores de raiz cultural que diferiam entre anglo-saxónicos e latinos. Por exemplo, Argentina e Chile são mais ricos que Peru e Bolívia. Mas isso também não é explicado pela cultura indígena, porque tanto a Argentina como o Chile tinham uma população nativa relativamente pequena, se comparada com a do Peru e da Bolívia. Colômbia, Equador e Peru têm níveis de PIB per capita similares, mas a Colômbia hoje apresenta muito poucos indígenas, ao contrário do Equador e Peru. Por fim, as atitudes culturais, em geral de modificação lenta, dificilmente responderão por si pelos milagres do crescimento na China e em geral por todo o Leste Asiático. Por mais persistentes que sejam as instituições, em determinadas circunstâncias podem transformar-se rapidamente.

Max Weber [1864-1920], intelectual alemão, defendeu que a Reforma Protestante e a ética protestante dela decorrente desempenharam um papel central na facilitação da ascensão da moderna sociedade industrial na Europa Ocidental. É claro que a religião é apenas uma parte da cultura de um povo. Mas será que o protestantismo ao catolicismo foi assim tão útil à superioridade económica dos países protestantes em relação aos países católicos?

Diz-se que no México os cidadãos confiam menos nos outros cidadãos, do que nos Estados Unidos. E pode não ser surpreende, ao sabermos da dificuldade que o governo mexicano tem para eliminar os cartéis da droga, ou assegurar um sistema jurídico imparcial. O mesmo vale para as Coreias do Norte e do Sul. O Sul é um dos países mais ricos do mundo, ao passo que o Norte enfrenta fomes periódicas e uma pobreza inadmissível. Embora hoje a cultura política dos dois países seja muito distinta, a península coreana tem uma longa história de um povo comum. Até à Guerra da Coreia que levou à divisão pelo paralelo 38, As duas Coreias apresentavam uma grande homogeneidade em termos de idioma, etnicidade e cultura. 

Historicamente, a África subsaariana sempre foi mais pobre do que a maior parte do resto do mundo. No entanto, no Neolítico, também teve civilizações idênticas a muitas outras, como, por exemplo, a invenção da roda e do arado. Porque terá sido que tais invenções, apesar disso, nunca tenham tido uma utilização tão ampla como as outras antes da entrada em cena da colonização formal europeia? Os europeus começaram a circum-navegar a costa ocidental de África no final do século XV, mas os asiáticos já tinham chegado à África Oriental há muito mais tempo.

Os portugueses estabeleceram intensas relações com o Congo depois de Diogo Cão ter lá chegado em 1483. Na época, o Congo era um reino altamente centralizado pelos padrões africanos, cuja capital, Mbanza, contava com uma população de 60 mil habitantes, o que a tornava mais ou menos do mesmo tamanho de Lisboa, e maior do que Londres, com uma população de cerca de 50 mil habitantes em 1500. O rei do Congo, Nzinga a Nkuwu, converteu-se ao catolicismo e mudou de nome para João I. Mais tarde, o nome de Mbanza seria mudado para São Salvador. Só depois dos portugueses é que o arado foi aí utilizado por missões agrícolas levadas a cabo em 1491 e 1512. Contudo, todas essas iniciativas fracassaram. E não obstante, os congolenses estavam longe de ser avessos às modernas tecnologias em geral. Como se pode ver no Quadro acima, em que mostra o PIB per capita de alguns países - os primeiros dez; dez do meio, onde está colocado Portugal; e os últimos dez - a República Democrática do Congo e a República Centro-Africana, que se distribuem sensivelmente pelo território do Congo do tempo de Diogo Cão, são os últimos da tabela. E não é por o território ser assim tão pobre em riquezas naturais.

Foi no manejo das armas de fogo, utilizando a pólvora, que os congoleses se evidenciaram expeditos na captura de escravos. Na época do tráfico de escravos capturados na África ocidental e levados para o Novo Mundo, do outro lao do Atlântico, o mercado de escravos foi muito proveitoso para as elites congolesas. Podemos correr o risco de ser politicamente incorretos, mas não há nenhum indício de que a cultura ou os valores africanos de alguma maneira concorressem para impedir a adoção das mesmas tecnologias e práticas que há muito se utilizavam noutras latitudes. À medida que se estreitavam os seus laços com os europeus, seria de esperar que os congolenses adotassem as mesmas práticas, desde a arquitetura habitacional até à escrita. No século XIX, não poucas sociedades africanas tiraram proveito também das crescentes oportunidades económicas engendradas pela Revolução Industrial, mudando os seus padrões de produção. E, efetivamente, na África Ocidental verificou-se um rápido crescimento económico com base na exportação de óleo de palma e amendoim; em todo o sul do continente, os africanos desenvolveram produtos a serem exportados para as áreas industriais e de mineração em acelerada expansão na África do Sul. Contudo, esses promissores empreendimentos foram obliterados, não pela cultura africana nem pela incapacidade dos africanos comuns de tomar iniciativas em prol de seus próprios interesses, mas pela elite comprometida com as elites europeias no tempo do colonialismo. E mais tarde, após a independência, pelos próprios governos africanos. 

