quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Jus Soli e Jus Sanguinis


          Há duas maneiras de adquirir a nacionalidade originária, que é aquela que se alcança pelo nascimento: jus soli e jus sanguinis. Pelo jus soli, a nacionalidade originária obtém-se pelo nascimento no território do país pretendido. Logo, não importa a nacionalidade dos pais. O jus sanguinis, pelo direito de sangue, dá direito ao indivíduo adquirir a nacionalidade dos pais. É considerado nacional desde que seja inscrito numa Conservatória do Registo Civil antes de atingir a maioridade.
          Estes dois princípios, que regulam a concessão de nacionalidade, raramente funcionam em separado. Mas a prevalência de um ou de outro revela a abertura ou a tendência protecionista de um país. Portugal é considerado o país com a melhor política de cidadania da Europa. Isso não significa que também em Portugal a discussão sobre o direito à cidadania tenha subido à ordem do dia nos últimos tempos.
          Para além da nacionalidade originária, há outra forma de adquirir a cidadania: por naturalização. Por exemplo, um dos pais ser cidadão português à data do seu nascimento por naturalização. Se o requerente for menor de idade, a prova e o trâmite ficam a cargo de quem possua o poder paternal. A lei de nacionalidade, permite que o indivíduo conserve sua nacionalidade estrangeira original, passando a deter dupla nacionalidade. Os requisitos básicos para adquirir a naturalização portuguesa são: a residência por um determinado período de tempo, seis anos consecutivos com possibilidade de se ausentar do país por menos de seis meses. Ou por ligação ao país, por exemplo, através do casamento com pessoa que seja titular da nacionalidade que se pretende.
          Assim são portugueses de origem, os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português; os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado Português; os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses; os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa
do 2.º grau na 
linha/reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses, possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional e, verificados tais requisitos, inscreverem o nascimento no registo civil português; os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento; os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, se declararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos; os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade. Presumem-se nascidos no território português, salvo prova em contrário, os recém-nascidos que aqui tenham sido expostos. A verificação da existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, implica o reconhecimento pelo Governo da relevância de tais laços, nomeadamente pelo conhecimento suficiente da língua portuguesa e pela existência de contactos regulares com o território português, e depende de não condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.
          Só em 1981 é que a lei portuguesa passou a estabelecer como princípio predominante o jus sanguinis, no rescaldo de um processo de descolonização que mudou drasticamente o perfil demográfico do país. Houve também a necessidade de criar proximidade com as crianças da diáspora, descendentes da forte emigração dos anos 60, que de outra forma teriam perdido a conexão cultural com Portugal. O movimento imigratório dos anos 90 e inícios do século XXI, bem como a urgência por naturalizar os chamados imigrantes de segunda e terceira geração que se encontravam num limbo legal, fez com que nova lei em 2006 o jus sanguinis fosse atenuado, dando de novo relevo aos jus soli para facilitar a obtenção da nacionalidade.
          Um novo capítulo está a ser delineado por estes dias, em que não só o Governo está a ultimar a sua proposta de regulamentação às alterações feitas à lei em 2015, como dois partidos de quadrantes opostos apresentaram projetos de novas mudanças, já discutidos no Parlamento e agora à espera de o serem na respetiva comissão. O que determina tais mudanças são em geral os movimentos migratórios e a posição que o país ocupa nesse mapa. Havia uma situação insustentável no nosso país, em especial nas grandes cidades, com bolsas de jovens considerados apátridas de facto. Eram filhos e netos de cidadãos das ex-colónias que tinham a nacionalidade dos pais e não a portuguesa. Ou seja, que não se identificavam com a única nacionalidade a que tinham direito. A lei corrigiu esta anomalia, mas sem nunca deixar de cruzar os dois princípios.
         Tradicionalmente, os partidos mais à esquerda são mais abertos à integração do estrangeiro por via da naturalização e da atribuição da nacionalidade assente no jus soli, porque entendem a cidadania como instrumento de integração. Os partidos mais à direita tendem a ser mais abertos ao reforço das relações com a diáspora nas suas várias gerações. De um ponto de vista ideológico há que reconhecer que, hoje, o jus soli é mais comum nos discursos progressistas e inclusivos, e o jus sanguinis é um princípio mais exclusivo e elitista. Ainda hoje, a maioria dos países americanos adota o jus soli, embora tenha havido crescentes movimentos na direção de limitar certas ações nascidas da imigração ilegal, principalmente nos EUA e Canadá. Alemanha, Hungria, Polônia e Rússia aplicam o jus sanguini mesmo com cidadãos nascidos fora dos territórios nacionais e seus descendentes diretos sem limite de tempo. A cidadania europeia, como complemento da nacionalidade de cada país, existe desde o Tratado de Maastricht, 1992, que instituiu a União Europeia. Instituída a cidadania da União, é cidadão da União Europeia qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro. A cidadania da União é complementar da cidadania nacional e não a substitui. Isto quer dizer que uma pessoa com nacionalidade portuguesa passa a ser automaticamente um cidadão da União Europeia, com todos os direitos, privilégios e os deveres que isto implica.


Sem comentários:

Enviar um comentário