segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Será confundir alhos com bugalhos?

É o caso da aplicação das transições de fase da Física à Sociedade, como por exemplo, quando se aplica o modelo epistemológico dos sistemas complexos ao desempenho de um governo. Um governo, onde atuam inúmeros agentes que interagem segundo as leis das redes de informação, é em si um sistema complexo adaptativo. Da fase criativa – o chamado estado expansivo de novidades – passa-se à fase de incerteza. É esse o destino inexorável: do estado de graça para o estado de desgraça. É no limiar da desintegração do sistema, um estado paradoxal simultaneamente estável e instável, de competição e cooperação, que se estabelece uma dialética evolutiva cujo resultado é sempre imprevisível. Nesta fase da evolução do processo dialético, a tendência é mais destrutiva do que criativa. Até se chegar a uma nova fase que dá lugar a um novo estado de receção a um comando centralizado, o processo de transição corre de forma auto-organizada, pelo que deixa de ser sensível a esse controlo centralizado.

Em 2016, o Prémio Nobel da Física foi atribuído a três físicos teóricos britânicos, a trabalhar nos Estados Unidos, pela descoberta de novas fases da matéria aplicadas à sociologia. Segundo consta, a investigação teórica, guiada pela curiosidade, também conduziu a fases estranhas que não tardaram a ser confirmadas em laboratório.

É impressionante como certas pessoas, algumas delas mentes brilhantes na área das ciências exatas, são irracionais nos seus pontos de vista quando se pronunciam sobre temas sociais e políticos. Ora, o que está mal é pensarem que podem aplicar as ferramentas epistemológicas próprias das ciências exatas em assuntos que são das ciências sociais e humanas. Duas categorias epistemológicas que envolvem mundivisões completamente diferentes. O que resulta daqui é: muitos dos aspetos sociais, porque não são apanhados pelo radar, serem ignorados. Daí as explicações descabidas que aparecem serem incompreensíveis. São incompreensíveis não porque as suas mentes sofram de um qualquer défice, mas porque são aplicadas a epistemologias erradas.

Ora a “epistemologia compreensiva” como conceito específico das ciências sociais e humanas, está fora do alcance explicativo das chamadas ciências exatas, duras ou da natureza. Não se pode ver o certo e o errado em Ética, ou o verdadeiro e o falso em História, com os mesmos olhos que veem os astros e as pedras. Porque os fenómenos que resultam da ação humana não cabem em equações matemáticas, e são impenetráveis aos instrumentos usados para perscrutar a matéria.

Um robô foi programado pelo seu construtor para detestar o gosto do limão. E de facto, pondo sumo de meio limão na boca do robô, ele cospe tal como faz a maioria dos seres humanos. O seu programador deu-lhe instruções nesse sentido, imitando as reações humanas. Mas não podemos dizer que realmente o robô sente o gosto do limão. O robô não percebe o “quale” humano do sabor do limão (a qualidade subjetiva da experiência mental consciente sabor a limão). Ainda que viesse a ser dotado de unidades eletrónicas análogas às nossas unidades neurofisiológicas, elas teriam de ser de carne como a nossa. A unidade eletrónica feita de silício não seria capaz de gerar as qualidades fenomenais como as nossas feitas de carne, como é o caso do nosso gosto e paladar. Torna-se intuitivamente plausível a ideia de que essas propriedades se limitam a cérebros biológicos, sendo a sua reprodução por outros meios impossível. Só nós, bem como outros seres vivos conscientes como nós, feitos de carne e osso, somos capazes de sentir o verdadeiro gosto do limão.

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