Há autores que defendem que a verdadeira razão, por que os congolenses não adotaram uma tecnologia superior, se deve ao facto de lhes terem faltado incentivos para tanto. Enfrentavam elevado risco de expropriação e tributação da sua produção pelo monarca europeu todo-poderoso, independentemente de se terem convertido ao catolicismo ou não. Com efeito, a insegurança imperava, não só no que dizia respeito à propriedade, mas a uma coisa ainda mais básica: a continuidade da sua própria existência. À grande maioria dos congoleses o destino reservava-lhes a captura para depois serem vendidos como escravos. Ora, tal condição, dificilmente serviria de estímulo para investimentos que aumentassem a produtividade a longo prazo. Tampouco as elites locais dispunham de incentivo para agarrarem o arado e lavrarem a terra em larga escala para aumentarem a produtividade agrícola. A prioridade estava na exportação de escravos, que era muito mais rentável. A possibilidade de serem capturados, e vendidos como escravos, sem dúvida exerceu alguma influência sobre o grau de confiança dos africanos entre si ao longo do tempo. Talvez se possa afirmar que, hoje, há uma grande desconfiança entre os africanos, não confiando nos povos de outras partes do mundo, e muito menos uns nos outros. A tal facto não estarão isentas de culpa instituições que perverteram direitos humanos e direitos de propriedade em África. 

No Médio Oriente, o curso dos acontecimentos históricos deveu-se mais a circunstâncias geopolíticas internacionais, do que propriamente a circunstâncias especiais da sua cultura árabe/muçulmana. Na realidade, os países que não produzem petróleo são muito pobres. Os produtores de petróleo são mais ricos, mas esse golpe de sorte pouco contribuiu para a instalação de economias modernas e diversificadas na Arábia Saudita ou no Kuwait. 
Naquelas partes do Médio Oriente que escaparam temporariamente ao jugo do Império Otomano, e das potências europeias: como o Egito entre 1805 e 1848, sob Muhammad Ali, mostraram-se capazes de enveredar por um caminho de acelerado crescimento. Muhammad Ali usurpou o poder logo após a retirada das forças francesas que haviam ocupado o país sob o comando de Napoleão Bonaparte. Aproveitando-se da tibieza do controlo exercido pelos otomanos sobre o território egípcio na época, logrou fundar a sua própria dinastia, que, de uma forma ou de outra, governaria o país até à revolução encabeçada por Nasser, em 1952. As reformas de Muhammad Ali, embora tenham sido impostas por coerção, promoveram o crescimento do país à medida que a burocracia estatal, o exército e o sistema de arrecadação fiscal foram modernizados, gerando crescimento na agricultura e na indústria. Não obstante, tal processo de modernização e crescimento chegou ao fim com a morte de Ali, quando o Egito voltou a cair sob influência europeia. 

Muita gente é tentada a imputar esses factos à influência da religião islâmica. Mas por mais plausível que seja, esse argumento não está correto. Sim, países como a Síria e o Egito são pobres, e as suas populações basicamente professam o Islão. Contudo, apresentam outras peculiaridades bem mais significativas para efeitos de prosperidade. Em primeiro lugar, todos foram províncias do Império Otomano, o que afetou intensa e adversamente o modo como se desenvolveram. Após o colapso do domínio otomano, o Médio Oriente foi absorvido pelos impérios coloniais inglês e francês, que continuaram tolhendo as suas possibilidades. Após a independência, a exemplo de boa parte do antigo mundo colonial, desenvolveram regimes políticos hierárquicos e autoritários, de que faziam parte poucas das instituições políticas e económicas que são cruciais para a geração de prosperidade económica. Essa trajetória de desenvolvimento foi moldada, em grande parte, pela história de subjugação ao domínio dos Otomanos, e, depois, ao domínio dos Europeus. A relação entre religião islâmica e pobreza, no Médio Oriente, é apenas circunstancial, e não estrutural. Tudo indica que há outros fatores culturais que têm mais influência na prosperidade dos povos do que propriamente a religião de forma independente. Quem sabe se não terá sido a influência da cultura inglesa, nuns casos, da cultura espanhola e portuguesa noutros casos, mais determinantes? Mas, por mais sedutora que essa ideia possa parecer à primeira vista, também não funciona. Sim, Canadá e Estados Unidos foram colónias britânicas, mas Serra Leoa e Nigéria, também. As variações de prosperidade entre as ex-colónias inglesas são tão grandes quanto entre os demais países do mundo. O legado britânico não é a causa do enriquecimento da América do Norte.

Em que estado fica a ética protestante de Max Weber? O que fica é que países predominantemente protestantes, como a Holanda e a Inglaterra, foram os primeiros grandes sucessos económicos da Era Moderna. Mas a verdade é que há pouca ligação entre religião e prosperidade económica. A França, país predominantemente católico, rapidamente reproduziu o desempenho económico dos holandeses e ingleses no século XIX, e a Itália também prosperou. E olhando mais para o Oriente, nenhum dos sucessos económicos recentes do Leste Asiático guarda qualquer relação com a religião cristã. Por conseguinte, tampouco aí a tese de uma conexão especial entre o protestantismo e o êxito económico encontra grande respaldo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Alcançar 'ao menos' a Dinamarca


Por milhão de habitantes, a Dinamarca já infetou por covid-19 – 6.513 pessoas; e morreram 120, por milhão de habitantes. E Portugal – 10.769; e morreram 220. Portugal tem sensivelmente o dobro de habitantes em relação à Dinamarca. E na relação por milhão de habitantes também teve o dobro de infetados e de mortos.

