quarta-feira, 3 de maio de 2023

O toque humano em tempo de Inteligência Artificial



Quanto mais digital e tecnológico o mundo se torna, maior é a necessidade de sentirmos o toque humano. Para uns basta apenas ser através de relacionamentos íntimos. Para outros, são mais importantes as conexões sociais através de banhos de multidões, sejam eles em manifestações de rua, sejam dentro de estádios desportivos à pinha. Há crescentes preocupações com esta espécie de apocalipse tecnológico que se está a traduzir não apenas na desregulação climática, mas também na imaterialidade de uma mente virtual descarnada, sem corpo humano. A tecnologia está a afetar negativamente as nossas habilidades corporais. Uma delas está na incapacidade progressiva de empatia humana. E mesmo a empatia pelos animais de companhia será mais uma perversão do ego. Um estudo, que remonta já a 2010, realizado por uma equipa de pesquisadores da Universidade de Michigan, descobriu um declínio de 40% da empatia entre estudantes universitários comparados com um grupo semelhante de há 30 anos.

Um dos nossos bens mais preciosos é a conversa. É estarmos reunidos a conversar à volta de uma mesa, ou à volta de um braseiro enquanto o sargo assa sem a barreira ou interposição de um qualquer meio tecnológico. Este lastimável estado de coisas havia começado em meados do século XX com a televisão. Hoje é a internet e as famigeradas redes sociais virtuais ou cibernéticas. Quanto mais tempo passamos imersos nas redes digitais, mais superficiais se tornam as nossas capacidades cognitivas. E isso deve-se ao facto de deixamos de controlar o nosso corpo. Logo, a nossa atenção.

Não há dúvida de que o estrondoso sucesso alcançado pelas diversas manifestações da cultura mediática se deve à sua capacidade de oferecer um universo de lazer, de esquecimento, de sonho. Inúmeros estudos empíricos puderam assim, sem grande risco, sublinhar que o que está a acontecer é a evasão. Esta cultura mediática massificada é perversamente destinada a satisfazer necessidades evasivos do momento efémero. O problema está nos seus efeitos a mais longo prazo. Para além das evidentes implicações psicológicas, a cultura massificada destruiu o sentido do juízo crítico. Ora isso teve como propósito a reorientação de atitudes individuais e coletivas para satisfazer a ganância gerada pelo sistema capitalista. Estamos num tempo em que uma minoria de atores do sistema económico/financeiro, que capturou a elite política, difunde padrões de vida incompatíveis com a vida. É incompreensível como a atração por este tipo de cultura nos afundou neste marasmo civilizacional.

Doravante é a informação que produz os efeitos culturais e psicológicos mais significativos; ela substituiu globalmente as obras de ficção no avanço da socialização democrática individualista. As revistas de informação, os debates e pesquisas têm mais repercussão sobre as consciências do que todos os sucessos do ensino da escola pública. Em muitos domínios, os média conseguiram substituir a escola, a família, os partidos, os sindicatos, bem como instâncias de socialização ancestrais como as religiões. É cada vez mais através dos meios de comunicação que somos informados sobre o curso do mundo. A socialização dos seres - que antigamente se fazia por intermédio da tradição, da religião, da moral - cedeu terreno à ação da informação mediatizada pela ditadura da imagem em detrimento da palavra. Saímos definitivamente do que Nietzsche chamava “a moralidade dos costumes”. A instrução disciplinar foi substituída por um tipo de socialização completamente inédito: o prazer da imagem.

A informação tem a particularidade de individualizar as consciências e disseminar o corpo social por seus inúmeros conteúdos. Por outro lado, trabalha de alguma maneira para homogeneizá-lo pela própria “forma” da linguagem mediática. Sob sua ação os sistemas ideológicos do passado perderam autoridade. A informação é um agente determinante no processo de desafeição dos grandes sistemas de sentido que acompanhou a evolução contemporânea das sociedades democráticas. Sustentada por uma lógica da novidade imediata, que não pode esperar pela ponderação reflexiva, a informação nas atuais sociedades democráticas não cessa de reduzir o impacto das consciências amadurecidas pelo pensamento demorado.

