O presente ensaio não pretende falar do populismo como um fenómeno isolado. Nem reduzir o eleitorado do Chega a meros números estatísticos. O homem comum, no seu papel de eleitorado, votou no Chega como se quisesse arremessar às elites bem pensantes o seu ressentimento por ter sido abandonado. Traçou as razões do seu ressentimento para que as elites refletissem acerca dos seus erros conduzidos por utopias ideológicas cada vez mais distantes da realidade das suas vidas. O populismo apenas se serviu dessa classe ressentida com a traição das elites vistas como se vivessem num mundo privilegiado. Ventura aproveitou-se como um avatar desse corpo social raivoso. 
Uma coisa é científica: não se combate este fenómeno populista com qualquer tipo de censura. Não deixando de ser um grande desafio, tal propósito tem de passar por uma receita que consiga reabsorver, trazer de volta para o chão democrático de Abril as pessoas ressentidas pelo abandono. Não se vence o populismo com censura, arrogância ou pedagogia moral, mas com empatia social, coragem política e reforma institucional. Ou, dito de forma simbólica: o homem comum precisa de voltar a sentir que o Estado o ouve e protege, sem demagogias e muito menos humilhações.
O erro da elite política e mediática tem sido olhar para esse setor da sociedade com relativismo e desprezo, como se se tratassem dos “nossos deploráveis”, que por natureza são reacionários, xenófobos e analfabetos políticos. Isso reforça o ressentimento, porque confirma o sentimento de humilhação. O caminho é o contrário: reconhecer o sofrimento real, a perda de segurança e de estatuto, e criar discursos de pertença sem sobranceria nem moralismos. Em vez de perder tempo com o Chega, deve-se conversar diretamente com essas pessoas, ouvi-las e compreende-las. É devolvendo dignidade que se verga o populismo que promete às pessoas vingança. As pessoas não se interessam por estatísticas que não conseguem explicar os seus problemas reais. E muito menos compreendem o jargão asséptico do politicamente correto. O antídoto para o veneno populista não é o moralismo. É a política como projeto transformador e empático. Portugal precisa de um discurso reformista que una mérito e solidariedade, sem demonizações.
Ou seja, o eleitor do Chega não é conquistado com sermões de uma moralidade utopista, mas com respeito, clareza e propósito. Essas pessoas votam no Ventura porque acreditam nele. Porque compreendem a sua linguagem. As pessoas que se voltam para o Chega acreditam que o sistema é corrupto, cúmplice e impune. Enquanto continuarem escândalos sem consequências, essas pessoas acreditam que os políticos do dito "sistema" vivem num mundo corrupto. E que os fautores desse mundo foram os partidos políticos de esquerda. E os resultados estão à vista. Pois se, em democracia o povo é quem mais ordena, foi o povo que colocou neste momento "as esquerdas" pelas ruas da amargura. E isso faz com que se sintam abandonados, esquecidos. 
O ressentimento que Ventura explora é legítimo na origem, mas falso na direção. Este retrato nu e cru é o retrato de um país que há demasiado tempo deixou de se reconhecer. O seu ressentimento nasce da humilhação de quem se sente invisível perante elites que falam em jargão, vivem numa bolha privilegiada e já não parecem partilhar o mesmo destino coletivo. André Ventura percebeu esse silêncio social e devolveu-lhe voz, ainda que distorcida, com grande gritaria. Transformou essa gritaria num programa político. O problema é que essa gritaria vai ao encontro das angústias dessas pessoas, que se sentem respeitadas por isso. Ora, o que Ventura promete não é algo que se possa oferecer, porque é apenas proclamação vingativa. Que não é mais do que uma catarse fácil que não cura e apenas inflama.
As elites erraram com o seu paternalismo moral. Foi a crença de que bastava educar melhor para que o povo acreditasse. Mas o que o homem comum pede não é pedagogia, é respeito. E só o reencontro entre respeito e esperança pode reconstruir o elo partido entre governantes e governados. Não se vence o populismo pela censura. Muito menos com escárnio à moda de Ricardo Araújo Pereira. Mas pela coragem de compreender o seu apelo. E partir da compreensão direcioná-la para um horizonte de esperança com dignidade. Quando a política voltar a falar com conhecimento de causa, com o conhecimento dessa "alma malvada", ou seja, o que essas pessoas pensam e julgam à margem de números estatísticos. Nada acontecerá de bom enquanto as elites mediáticas não se reconhecerem ao espelho = carne humana feita da mesma massa do macho lusitano.
O país, ao espelho, vê-se cansado, esquecido e humilhado. O país é o homem que trabalhou a vida inteira, pagou os seus impostos, criou os filhos com esforço, e hoje, sente que o Estado o deixou sozinho. Durante demasiado tempo, as elites políticas e mediáticas olharam para ele de cima. Ora, quando o respeito desaparece, aparece o ressentimento. André Ventura soube explorar esse vazio. Deu voz à revolta, mas transformou essa voz em gritos, em obscenidades. Mas é errado tentar calá-lo. O país já não acredita na justiça institucional que deixou de dar o exemplo. O mundo mudou depressa demais e sente que ficou para trás. Falta coragem política. Coragem para reformar um Estado que se cristalizou numa elite instalada nos seus interesses corporativos e sindicais, indiferentes aos "abandonados" que deixaram de ver reconhecido o mérito no fruto do seu trabalho. A verdadeira cobardia tem estado naqueles que se mediocrizaram nas utopias hostis à realidade do homem comum.