Como é que a Dinamarca se tornou a Dinamarca – uma entidade política democrática, próspera, bem governada e cumpridora da lei com um dos níveis de corrupção política mais baixos do mundo. No ano 1500, quando os portugueses eram os primeiros europeus a chegar ao Brasil, e já depois de terem dobrado o Cabo, e dali terem alcançado a Índia, não era de todo óbvio que a Dinamarca se tornasse a Dinamarca. Alguns observadores procuraram identificar as raízes da atual Dinamarca nos Vikings. Mas é difícil compreender de que forma este grupo específico de saqueadores tribais se distinguiam no fundamental dos outros bárbaros germânicos que se estabeleceram na Europa após o final do Império Romano, para além do facto de se deslocarem em navios abertos com casco trincado que nada tinham a ver com as caravelas portuguesas. Tinham uma série de aberturas nos dois lados para os remos, e o leme era constituído por um remo colocado lateralmente no bordo de sotavento. Em termos gerais, eram embarcações com casco esguio para usar remos, largura suficiente para navegação estável e pouco peso para poderem ser transportados à mão pela tripulação.

A monarquia dinamarquesa, proveniente de uma linhagem muito antiga, foi relativamente fraca até ao século XIII, quando o rei foi obrigado a assinar uma Grande Carta que exigia a consulta de um Parlamento de Nobres, juntamente com privilégios especiais para a Igreja. A economia dinamarquesa estava baseada, tal como a do resto da Europa, no senhorio, ainda que a localização da Dinamarca à entrada do Báltico e a sua proximidade das cidades da Liga Hanseática fizessem do comércio internacional um fator mais importante para o seu desenvolvimento económico. E os portugueses do Norte também por lá andaram a comerciar em boas relações. Do Norte da Europa era exportado peixe seco, trigo, madeira, ferro, cobre, sal, lã e peles. De volta eram trazidos tecidos, vinho, sal e especiarias. A rede comercial da Hansa. Com os descobrimentos marítimos, o comércio mundial procurou outras rotas, tendo então a Hansa entrado em declínio, até desaparecer no séc. XVII. 




A verdade é que no século XV já a Dinamarca dava cartas, controlando a Noruega, a Islândia e os territórios germanófonos de Schleswig e Holstein, bem como províncias do outro lado do Sound, na atual Suécia ocidental. Se houve um único acontecimento que colocou a Dinamarca e outras partes da Escandinávia num percurso de desenvolvimento distinto, foi a Reforma Protestante. Tal como noutras partes da Europa, as ideias de Martinho Lutero revelaram-se profundamente desestabilizadoras, catalisando ressentimentos populares profundos contra a Igreja Católica. Na Dinamarca, uma curta guerra civil conduziu à vitória dos protestantes e ao estabelecimento de uma Igreja Nacional Luterana dinamarquesa em 1536. Este desenlace foi impulsionado por fatores tanto materiais como morais: o rei dinamarquês viu uma importante oportunidade de se apropriar dos consideráveis bens da Igreja, que chegaram a atingir 30% das terras na Dinamarca. O impacto político verdadeiramente duradouro da Reforma sobre a Dinamarca passou, contudo, pelo seu encorajamento da literacia dos camponeses. Os luteranos acreditavam firmemente na necessidade de as pessoas comuns acederem diretamente a Deus pela leitura da Bíblia ou, caso isso não fosse possível, do Pequeno Catecismo de Lutero. A partir do século XVI, a Igreja Luterana começou a criar escolas em todas as aldeias da Dinamarca, onde os padres ensinavam aos camponeses os rudimentos básicos da escrita e da leitura. O resultado foi a ascensão, por volta do século XVIII, do campesinato na Dinamarca (e noutras zonas da Escandinávia) enquanto classe social relativamente letrada e cada vez mais organizada.

A mobilização social nas sociedades contemporâneas ocorre geralmente como consequência do desenvolvimento económico. A literacia não só permitiu aos camponeses melhorar a sua condição económica, como também os ajudou a comunicar entre si e a organizar-se como agentes políticos. É difícil imaginar um contraste maior do que aquele que existia entre a Escandinávia e a Península Ibérica no século XIX com as suas colónias ultramarinas a desfazerem-se.

Na Dinamarca estabeleceu-se um Estado absolutista com uma burocracia cada vez mais sofisticada em 1660, após a derrota numa guerra travada contra a Suécia. A Dieta dinamarquesa foi abolida e não existia nenhuma estrutura política baseada nas ordens à qual o monarca fosse obrigado a recorrer para obter autorização de aumento dos impostos. A revolução política decisiva chegou no período situado entre 1760 e 1792, quando uma monarquia iluminada dinamarquesa aboliu progressivamente uma forma de servidão conhecida como stavnsband, inicialmente nos domínios do rei e depois nos de todos os proprietários, limitando o direito dos proprietários rurais a impor punições degradantes aos camponeses, como a flagelação num cavalo de madeira. Os camponeses não receberam direitos políticos, mas foi-lhes atribuído o direito a possuir as suas próprias terras e a comerciar livremente em condições de igualdade.