E tudo isto apesar de aparecerem no "prime time", de forma fragmentada e descontínua, transmissões em que intervêm os peritos, os homens de ciência, os diversos especialistas explicando de maneira simples e direta ao público o último estado das questões. É o charme discreto de um simulacro de objetividade documental e científica. Ao ser admitido que é pela diversidade de opinião que se recria uma certa unidade cultural, o debate atual em vez de clarificar, ofusca, como ofusca o excesso de luz apontada por uma lanterna diretamente sobre os nossos olhos. É assim que com este embuste de cientificidade instantânea, como uma novidade, os atuais meios de comunicação "Mega", contribuem para desenvolver uma nova relação dos indivíduos com "o que se passa no mundo".

As inteligências contextuais, inspirada e emocionalmente conduzida, são as características essenciais para lidarmos com a revolução em curso. A epigenética, um campo da biologia que floresceu nos últimos anos, é o processo pelo qual o ambiente modifica a expressão de nossos genes. Indiscutivelmente, isso mostra a importância crítica do sono, da nutrição e dos exercícios em nossas vidas. O exercício regular, por exemplo, tem um impacto positivo sobre como pensamos e nos sentimos. Ele afeta diretamente o nosso desempenho no trabalho e, por fim, nossa capacidade de obter sucesso. Então algumas pessoas tentam aprender novas maneiras para manter o corpo físico em harmonia com a mente. Incríveis progressos em inúmeras áreas, incluindo as ciências médicas, os dispositivos e as tecnologias implantáveis e as pesquisas sobre o cérebro. Complexos desafios que enfrentamos. Isso será cada vez mais importante para que possamos navegar e aproveitar as oportunidades da quarta revolução industrial.

Saber o que é necessário para prosperar é uma coisa; agir é outra. Para onde tudo isso está nos levando? Como podemos estar bem preparados? Voltaire, o filósofo francês e escritor do Iluminismo, uma vez disse: “A dúvida é uma condição desconfortável, mas a certeza é ridícula”. Com efeito, seria ingenuidade afirmar que sabemos exatamente para onde a ciência nos levará. Mas seria igualmente ingénuo ficar paralisado por medo e pela incerteza do que poderá acontecer. Claramente, o futuro é tão assustador como as oportunidades são desafiantes. Devemos mudar a maneira compartimentada na tomada de decisões, particularmente porque os desafios que enfrentamos estão cada vez mais interligados. Somente uma abordagem inclusiva poderá engendrar a compreensão necessária para abordar as muitas questões levantadas pela Inteligência Artificial. Isso exigirá estruturas colaborativas e flexíveis, que reflitam a integração dos vários ecossistemas e que levem em conta todas as partes interessadas, reunindo o público e o privado, bem como as mentes de todas as origens mais informadas.

Embora não saibamos a forma, sabemos as características cruciais que devia conter, por exemplo, os princípios éticos que os nossos futuros sistemas devem encarnar. Os mercados são fatores eficazes de criação de riqueza, mas precisamos assegurar que os valores e a ética sejam o centro de nossos comportamentos individuais e coletivos, bem como dos sistemas que alimentam. Essas narrativas devem também evoluir progressivamente para perspectivas mais amplas, desde a tolerância e o respeito. Elas devem também ser inclusivas, guiadas por valores compartilhados que incentivem isso.

Com base na consciência obtida pelas narrativas compartilhadas, devemos iniciar a reestruturação dos nossos sistemas económicos, sociais e políticos para tirar o máximo proveito das oportunidades apresentadas. Está claro que os nossos modelos dominantes de criação de riqueza e os atuais sistemas de tomada de decisão foram projetados e evoluíram de modo incremental ao longo das três primeiras revoluções industriais. Esses sistemas, no entanto, já não estão equipados para cumprir as necessidades.

 

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