Durante décadas, acreditou-se que o progresso material do betão, das autoestradas, bastava. Que bastaria pôr as estradas no mapa para que a alma do país se encontrasse. Mas a alma não se constrói com betão. O homem comum ficou no caminho, vendo o poder transformar-se em técnica, e a política em soberba. É desse silêncio longo que nasce o ressentimento. André Ventura apenas o recolheu. E deu-lhe uma chama, que não aquece, mas queima. É o fogo breve da vingança, que ilumina apenas por um instante. As elites, confortadas com arrogância nas certezas ideológicas, olharam para esse incêndio com desdém. Não entenderam que o populismo é o eco do vazio que elas próprias criaram. E o vazio, quando não é preenchido com sentido de vida, dá lugar ao medo. O homem comum não pede muito: apenas que o vejam. Que a justiça não se dobre aos poderosos, que o trabalho com mérito seja valorizado com respeito. Que as elites não falem como se fossem só Lisboa, mas com sentido de pertença a um chão, que não seja só comum na retórica das palavras, chamado Portugal.
Nos últimos anos, Portugal tem assistido a um fenómeno singular: a emergência de vozes que, vindo da periferia social e simbólica, conseguem traduzir o ressentimento acumulado de amplas camadas da população. André Ventura e o Chega não inventaram este descontentamento, mas souberam dar-lhe visibilidade e barulho, ainda que de modo áspero e incendiário.
As elites erraram com o seu paternalismo moral. Foi a crença de que bastava educar melhor para que o povo acreditasse. Mas o que o homem comum pede não é pedagogia, é respeito. E só o reencontro entre respeito e esperança pode reconstruir o elo partido entre governantes e governados. Não se vence o populismo pela censura. Muito menos com escárnio à moda de Ricardo Araújo Pereira. Mas pela coragem de compreender o seu apelo. E partir da compreensão direcioná-la para um horizonte de esperança com dignidade. Quando a política voltar a falar com conhecimento de causa, com o conhecimento dessa "alma malvada", ou seja, o que essas pessoas pensam e julgam à margem de números estatísticos. Nada acontecerá de bom enquanto as elites mediáticas não se reconhecerem ao espelho = carne humana feita da mesma massa do macho lusitano.
O país, ao espelho, vê-se cansado, esquecido e humilhado. O país é o homem que trabalhou a vida inteira, pagou os seus impostos, criou os filhos com esforço, e hoje, sente que o Estado o deixou sozinho. Durante demasiado tempo, as elites políticas e mediáticas olharam para ele de cima. Ora, quando o respeito desaparece, aparece o ressentimento. André Ventura soube explorar esse vazio. Deu voz à revolta, mas transformou essa voz em gritos, em obscenidades. Mas é errado tentar calá-lo. O país já não acredita na justiça institucional que deixou de dar o exemplo. O mundo mudou depressa demais e sente que ficou para trás. Falta coragem política. Coragem para reformar um Estado que se cristalizou numa elite instalada nos seus interesses corporativos e sindicais, indiferentes aos "abandonados" que deixaram de ver reconhecido o mérito no fruto do seu trabalho. A verdadeira cobardia tem estado naqueles que se mediocrizaram nas utopias hostis à realidade do homem comum.
Durante décadas, acreditou-se que o progresso material do betão, das autoestradas, bastava. Que bastaria pôr as estradas no mapa para que a alma do país se encontrasse. Mas a alma não se constrói com betão. O homem comum ficou no caminho, vendo o poder transformar-se em técnica, e a política em soberba. É desse silêncio longo que nasce o ressentimento. André Ventura apenas o recolheu. E deu-lhe uma chama, que não aquece, mas queima. É o fogo breve da vingança, que ilumina apenas por um instante. As elites, confortadas com arrogância nas certezas ideológicas, olharam para esse incêndio com desdém. Não entenderam que o populismo é o eco do vazio que elas próprias criaram. E o vazio, quando não é preenchido com sentido de vida, dá lugar ao medo. O homem comum não pede muito: apenas que o vejam. Que a justiça não se dobre aos poderosos, que o trabalho com mérito seja valorizado com respeito. Que as elites não falem como se fossem só Lisboa, mas com sentido de pertença a um chão, que não seja só comum na retórica das palavras, chamado Portugal.
Nos últimos anos, Portugal tem assistido a um fenómeno singular: a emergência de vozes que, vindo da periferia social e simbólica, conseguem traduzir o ressentimento acumulado de amplas camadas da população. André Ventura e o Chega não inventaram este descontentamento, mas souberam dar-lhe visibilidade e barulho, ainda que de modo áspero e incendiário.
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