A monarquia dinamarquesa considerou a liberdade dos camponeses uma oportunidade de enfraquecer o poder dos proprietários nobres, que resistiam ferozmente às suas reformas. Libertar os camponeses permitir-lhe-ia recrutá-los diretamente para o exército nacional. As ideias também foram importantes: A Riqueza das Nações, de Adam Smith, havia sido publicada em 1776, e sustentava que os proprietários agrícolas seriam em última instância muito mais produtivos do que os servos não-livres. Mas igualmente importante foi o facto de o próprio campesinato ser cada vez mais instruído, mobilizado e preparado para aproveitar as oportunidades da liberdade económica e passar a atividades de maior valor acrescentado, tais como o fabrico de produtos alimentares.

O segundo grande acontecimento que tornou possível a democracia moderna dinamarquesa teve origem exterior. A Dinamarca foi uma potência internacional europeia média até ao final do século XVIII. Havia perdido a Noruega em 1814, em resultado das Guerras Napoleónicas. A difusão das ideias da Revolução Francesa ao longo das primeiras décadas do século XIX teve consequências políticas complexas, uma vez que estimulou tanto as reivindicações de participação política da burguesia e do campesinato como a exigência de reconhecimento nacional da considerável minoria germanófona do país. Os prussianos resolveram o problema com a retirada aos dinamarqueses, em 1864, dos ducados predominantemente germanófonos de Schleswig e Holstein numa guerra tão curta quanto decisiva. Do dia para a noite, a Dinamarca tornou-se um país pequeno, homogéneo e largamente habitado por falantes de dinamarquês, e compreendeu que seria obrigado a viver no interior dos limites de um Estado muito mais pequeno.

Isto formou, por conseguinte, o contexto para a história da emergência da democracia no final do século XIX e da social-democracia no início do século XX. Após a ascensão de uma monarquia constitucional em 1848, o movimento dos agricultores e os liberais nacionais que representavam a burguesia começaram a exigir participação política direta, o que conduziu à concessão de direitos de voto nos anos seguintes. A emergência do Estado-providência dinamarquês no século XX baseava-se não apenas numa classe trabalhadora emergente como também numa classe de agricultores cuja mobilização foi facilitada, em aspetos decisivos, não pelo crescimento económico, mas pela religião.

O desenvolvimento da democracia e de uma economia moderna de mercado foi muito menos conflituoso e violento na Dinamarca do que no resto da Europa. Para chegar à Dinamarca moderna, os dinamarqueses travaram efetivamente um conjunto de guerras com os seus vizinhos, incluindo a Suécia e a Prússia, tendo existido também conflitos civis violentos nos séculos XVII e XIX. Mas não houve nenhuma guerra civil prolongada, nenhum movimento de emparcelamento, nenhuma tirania absolutista ou uma pobreza extrema provocada por uma industrialização inicial, pelo que o legado dos conflitos de classe foi muito menor. As ideias foram decisivas para a história dinamarquesa, no que diz respeito não apenas à ideologia luterana e grundtvigiana, mas também à forma como as perspetivas iluministas dos direitos e do constitucionalismo foram aceites por um conjunto de monarcas dinamarqueses nos séculos XVIII e XIX. O superior sentido de comunidade nacional, alimentado por uma participação política alargada pela Bula Dourada, não foi impulsionado pelos barões, mas pela classe de soldados reais e de guardiões dos castelos que desejavam ser protegidos dos barões.

sábado, 17 de outubro de 2020

A ironia do poder quando “podemos”


“No momento em que nos parecermos minimamente com a casta que detém o poder, teremos desaparecido”
 
Dizia, em 2014, Pablo Iglesias [Secretário Geral do Podemos desde 15 de novembro de 2014; Vice-presidente do Governo de Espanha desde 13 de janeiro de 2020]. E criticava os políticos que viviam em chalés, não sabendo o que é apanhar um transporte público, ou ir fazer compras ao supermercado.

Presentemente Pablo Iglesias, casado com Irene Montero [Ministra da Igualdade no Governo de Espanha], vive numa moradia de 270 m2, com uma parcela de terreno de 2000 m2, em Galapagar, numa zona campestre situada a 45 quilómetros de Madrid. Foi adquirida em 2017, estando a propriedade avaliada em 700 mil euros. Subscreveram uma hipoteca a 30 anos, pela qual pagam 1750 euros mensais.

Esta mudança radical de vida tem provocado grande incómodo a muitos militantes do Unidas Podemos, dado o radical contraste entre o estilo de vida praticado e a retórica dos valores que o líder do partido tanto propagandeava, cuja liderança é exercida com mão de ferro e fogo. Pablo Iglesias chegou a ver-se obrigado a referendar a compra da sua casa através de um referendo telemático entre os militantes do Unidas Podemos. Conseguiu obter apoio nessa consulta, mas um terço dos militantes afastaram-se, indo pregar para outro lado.

