segunda-feira, 10 de abril de 2023

O quebra cabeças de datar os textos da Bíblia



Com exceção dos extensos manuscritos e fragmentos encontrados entre os Pergaminhos do Mar Morto, nenhum manuscrito físico da Bíblia Hebraica de antes do século II a.C. está conservado. E o fragmento mais antigo do Novo Testamento, um pedaço do Evangelho de João - Papiro P52 da Biblioteca de Rylands - está datado da primeira metade do século II d.C. Assim como outros importantes manuscritos antigos foram escritos depois do Novo Testamento. Por essa razão, a datação de textos mais antigos não pode ser feita por datação direta dos manuscritos físicos, mas por exegese textual e filológica da Língua e da História. Em regra, os livros tal como os conhecemos sofreram um processo evolutivo ao longo de séculos, ao ponto de terem circulado ao mesmo tempo várias versões de um manuscrito inicial. 
Portanto, é um quebra cabeças procurar datas sólidas para a maioria dos textos bíblicos.

Os livros mais antigos que chegaram à sua forma canónica são os livros dos profetas: Oseias, Amós, Miqueias, Naum, Obadias e Habacuque, cujas evidências linguísticas apontam que tenham sido compostos em período anterior ao Cativeiro da Babilónia. Uma corrente tradicional de estudiosos (os "Maximalistas Bíblicos") datam várias porções do Pentateuco (geralmente, o autor J) do período da Monarquia Unificada do século X a.C. O Deuteronomio seria do tempo do Rei Josias. E a forma final da Torá remontará ao tempo do exílio e pós-exílio (século VI a.C.). Essa visão é baseada no conto do achado do "livro da lei" em II Reis 22:8, que corresponderia ao núcleo do Deuteronomio, e as partes restantes da Torá teriam sido compostas para alimentar um pano de fundo, de contos tradicionais ao texto redescoberto.

A faixa de datas que se considera para a Torá (Pentateuco) é um tanto ampla, mas a tendência atual estima que seus elementos mais antigos estejam na faixa entre os séculos X e VI a.C. A maior parte da Torá foi completada provavelmente em torno do fim do Cativeiro de Babilónia (537 a.C.) e o texto chegou à sua forma fixa Massorética por volta do século IV a.C. O texto deve ter ficado fixado por volta do século I a.C., altura em que a Septuaginta ficou concluída.

Uns, como os chamados "Minimalistas Bíblicos", insistem que a Torá por inteiro mostra evidências de sua construção composta após 583 a.C. Esses autores apontam que até mesmo no período de Esdras, Neemias e do Cronista havia divergências quanto às celebrações das festas e o casamento com estrangeiros, o que indica que ainda não havia um texto da Torá consolidado. Outros, tendem a sugerir que uma porção substancial do Pentateuco seja uma obra do século VII a.C., projetado para promover as ambições dinásticas do Rei Josias de Judá. O Livro dos Reis, do século VI a.C., conta a redescoberta de um antigo livro pelo Rei Josias, que seria a parte mais antiga da Torá, em torno do qual os escribas de Josias teriam fabricado o texto restante.

Sob o comando de Josias, haveria então pela primeira vez um estado de Judá unificado, centralizado em torno da adoração de Javé com sede no Templo de Jerusalém, com textos retratando o Rei Josias como sucessor legítimo do lendário Rei David e então o governante de Judá por direito. De acordo com esta interpretação, países vizinhos que mantinham muitos registros escritos, como o Egito e a Pérsia, não têm quaisquer escritos sobre as histórias da Bíblia ou seus personagens principais antes de 650 a.C. E o registro arqueológico de Israel antes de Josias não suporta a existência de um estado unificado no tempo de David. 

John Collins acha impossível que as partes de Daniel sobre os "contos da corte" tenham sido escritas no século II a.C. por causa da análise textual. No seu Anchor Bible Dictionary (1992), no verbete sobre o Livro de Daniel, ele afirma que "está claro que os contos da corte nos capítulos 1 a 6 não foram escritos nos 'tempos macabeus'. Nem mesmo é possível isolar um único verso que evidencie uma inserção editorial daquele período". 
De acordo com a tradição, a Torá foi traduzida para o grego no século III a.C., constituindo o que hoje é designado por SeptuagintaO texto em Hebraico ou o Texto Massorético da Torá tem-se por tradição que foi fixada no século IV d.C., mas os manuscritos mais antigos existentes que sejam completos ou quase completos são o Códice Aleppo, de cerca do ano 920, e o Códice de Leningrado, datado do ano 1008. Manuscritos adicionais incluem o Pentateuco Samaritano e a Peshitta, essa última uma tradução da Bíblia Cristã em Siríaco, a cópia conhecida mais antiga datando do século II.

Quanto aos Evangelhos sinópticos, a hipótese das duas fontes é uma teoria que se baseia no Evangelho de Marcos ser o mais antigo. Mateus e Lucas acreditam-se que vieram mais tarde e também numa fonte que agora se acreditava perdida, chamada Fonte Q, ou apenas "Q". Alguns, mas não muitos, académicos conservadores rejeitam a hipótese das duas fontes. 
As visões atualmente em voga assumem que a parte principal dos textos do Novo Testamento datem entre os anos 50 e 110, sendo as Epístolas de São Paulo os textos mais antigos.

A Biblioteca de Nag Hammadi, uma coleção de livros encontrados em 1945, que alguns se referem como "Escrituras Gnósticas" (que incluem o Evangelho de Tomé), não foram aceites como canónicos por Jerónimo no século IV d.C.. Elas foram escritas na língua Copta, e são geralmente datados entre os séculos III e V d.C., embora o Evangelho de Tomé tenha iniciado algum debate, e estudiosos argumentam que ele date do ano 50 d.C. 

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