segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Oxigénio. Mitocôndria. Célula eucariota. Proteínas






No Universo não há escassez de auto-organização, que vai da simetria assombrosa dos flocos de neve aos anéis graciosos de Saturno. Esse impulso natural para a organização é a imagem de marca do universo, que só precisa de 4 elementos (carbono, hidrogénio, oxigénio e azoto) para fazer um ser humano. Certo, e menores quantidades de enxofre, fósforo, cálcio e ferro. Por 2 mil milhões de anos, organismos bacterianos constituíam as únicas formas de vida. Eles viviam, reproduziam-se, pululavam, mas não mostravam nenhuma inclinação particular por progredir para outro nível de existência mais desafiador. Em algum momento cianobactérias, ou algas azul-esverdeadas, aprenderam a explorar um recurso amplamente disponível: o hidrogénio que existe em abundância na água. Elas absorviam moléculas de água, alimentavam-se do hidrogénio e liberavam o oxigénio como desperdício, inventando assim a fotossíntese. Com a proliferação das cianobactérias, elas começaram a encher o ar de oxigénio, para consternação dos organismos que o achavam venenoso – que naquela época eram todos. Em um mundo anaeróbico (não utilizador de oxigénio), o oxigénio é extremamente venenoso. Nossos glóbulos brancos na verdade empregam oxigénio para matar bactérias invasoras. É o que torna a manteiga rançosa e faz o ferro enferrujar. Mesmo nós só o toleramos até certo ponto. O nível de oxigénio em nossas células é de apenas um décimo do nível encontrado na atmosfera. As cianobactérias foram um sucesso absoluto.

Uma das maiores surpresas das ciências da Terra foi a descoberta de quão cedo na história do planeta a vida (bactérias) surgiu há 3 mil e 850 milhões de anos. A superfície da Terra só se tornou sólida há cerca de 3 mil e 900 milhões de anos. O que quer que tenha impelido o início da vida, aquilo aconteceu uma só vez. Esse é o facto mais extraordinário da biologia, talvez mais extraordinário que conhecemos. Tudo o que já viveu, planta ou animal, tem sua origem na mesma convulsão primordial. Em certo ponto em um passado inimaginavelmente distante, uma pequena bolsa de substâncias químicas nervosamente adquiriu vida. Ela absorveu alguns nutrientes, pulsou com suavidade, teve uma existência breve. Apenas isso já poderia ter acontecido antes, talvez muitas vezes. Mas esse pacote ancestral fez algo adicional e extraordinário: partiu-se e produziu um descendente. Um feixe minúsculo de material genético passou de uma entidade viva para outra e nunca mais parou.




As mitocôndrias manipulam o oxigénio de forma a libertar a energia dos alimentos. Elas mantêm o seu próprio ADN, ARN e ribossomas. Reproduzem-se em um período diferente do das células hospedeiras. Parecem bactérias, dividem-se como bactérias e, às vezes, reagem aos antibióticos como as bactérias. Em suma, mantêm a sua independência. Elas nem sequer falam a mesma linguagem genética da célula em que vivem. O novo tipo de célula com núcleo, designada por ‘eucariota’, foi um aperfeiçoamento da célula primitiva sem núcleo, chamada procariota. A célula eucariota é um tipo de célula dotada de um núcleo e de outros corpúsculos coletivamente chamados de organelos (da palavra grega que significa “pequenas ferramentas”). Acredita-se que o processo tenha começado quando alguma bactéria descuidada ou aventureira invadiu outra bactéria ou foi capturada por ela, e isso se revelou favorável para ambas. A bactéria cativa tornou-se, ao que se acredita, uma mitocôndria. Essa invasão mitocôndrica, ou evento endossimbiótico, possibilitou a vida complexa. Nas plantas, uma invasão semelhante produziu cloroplastos, que permitem a fotossíntese.

Os protistas, eucariotas unicelulares antigamente designados por protozoários, em comparação com as bactérias que existiram antes, já são maravilhas de estrutura e sofisticação. A simples amiba, como uma única célula e sem nenhuma ambição além de existir, possui 400 milhões de unidades de informação genética em seu ADN. Os eucariotas levaram cerca de mil milhões de anos para adquirir um truque que foi aprender a juntar-se em seres multicelulares complexos. Graças a essa inovação, entidades grandes, complicadas e visíveis como nós se tornaram possíveis.

Criar aminoácidos é realmente fácil, o problema são as proteínas, e há centenas delas no corpo humano. Para produzir o colagénio, é preciso dispor de 1055 aminoácidos exatamente na sequência certa. A natureza produz proteínas espontaneamente, mas para os cientistas é extremamente difícil. São conhecidos 22 aminoácidos que ocorrem naturalmente na Terra, e outros podem vir a ser descobertos, mas apenas vinte deles são necessários para produzir a maioria dos animais, incluindo os humanos. O vigésimo segundo, denominado pirrolisina, foi descoberto em 2002 por pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio e encontra-se em um único tipo de arqueobactéria (uma forma de vida básica chamada Methanosarcina barkeri.




As proteínas, em suma, são entidades complexas. A hemoglobina possui apenas 146 aminoácidos, um número insignificante pelos padrões das proteínas, mas mesmo ela oferece 10190 combinações possíveis de aminoácidos, razão pela qual o químico Max Perutz, da Universidade de Cambridge, levou 23 anos para desvendá-la. Eventos aleatórios produzirem ainda que uma só proteína pareceria uma improbabilidade estonteante. No entanto, estamos falando de centenas de milhares de tipos de proteínas, talvez 1 milhão, cada uma com a sua singularidade e cada uma, ao que sabemos, vital. Uma proteína, para ter utilidade, além de reunir aminoácidos na sequência certa, precisa depois de se enrolar e dobrar para adquirir uma estrutura tridimensional. As proteínas para se produzirem precisam de ADN, capaz de se autocopiar em segundos, mas que não consegue fazer praticamente mais nada. Assim, temos uma situação paradoxal. As proteínas não podem existir sem ADN, que não tem nenhum propósito para além das proteínas, mas que também precisa delas. Devemos supor então que ambos surgiram simultaneamente com o propósito de se apoiarem mutuamente.

As proteínas não se formaram de uma só vez. Deve ter havido algum tipo de processo de seleção cumulativo que permitiu aos aminoácidos se agruparem em blocos. Talvez dois ou três aminoácidos se tenham juntado para algum propósito simples e depois, após um tempo, tenham topado com algum outro pequeno agregado semelhante e, com isso, “descoberto” algum aperfeiçoamento adicional. As reações químicas do tipo associado à vida são, na verdade, bem comuns. Pilhas de moléculas na natureza se reúnem para formar cadeias longas chamadas polímeros. Açúcares constantemente se juntam para formar amidos. Os cristais conseguem fazer várias coisas típicas da vida: replicar-se, reagir a estímulos ambientais, assumir um padrão complexo. Claro que eles nunca atingiram a própria vida, porém demonstram repetidamente que a complexidade é um evento natural, espontâneo e totalmente comum. As proteínas e os outros componentes da vida não poderiam prosperar sem algum tipo de membrana para contê-los. Somente quando se reúnem na proteção de uma célula é que esses materiais diversos podem fazer parte da dança surpreendente a que chamamos de vida. Sem a célula, não passam de substâncias químicas interessantes. Mas sem as substâncias químicas, a célula não tem utilidade.

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