Uma recente decisão do juiz que instrui o processo do caso Dina, um assunto intrincado em que Pablo Iglésias está envolvido, pedindo que o Supremo Tribunal investigue Pablo Iglesias como presumível autor dos delitos de exposição e revelação de segredos, danos informáticos, falsa denúncia e simulação de delito, põe a descoberto a cortina de fumo que a sua posição institucional no Governo de Espanha serve para ocultar os seus problemas judiciais. Se o Supremo vier a considerar fundadas as suspeitas do juiz, terá de solicitar ao Congresso a correspondente rogatória para poder imputar formalmente o atual vice-presidente do Governo.

O Tribunal de Contas constatou anomalias na contabilidade das eleições de 2019 e assegura que lhe apresentaram contas de despesas superiores a 400 mil euros sem a correspondente justificação. Há suspeitas sobre um possível financiamento irregular do Unidas Podemos. Obscuras contratações feitas através de uma consultora latino-americana, muito utilizada por regimes autoritários como os da Venezuela de Nicolás Maduro e da Bolívia de Evo Morales, para trabalhos de apoio e de assessoria. Nesta empresa, que é acusada de faturar ao Unidas Podemos elevadas quantias por trabalhos não realizados, aparece envolvida uma outra entidade de consultoria sediada em Portugal, que por sua vez é propriedade de uma empresa brasileira. 



O casal [Pablo Iglésias e Irene Montero] na sua casa de campo
em Galapagar, a 45 Km de Madrid

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A linguagem corporal do regente de orquestra




Simon Rattle, famoso como regente da Orquestra Sinfónica de Birmingham, conhecido por suas interpretações de Wagner e Mahler, é o atual diretor artístico e regente titular da Orquestra Filarmónica de Berlim, sucedendo a Claudio Abbado. A indicação, decidida por votação entre os membros da orquestra, foi, de certa forma, controversa, já que muitos membros dessa orquestra, marcados por uma postura conservadora, preferiam o argentino Daniel Barenboim. Rattle conseguiu o posto, mas adotou uma estratégia para conquistar aqueles que se opuseram à sua indicação: recusou-se a assinar o contrato até se certificar de que todos os membros da Orquestra Filarmónica de Berlim recebiam um salário justo. 


Antes de partir para a Alemanha e na sua chegada, Rattle, numa atitude polémica, atacou a atitude britânica em relação à cultura em geral do Reino Unido, por falta de investimento estatal. 


Nas fotos – Simon Rattle em Lohengrin, prelúdio – de Richard Wagner. Orquestra Filarmónica de Berlim.



Duarte Lima terá assassinado Rosalina Ribeiro



Duarte Lima era o advogado de confiança de Lúcio Tomé Feteira, um multimilionário que havia chegado a ser um dos homens mais ricos do mundo em certos tempos idos. Pouco antes de morrer, Feteira havia dado instruções a Rosalina Ribeiro - sua secretária primeiro e depois mulher de segundas núpcias há mutos anos -, para que, se tivesse problemas com Olímpia, filha de Tomé Feteira de uma outra relação antes de Rosalina, depois de ele partir, deveria procurar Duarte Lima

Feteira morreu, e Olímpia, não tardou em mexer-se para rastrear as contas do pai pelo mundo. A seguir acusou Rosalina de ter movimentado indevidamente mais de 25 milhões de euros. Informações enviadas oficialmente à Justiça de Portugal pelo banco suíço UBS mostraram que, só nesta instituição, 9 milhões de euros foram transferidos para contas de Rosalina. Dela, 5 milhões de euros foram parar a uma conta de Duarte Lima. Em Portugal, em processo relativo a estes milhões, a Justiça absolveu Duarte Lima do crime de abuso de confiança quanto à alegada apropriação indevida do dinheiro de Rosalina. 

***
Num certo dia de dezembro de 2009, Rosalina Ribeiro iria encontrar-se com o seu principal conselheiro e advogado – Duarte Lima – quando saiu do elevador do prédio de sua casa, e uma câmara de segurança de um prédio próximo registou a imagem dos seus passos até às 20h:03m:19s. Foi a última vez que Rosalina foi vista com vida. Nesse dia, o dia do desaparecimento, Rosalina recebera quatro chamadas de um só telemóvel: 16:20; 18:15; 19:48; 19:51. O número do aparelho era de um cartão pré-pago, de origem portuguesa e proprietário não registado. A última ligação durou 21 segundos. Depois foi encontrada assassinada num local ermo. 

No dia em que morreu, Rosalina disse a amigas que se ia encontrar com o advogado português num restaurante a cerca de 100 metros de casa para discutir o seu património. Duarte Lima confirmou o encontro, mas disse que, a pedido da cliente, às 22.00 horas a deixou num local ermo com uma mulher desconhecida, chamada de Gisele. Segundo a autópsia, Rosalina seria morta 15 minutos depois. O corpo foi encontrado a pouca distância do local onde Duarte Lima disse que a deixou. A amiga nunca viria a ser encontrada.

 Os polícias chegaram com os peritos. Logo percebem que a vítima tinha sido atingida por dois tiros, um na cabeça e outro no peito. Não encontraram vestígios das balas disparadas. Levado para o Instituto de Medicina Legal, o corpo sem documentos foi lançado na categoria dos cadáveres não identificados. Assim permaneceria por dez dias. No Rio de Janeiro, num cálculo otimista, em cada mil assassínios, a polícia descobre o criminoso em apenas 150 casos. É raro um crime ser desvendado. A quem interessaria a morte de Rosalina? Rosalina andava em disputa judicial com Olímpia, a filha de Lúcio Tomé Feteira, por causa da herança, uma fortuna avultada. E Rosalina era cônjuge de Feteira, portanto, madrasta de Olímpia, digamos assim.

