terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Marshall David Sahlins - do neoevolucionismo ao determinismo cultural





Marshall David Sahlins [1930-2021], antropólogo dos Estados Unidos na Universidade de Chicago, foi um grande defensor de que cada cultura, paralelamente à biologia, era moldada pelas peculiaridades geográficas e temporais do local onde nascia. Marshall Sahlins publicou em 1960 a obra Evolution and Culture. A corrente teórica, criada por Julian Steward e Leslie White a partir das teorias de Morgan, tinha como dois grandes centros intelectuais as universidades de Michigan e Columbia e se opunha ao culturalismo de Boas e seus discípulos. Leslie White defendia que a evolução das sociedades era unilinear e dava particular atenção à evolução tecnológica das matrizes energéticas utilizadas pelos homens; Steward era cético quanto à possibilidade de se achar causas únicas e defendia uma teoria multilinear onde enfatizava, além da tecnologia, fatores económicos, políticos, ideológicos e religiosos.

As sociedades tribais das ilhas do Pacífico foram um laboratório para os estudos de Sahlins. O nível de desenvolvimento político variava desde as pequenas sociedades baseadas no parentesco da Melanésia até aos Estados tribais de Taiti, Tonga e Havai. A visão de Sahlins, como os evolucionistas da última geração, como, era que “Em todo o mundo, embora não na mesma época, as sociedades passaram por estágios semelhantes de desenvolvimento político em consequência do progresso tecnológico e do acúmulo de recursos nas mãos de poucos.”. Já na época de Darwin era desacreditada a aplicação dos princípios da economia clássica (Marx aí incluído) na compreensão das sociedades primitivas. Num primeiro estágio, o da “economia doméstica de produção”, as trocas eram regidas predominantemente pelos laços de parentesco e havia pouca exploração; eram também consideradas “sociedades da abundância original”. Com o passar do tempo os tributos cobrados pelos chefes, empregados como instrumento de barganha, ganhavam mais importância, até que se configurasse uma “economia de comando”.

No final da década de 1960, Lévi-Strauss, o antropólogo mais notável dessa década, subitamente abandona essa corrente e adere a um tipo de determinismo cultural. Ele atacou com o culturalismo a sociobiologia, uma mutação radical da teoria darwinista. Ora, defensor do que viria a ser designado por “estruturalismo antropológico”, foi uma das principais influências sobre as conceções que Sahlins viria a abraçar.

A crítica ao marxismo empreendida por Sahlins começava pela observação de que nas culturas tribais – economia, política, ritual e ideologia não aparecem como ‘sistemas distintos’. A cultura, a ordem simbólica, dominava em todos os lugares. Do mesmo modo que nas sociedades tribais o foco simbólico envolve relações de parentesco, na sociedade ocidental, espacialmente no caso norte-americano, ele é posto nos objetos manufaturados. A singularidade da sociedade ocidental não está no facto de o sistema económico fugir à ordem simbólica, mas nas consequências estruturais por essa opção. O dinheiro veio sobrepor-se ao parentesco. Portanto, nem o utilitarismo, nem o marxismo, como expressões da consciência em sociedades burguesas, se aplicam aos primitivos.

Como o evolucionismo havia sido abandonado por Sahlins, persistia a dúvida sobre como se deu a organização dos Estados. O estudo das etnografias sugeriu a possibilidade de esse desenvolvimento estar relacionado com a mitologia. As pessoas estabelecem novos eventos em tramas já estabelecidas na mitologia. Os mitos sobre a origem reapareciam ligeiramente transformados como épicos históricos e, depois, como notícias do dia. Os mitos fornecem um conhecimento com amplas aplicações práticas, pois são um tipo de arquétipo para situações análogas e, por isso, um guia para ações futuras. Deste modo os vivos podem se comportar como heróis míticos. Um entrelaçamento genealógico com os heróis míticos facilita ainda mais essa identificação. A essa recriação dos mitos em situações contemporâneas Sahlins denominou “mitopráxis”. Como, do ponto de vista do nativo, todo o evento era um exemplo concreto de uma estrutura idealizada, a oposição entre estrutura e evento foi neutralizada.

No exemplo da visita do capitão James Cook ao Havai, o conceito de 'mitopráxis' foi aplicado por Sahlins com bastante eficácia. Fazia muito sentido a identificação do capitão inglês com o deus Lono, pois grande parte das atribuições deste foi desempenhada por aquele, ainda que sem querer. Mas as quebras de tabu resultantes da visita pioneira dos ingleses, como a aceitação da companhia das mulheres durante as refeições, e a desilusão quanto à condição divina supostamente atribuída aos marinheiros, com exceção do capitão Cook, desencadearam grandes transformações na estrutura social havaiana, que culminaram com a revolução de 1819, protagonizada pelo rei nativo e seus mais próximos. Porém, houve forte controvérsia a respeito da plausibilidade da apoteose de Cook.


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