sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

O negacionismo do desastre é muito antigo


As sociedades raramente reconhecem que há um dia em que a sua civilização chegará ao fim. Mesmo quando já estão a ter sinais evidentes de que esse dia está a chegar. Isto é uma constante antropológica. O cérebro humano foi moldado para negar ameaças difusas, lentas ou incómodas, porque lida melhor com perigos imediatos (um predador, um inimigo, uma fome súbita) do que com ameaças cumulativas. É a tal fuga psicológica: se o perigo do aquecimento do planeta é enorme, mas não é imediato, cada um finge que não é para o seu tempo, incorporando aquela velha ideia sintetizada pela frase: "A longo prazo estaremos todos mortos".

A queda do Império Romano é o mantra. Agostinho de Hipona viveu precisamente no momento em que Roma começava a desmoronar-se. E o que vemos nos textos e no contexto histórico é muito semelhante ao que estamos a viver agora. As elites romanas negavam os sinais do colapso: 
Declínio demográfico; incapacidade de manter o exército; corrupção endémica; perda de território; economia fragilizada; migrações maciças a flanquear as fronteiras do império a Norte. Mesmo assim, mantinha-se a ilusão da eternidade de Roma. Agostinho não disse literalmente “o Império está a cair”, porque isso seria politicamente perigoso. Mas A Cidade de Deus está repleta de metáforas que mostram que ele via o fim de uma ordem, a chegada de uma outra, e a profunda resistência dos contemporâneos a aceitar essa transição. Tal como hoje, muitos preferiam não ver a realidade desconfortável. As alterações climáticas seguem o mesmo padrão de negação coletiva. Mas os negacionistas acreditam que a tecnologia vai resolver tudo. Quando a realidade é incómoda, quando mexe com identidades, quando implica mudar hábitos, ou quando ameaça o “imaginário de estabilidade” surge imediatamente uma camada de negação cultural.
O humano civilizado, no fundo, teme admitir que está vulnerável, está a mudar, ou está a aproximar-se de um ponto de viragem. As sociedades colapsam por se recusarem a interpretar os sinais. De acordo com a AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo), o ano de 2024 fechou os números para as migrações com milhão e meio de estrangeiros residentes em Portugal. Esse número representava o quádruplo em relação a 2017, quando havia pouco mais de quatrocentos mil. Mas um outro problema tem a ver com a distribuição geográfica dos imigrantes, que estão muito concentrados na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Portanto, os negacionistas que dizem “a imigração não é um problema” estão a ignorar dados muito concretos.

Por que é que algumas pessoas continuam a negar que a imigração seja um “problema”? Do ponto de vista sociológico e político, há várias razões. Muitos argumentam que os imigrantes trazem mão-de-obra, pagam contribuições para a Segurança Social e ajudam a compensar o declínio demográfico. De fato, a imigração pode ser economicamente benéfica. Mas isso não elimina os desafios de integração, habitação, pressão nos serviços públicos. Há pessoas (e partidos) que veem a imigração como algo positivo e moralmente desejável, e que rejeitam a ideia de “controlo rígido” por razões humanitárias ou cosmopolitas. Para esses, criticar a imigração em massa é xenofobia. E isso dificulta um debate mais realista. Alguns políticos evitam discutir o impacto real da imigração para não dar força a partidos de extrema-direita. Mas isso pode levar a subestimação dos problemas reais. Daí o receio de falar nos números reais para não fomentar o ódio.

Sem políticas claras, o aumento acelerado de população estrangeira gera tensões sociais, segregação, ou desigualdades no acesso a oportunidades. E negar a magnitude da imigração torna difícil fazer um planeamento público eficaz (orçamentos, habitação, educação, emprego). O fenómeno não é simples, mas os dados são claros: a imigração em Portugal cresceu muito. É legítimo querer que esse crescimento seja discutido de forma aberta, responsável e séria, não apenas politicamente, mas também sociologicamente.

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