Duarte Lima dissera à polícia brasileira ter recebido uma chamada de Rosalina quando estava em Belo Horizonte. Os agentes tentaram rastrear a ligação, mas não tiveram sucesso. Mas descobriram que Duarte Lima usara o seu telemóvel no Rio. Fizera ligações no Flamengo, bairro onde vivia Rosalina, e em Copacabana, onde ele se hospedou. O número de telemóvel de propriedade desconhecida, que ligara para Rosalina quatro vezes, foi usado sempre em locais próximos de onde esteve Duarte Lima. Para os investigadores, não havia dúvidas de que os dois telefones foram usados pela mesma pessoa.

Ao ser indagado se havia usado um carro no Brasil, Duarte Lima respondeu que sim, mas que não se lembrava nem do nome da empresa de aluguer de automóveis, nem da marca do veículo. Neste ponto da conversa, Duarte Lima mostrou-se irritado e quis saber o motivo para tantas perguntas. O polícia brasileiro ponderou que, como ele foi a última pessoa a ver Rosalina com vida, as perguntas seriam naturais. Esperava a colaboração de Duarte Lima, e não resistência ou má vontade.

Então Duarte Lima mudou de atitude e prestou-se a colaborar. Disse ter estacionado em frente ao prédio de Rosalina e ligado para ela às 16:20. Mas Duarte Lima só marcou o encontro com Rosalina para aquela noite, às 20:00. Porquê esperar até à noite para ter o encontro? Quanto à marca do carro, Duarte Lima disse, que embora não se lembrasse dos detalhes do carro alugado, iria apurar esses dados nos seus documentos de viagem e enviá-los-ia para o Brasil. Apesar de vários pedidos por e-mail e telefone, essas informações nunca chegaram. A Polícia sabia que Duarte Lima mentia sobre as suas atividades no dia do crime, mas não conseguia prová-lo.

Quando já havia passado um ano de investigações sem resultado à vista, um dia um dos polícias da dupla policial que andava a investigar o crime teve uma ideia, e disse: “Eureka!”. A estrada que liga o Rio a Maricá está repleta de radares para controlar o excesso de velocidade, com uma variedade tal de limites que até mesmo quem conhecia bem a estrada muitas vezes era multado, por causa dos muitos radares com diferentes limites, às vezes próximos uns dos outros. Alguém que não conhecesse a estrada inevitavelmente seria mais facilmente multado. A questão passou a ser: que carro procurar? Não encontraram registo de carros identificados como sendo de aluguer. Mas três multas aplicadas a um Ford Focus, cor prata, matrícula de Belo Horizonte HCF-1967, chamaram a atenção da dupla de polícias.

O prefixo HCF não é típico de carros de aluguer, mas o Ford Focus fora multado perto da entrada para Maricá, no sentido Cabo Frio: às 21:38 da noite do crime; às 22:37, só que em sentido contrário, em direção a Niterói. Uma terceira multa foi aplicada às 22:41, também no sentido Niterói. Era possível que, multado na ida, o Ford Focus tivesse ido até ao local do homicídio e voltado, sendo multado no mesmo ponto da estrada uma hora depois. A Polícia verificou também que o Ford Focus fora multado quando circulava do lado esquerdo da via a 99 km/hora, a uma distância a poucos metros da saída para Maricá. Ora, como a saída para Maricá faz um ângulo de noventa graus em relação à rodovia, seria impossível fazê-la àquela velocidade. Logo, é evidente que o Ford Focus não foi para Maricá. O que levantava duas hipóteses: ou aquele não fora o carro utilizado por Duarte Lima, ou ele mentira quando disse que deixou Rosalina em frente ao Hotel Jangada, em Maricá. Entretanto a Polícia havia descoberto que o Ford Focus tinha sido multado outras quatro vezes na estrada de Niterói para Saquarema, sendo que uma, às 17:07, a apenas oito minutos do local do crime. Só que estas multas eram do dia anterior à morte de Rosalina. Duarte Lima, que dissera que não conhecia o caminho para Maricá, aparentemente havia estado no local 24 horas antes do crime.

Já tinha passado um ano após o crime, quando numa nova tentativa de encontrar a proprietária do Ford Focus na sua residência, receberam a indicação de ligar para o filho. Este informou, então, que o carro estava em nome de sua mãe, mas que era ele o real proprietário e usava o Ford Focus para prestar serviços de motorista executivo em Belo Horizonte. Na época do crime, um amigo, dono de uma pequena empresa de aluguer de automóveis, contactou-o a dizer que tinha um cliente português, exigente, que queria um carro com determinadas características. Poderia usar o Ford Focus dele? O contrato de aluguer do Ford Focus confirmou que Duarte Lima era o cliente português que havia alugado o carro. A fatura também informava o pagamento de um novo jogo de tapetes de borracha para o carro. A correspondência contém ainda um e-mail enviado por Duarte Lima em abril de 2011, pedindo uma cópia do contrato para fins de impostos.

