Um governo, onde atuam inúmeros agentes que interagem segundo as leis das redes de informação, é em si um sistema complexo adaptativo. Da fase criativa – o chamado estado expansivo de novidades – passa-se à fase de incerteza. É esse o destino inexorável de qualquer governo – passar do estado de graça para o estado de desgraça. É no limiar da desintegração do sistema, um estado paradoxal simultaneamente estável e instável, de competição e cooperação, que se estabelece uma dialética evolutiva cujo resultado é sempre imprevisível. Nesta fase da evolução do processo dialético, a tendência é mais destrutiva do que criativa. Até se chegar a uma nova fase que dá lugar a um novo estado de receção a um comando centralizado, o processo de transição corre de forma auto-organizada, pelo que deixa de ser sensível a esse controlo centralizado.
O que são transições de fase na Física? Nas ciências físicas, uma transição de fase ocorre quando um sistema passa de um estado para outro (ex.: de sólido para líquido) com alterações qualitativas no comportamento coletivo dos seus constituintes. Exemplos clássicos: Água a ferver → transição de fase líquida para gasosa. Magnetização de materiais → acima de certa temperatura (ponto de Curie), os átomos deixam de estar alinhados. Supercondutividade ou superfluidez, onde surgem propriedades emergentes com quebra espontânea de simetria. Esses comportamentos coletivos são muitas vezes descritos por modelos estatísticos, como o modelo de Ising.
Aplicação à Sociedade: como isso é feito? Os modelos físicos estatísticos começaram a ser usados para simular e compreender fenómenos sociais, como comportamento coletivo, revoltas, modas, bolhas económicas, polarização política, etc. Alguns conceitos chave: Agentes sociais ≈ partículas. Interações entre agentes ≈ forças locais (amizade, ideologia, pressão de grupo). Estados sociais ≈ fases (consenso, polarização, conflito).
Transições abruptas: uma pequena mudança nas condições externas (ex. uma nova lei, um escândalo político) pode provocar uma mudança súbita e drástica no comportamento coletivo. O modelo de Schelling, precursor nesse campo, mostra como segregação urbana pode emergir mesmo que cada agente só tenha uma preferência moderada pela vizinhança. O sistema evolui para uma fase segregada sem ser essa a intenção dos indivíduos.
O Prémio Nobel da Física de 2016 foi atribuído a David Thouless, Duncan Haldane e Michael Kosterlitz. Eles receberam o prémio pelas suas descobertas sobre transições de fase topológicas e fases exóticas da matéria, como: Supercondutores de filmes finos (2D), Isoladores topológicos, Estados quânticos de Hall fracionário. O Nobel de 2016 não foi atribuído pela aplicação à sociologia, mas sim por descobertas fundamentais na física da matéria condensada com técnicas matemáticas que depois inspiraram outras áreas, incluindo sociologia, ciência das redes, economia, e inteligência artificial. Por exemplo: a Primavera Árabe foi analisada como uma transição de fase social. Uma acumulação de tensão até um ponto crítico. Bolhas financeiras são tratadas como transições de fase com flutuações crescentes perto do “ponto crítico".
A grande contribuição dessas ideias está em modelar o coletivo, onde o todo não é a simples soma das partes. Assim como na Física, propriedades emergentes e ruturas súbitas são centrais para entender sociedades complexas. E os modelos físicos ajudam-nos a reconhecer padrões, limiares críticos e risco de colapso sistémico.
A “epistemologia compreensiva” – como conceito específico das ciências sociais e humanas – por princípio está fora do alcance explicativo das chamadas ciências exatas, duras ou da natureza. Não se pode ver o certo e o errado em Ética, ou o verdadeiro e o falso em História, como se veem os astros e as pedras. Era assim que se pensava dantes porque os fenómenos que resultam da ação humana não são a mesma coisa que equações matemáticas. Um robô foi programado pelo seu construtor para detestar o gosto do limão. E de facto, pondo sumo de meio limão na boca do robô, ele cospe tal como faz a maioria dos seres humanos. O seu programador deu-lhe instruções nesse sentido, imitando as reações humanas. Mas não podemos dizer que realmente o robô sente o gosto do limão. O robô não sente como o humano o sabor do limão (a qualidade subjetiva da experiência mental consciente do sabor a limão). Ainda que viesse a ser dotado de unidades eletrónicas análogas às nossas unidades neurofisiológicas, elas teriam de ser de carne e osso. A unidade eletrónica feita de silício não tem as qualidades fenomenais e generativas da nossa carne. Torna-se intuitivamente plausível a ideia de que essas propriedades se limitam a cérebros biológicos, sendo a sua reprodução por outros meios impossível. Só nós, bem como outros seres vivos conscientes como nós, feitos de carne e osso, são capazes de sentir o verdadeiro gosto do limão.
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