terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Liberdade para exprimir e escolher

A democracia quando foi inventada foi mais a pensar na possibilidade de evitar o pior dos mundos do que proporcionar o melhor dos mundos. Isto queria dizer que sem o processo de eleições não seria possível apear o governante que se tornou indesejável.

Para isso era preciso outra condição: a liberdade, tanto de expressão como de escolha. Quanto à liberdade de expressão convém não cair no exagero do “politicamente correto”, que restringe a liberdade de toda e qualquer expressão que possa ofender alguém. Isto acaba em ditadura quando se começa a especificar, porque há sempre alguém que se vai sentir ofendido com uma determinada expressão. Em teoria, e sem falar em casos específicos, todos são verbalmente a favor da liberdade de expressão. Mas depois, na prática, quando se incorpora um qualquer estado de espírito “politicamente correto”, acaba-se por se limitar até à exaustão a liberdade de expressão. Se é politicamente incorreto dizer em público certas coisas que alguém possa não gostar de ouvir, então a ‘liberdade de expressão’ não passará de mero palavreado.

Há, contudo, argumentos para uma exceção, o do tratamento especial quando se trata de religião. As pessoas ainda continuam a matar-se umas às outras por causa dela. O que é seguro dizer-se, por exemplo em Filadélfia pode ser dinamite no Punjabi. Durante a maior parte da história humana, as pessoas sentiram uma tensão entre a religião e a liberdade de expressão, e a maioria da humanidade ainda a sente. Por exemplo, a Irlanda reintroduziu em 2009 um delito de libelo blasfemo. E no Paquistão, a Secção 295C do Código Penal diz agora que “Quem por palavras faladas ou escritas, ou por representação visível ou por qualquer imputação, sugestão, ou insinuação, direta ou indiretamente, conspurcar o sagrado nome do profeta Maomé (que a paz esteja com ele) será punido com a morte, ou com a prisão perpétua, e também ficará sujeito a multa”. E além disso vemos crentes fanáticos tomarem a lei nas suas próprias mãos, cujo veto se estende através das fronteiras.

Pelo que acabei de descrever até parece que vivemos no fim dos tempos. Mas não é nada a que não estejamos habituados. Por exemplo, com a queda do Muro, a que se seguiu a desintegração dos regimes comunistas, que ruíram como um castelo de cartas, para muitos foi a concretização de um sonho de uma forma milagrosa, porque ainda poucos meses antes ninguém ousaria prever uma coisa dessas. Porém, não demorou muito tempo o regresso ao poder dos ex-comunistas através de eleições livres e democráticas. A nobre luta pela liberdade e pela justiça não levara a mais do que um prato de lentilhas. O povo queria comer o bolo e ao mesmo tempo ficar com ele. Queriam a liberdade de viver as suas próprias vidas em segurança, mas sem reivindicar o capitalismo. Aquilo a que aspiravam poderia receber o nome de “socialismo de rosto humano”. Na Hungria as manifestações no domingo chegaram ao número mais alto de participação, com 15 mil pessoas, sob um blackout dos media a unirem uma oposição muito fragmentada, da esquerda à direita nacionalista. “É uma massa significativa, no sentido de que parece ser uma oposição comprometida contra o Governo”, disse ao New York Times o analista Peter Kreko, do centro de estudos Political Capital. No domingo, uma parte dos manifestantes foi até à sede da empresa de rádio e televisão estatal, já nos arredores da cidade, gritando: “fábrica de mentiras”. Os media estatais são o símbolo do apoio a Orbán, enquanto os media privados estão nas mãos de aliados do primeiro-ministro. A emissora ignorou a presença dos deputados e a segurança expulsou mesmo dois dos deputados independentes, Akos Hadhazy e Bernadett Szél. As imagens de Hadhazy a ser agarrado por seguranças por mãos e pés e arrastado com brutalidade para fora do edifício, depois de caído no chão (antes tinha sido agredido) foram “uma exibição rara do controlo de Orbán sobre o acesso dos húngaros à informação.

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