As provas recolhidas em Belo Horizonte e o contrato de aluguer do Ford Focus indicaram novas contradições nas informações prestadas até aquele momento por Duarte Lima. Assim, novas questões se levantavam para serem esclarecidas. A mais importante era o que fazia Duarte Lima no local do crime 24 horas antes do desaparecimento e morte de Rosalina Ribeiro. Duarte Lima estaria a planear levar Rosalina até às cercanias de Maricá, com algum pretexto relativo às terras do espólio de Lúcio Feteira na região, para assassiná-la num local ermo que ele havia procurado e escolhido na véspera. As multas do dia anterior ao do crime também desmentiam o relato de Duarte Lima, de que não sabia o caminho para Maricá, e que teve de ser orientado por Rosalina para lá chegar. As alegações de Duarte Lima de que não se lembrava de onde havia alugado o carro em Belo Horizonte eram desmentidas pelas informações da empresa de aluguer. E, finalmente, havia a revelação de que Duarte Lima tinha devolvido o Ford Focus sem os tapetes, havendo inclusive a fatura de ter pagado um novo jogo de tapetes. Que razão ele teria para tirar os tapetes do carro e descartá-los?

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Em outubro de 2011, a imprensa anunciou que o Ministério Público do Brasil acusou Duarte Lima de ter assassinado Rosalina Ribeiro, a 7 de Dezembro de 2009. Em 1 de novembro de 2011 foi decretada pelo juiz de Saquarema a prisão preventiva. Em 17 de novembro de 2011, Duarte Lima e o seu filho foram detidos pela Polícia Judiciária no âmbito de uma investigação relacionada com o caso do banco BPN, ficando em prisão preventiva. Burlou em cinquenta milhões de euros os proprietários de terrenos onde estava prevista a construção da nova sede do IPO. Em 7 de fevereiro de 2012, o Tribunal da Relação de Lisboa confirma a prisão preventiva de Duarte Lima e o pagamento de uma caução de 500 mil euros para que o filho Pedro Lima se mantenha em liberdade até ao julgamento. 

Em 18 de maio de 2012 continuou em prisão preventiva mas em sua casa com pulseira eletrónica. Em julho de 2012 afirmou que a acusação de que é alvo no Brasil pela morte de Rosalina Ribeiro é “destituída de qualquer prova factual” e uma “investigação dirigida por encomenda” a pedido de Olímpia Feteira, filha do falecido milionário, e do afilhado da sua cliente. 

Em 16 de abril de 2014, foi libertado da prisão domiciliária e o juiz mandou retirar a pulseira eletrónica por considerar diminuído o perigo de fuga. Em 28 de novembro de 2014, Duarte Lima foi condenado a 10 anos de prisão, em cúmulo jurídico, no caso Homeland, relacionado com crédito obtido no BPN, para compra de terrenos em Oeiras. Duarte Lima foi condenado a 6 anos de prisão por burla qualificada e 7 anos por branqueamento de capitais, tendo de cumprir uma pena única de 10 anos, em cúmulo jurídico. 

Em 1 de abril de 2016, o Tribunal da Relação de Lisboa baixou a condenação de Duarte Lima, de dez anos para seis anos de prisão, em cúmulo jurídico. Em novembro de 2016, foi noticiado que Duarte Lima vai ser julgado em Portugal pelo homicídio de Rosalina. O advogado tentou travar transferência do processo para Portugal, dizendo que um julgamento no Brasil lhe dava mais garantias. O ministério Público lembra que isto só acontece porque Lima fugiu e criou obstáculos a um julgamento naquele país. Em 18 de dezembro de 2018 o Tribunal Constitucional chumbou o último requerimento apresentado por Duarte Lima, esgotando as alternativas ao cumprimento da pena de 6 anos a que foi condenado. 

Em 26 de abril de 2019, entregou-se no estabelecimento prisional de Caxias para cumprir três anos e meio de prisão, tendo sido posteriormente transferido para o estabelecimento prisional da Carregueira, onde se encontra a cumprir o tempo que falta dos seis anos a que foi condenado pelos crimes de burla qualificada e branqueamento de capitais, que terá ainda de ser contabilizado pelo Ministério Público e depois validado pelo Tribunal Central Criminal de Lisboa. Já cumpriu uma parte da pena do processo, dois anos e meio entre prisão preventiva e prisão domiciliária. Em junho de 2019, o Tribunal de Relação de Lisboa anulou acórdão de absolvição de Duarte Lima no caso de burla à herança de Tomé Feteira. Em Outubro de 2019, O Supremo Tribunal brasileiro determinou o trânsito em julgado da decisão de enviar para julgamento em Portugal o processo em que Duarte Lima foi acusado de homicídio da sua cliente Rosalina Ribeiro. Em outubro de 2020, a Procuradoria-Geral da República de Portugal recebeu das autoridades brasileiras o processo de Duarte Lima, em que o ex-deputado é acusado do homicídio de Rosalina Ribeiro, no Rio de Janeiro.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Steinway and Sons

 





Stay Away covid



Multas até 500 € para quem não instalar a aplicação Stay Away covid, a todos? Não, só em certas empresas e certos estabelecimentos como os estabelecimentos de ensino.

- Todo o país passa a estado de calamidade, em vez do atual, e menos grave, estado de contingência;

- Na rua, em espaços comerciais e restaurantes, não poderão estar mais de cinco pessoas juntas;

- A partir daqui (e só vale para os eventos marcados daqui para a frente), casamentos e batizados só poderão contar com 50 convidados;

- Nos estabelecimentos de ensino, ficam proibidas festas e outros eventos que não tenham a ver com as aulas;

- Os valores das multas para estabelecimentos que não cumpram as regras serão aumentados para um teto máximo de dez mil euros;

- A fiscalização será reforçada, tanto para estabelecimentos como para pessoas individuais;

- Será "vivamente recomendado" o uso de máscaras na rua quando se justificar, assim como a instalação da aplicação Stay Away Covid;

- Dará entrada no Parlamento, ainda esta quarta-feira, uma proposta "urgente" para que o uso de máscara passe a ser obrigatório na rua, assim como a instalação da aplicação "em contexto laboral, escolar e académico, nas forças armadas e de segurança e na administração pública". 




quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Mentes artificiais – uma extensão de mentes naturais




Proposições não demonstráveis, que podiam no entanto ser reconhecidas como verdadeiras sem ambiguidades, já o indicara Gödel. No cérebro humano também há operações que não são algorítmicas. A metáfora do cérebro humano como Máquina de Turing, de cablagem fluida, viria a revelar-se, afinal, perfeitamente estéril.

Os filósofos da Antiguidade, como Aristóteles, já se ocupavam a desbravar esta complexidade. Mas houve quem tivesse caído em dualismos do eu e do corpo, como foi o caso de Platão. A razão era, antes de a Antropologia ter chegado no século XIX, em que o corpo era visto como um simples máquina, desde Descartes, como a alma, acoplada ao corpo. Nesse sentido, o corpo era entendido como fazendo parte do domínio da animalidade. O domínio da humanidade era-lhe dado pela razão.  

No dealbar deste século XXI o algoritmo tornou-se triunfante. Silicon Valley estendeu os seus tentáculos por toda a parte. E dessa maneira gerou um desequilíbrio na vida, entre o cálculo e a biologia. Não é possível ter consciência sem ter afetos. O mundo de Silicon Valley é um mundo exclusivamente cognitivo - processos intelectuais, recolha de dados, manipulação de dados e de raciocínio. Não há espaço para aos sentimentos.

É impossível compreender a humanidade sem prestar atenção aos afetos. Mas continua-se a cair no erro de perspetiva. Ainda hoje impera o dualismo, e os dualistas colocam a questão do seguinte modo: “Como poderia levantar o meu braço sem uma vontade distinta do corpo a ordenar que o faça?” São formulações deste género que tem baralhado as ideias ao longo dos tempos. Ora, se virmos o corpo não como apenas um simples objeto, mas como um organismo complexo, já será mais fácil conceber o corpo em si mesmo, a ter propriedades anímicas, não necessitando que lhe seja acrescentada mais uma alma estranha.

Quando guardamos na memória o que nos aconteceu, ou o que vivenciamos no passado, na nossa experiência de vida, é mesmo esse passado que constrói uma identidade pela memória. Sem memória nunca saberíamos quem somos. E esse passado é justamente o tempo em que aconteceu, e que está ligado ao conhecimento que temos de nós próprios. Apesar de estas constatações parecerem uma trivialidade, no entanto as suas implicações são profundas sobre aquilo que constitui a nossa identidade. É todo este conhecimento ligado à memória que completa o ser unitário que somos.

Quem afirma que com os algoritmos faz um simulacro do cérebro humano, e assim vai conseguir criar um robô a fazer as mesmas coisas que um humano, incluído com os sentimentos, continua a insistir na velha ideia de um cérebro numa tina mergulhado em soro fisiológico, e, em vez de estar ligado a um corpo humano, está ligado a um computador que simula o corpo humano. E a tese é que o cérebro é enganado, funcionando da mesma maneira como se estivesse inserido num corpo humano natural.

Ora, os neurocientistas dizem que não é bem assim, porque o simulacro de um corpo humano não é a mesma coisa que um verdadeiro corpo humano inserido no espaço e no tempo dentro de um determinado contexto histórico. A questão do comportamento humano no que diz respeito aos afetos é excluída das experiências dos algoritmos informáticos. E não é possível compreender a consciência sem compreender a relação entre mente e corpo, que abrange mais animais do que apenas o ser humano. A mente existe e atua dentro do corpo. O sentimento é o processo biológico que permite essa relação. É um processo híbrido. O sentimento que temos do estado do nosso corpo. Ascendemos à consciência através do sentimento. Por exemplo, os vírus e as bactérias têm uma competência intelectual, uma competência evolutiva e reprodutiva, uma competência para resolver problemas. Mas não têm sistema nervoso. E é a ligação entre o sistema nervoso e o corpo que nos possibilita o sentimento. E a partir do sentimento ascendemos à consciência. E aqui acontecem coisas muito boas e muito más. A boa é a capacidade de conquistar o mundo e transformá-lo à nossa medida. A coisa muito má é que podemos sofrer com isso.