quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

O cérebro na identidade de género



Identidade de género refere o género (homem, mulher, não binário) com que alguém se identifica, tendo como base os padrões (roupas, corte de cabelo, etc.) e os comportamentos (papel social) estabelecidos ou formatados pela sociedade em geral dentro de uma cultura alargada. 
Identidade de género não é a mesma coisa que sexo biológico e orientação sexual. O cérebro e os genitais têm funcionamentos distintos na construção da identidade. O sexo é biológico, o género é social. A biologia não está necessariamente ligada com a construção da identidade de uma pessoa como mulher ou homem. Nos estudos desta área também se utiliza o termo transexual para designar a pessoa que se identifica com o género oposto ao seu sexo biológico. Uma pessoa que nasceu com o sexo masculino (nasceu homem) e se tornou mulher é uma mulher trans; uma pessoa que nasceu mulher e se tornou homem é um homem trans.

Ora, um indivíduo transgénero é uma pessoa que não se identifica com o género que lhe foi atribuído à nascença por via dos seus caracteres corporais que determinam o sexo da pessoa evidenciado nos seus órgãos genitais externos (pénis e escroto; vulva e vagina). Convém não confundir este aspeto que remete para a constituição do sentimento individual de identidade, com os diferentes papeis sociais de género que não são determinados biologicamente, mas sim pelas convenções sociais dento de um determinado espetro cultural e histórico.

Assim, um indivíduo transgénero não reconhece que o corpo que tem seja o corpo com o qual se identifique (identificar-se como mulher e ter um corpo de homem; identificar-se como homem e ter um corpo de mulher). É preciso referir que a categoria transgénero nada tem a ver com homossexualidade (orientação sexual com atração por pessoas do mesmo sexo, ou género). Identidade de género e orientação sexual são dimensões diferentes que não se devem confundir. Um indivíduo transgénero pode ter as mesmas variações que as pessoas cisgénero têm em relação à sua orientação sexual (hétero, homo, bissexual). Cisgénero, habitualmente, é o termo empregado para designar as pessoas que não apresentam incongruência entre o sexo de nascimento e o género com o qual se identificam. Já o termo transgénero, genericamente, é utilizado para designar as pessoas que apresentam incongruência entre o sexo de nascimento e o género com o qual se identificam.


Até à data tem sido muito mais fácil mudar a anatomia genital de alguém do que a sua mente. Hoje, a transexualidade já não é vista pela ciência e pela Organização Mundial de Saúde como uma doença. E alguns países têm reconhecido o transexual como um terceiro género. 
O género não é uma opção. A pessoa não escolhe ser uma coisa ou outra. No entanto, importa saber que existem situações genéticas raras que não se podem confundir, como, por exemplo, é o caso da síndrome de Morris, ou síndrome de Insensibilidade Androgénica – condição de intersexualidade produzida por uma alteração genética ligada ao cromossomo X, caracterizada pela incapacidade parcial ou total da célula para responder aos androgénios – hormonas masculinas como a testosterona. Esta falta de resposta da célula prejudica ou impede o desenvolvimento da diferenciação sexual masculina, do pénis no feto, bem como, do desenvolvimento das características sexuais secundárias na puberdade, mas não prejudica o desenvolvimento de características sexuais femininas. Assim, os indivíduos que geneticamente são do sexo masculino XY, por não responderem aos androgénios terão uma composição genética de um homem, mas se desenvolverão com algumas ou todas as características fenotípicas (físicas) de uma mulher. Intersexuais não são hermafroditas. Não são pessoas com genitais masculinos e femininos ao mesmo tempo. Não é assim. O mito, o tabu e a lenda distorcem uma realidade muito mais complexa. Há mais de 40 causas diferentes para sua origem. A OMS estima em 1% a percentagem de pessoas intersexuais no mundo todo.

Tudo começa ainda no útero. Por volta da décima semana de gestação, as células que vêm formando o feto desenvolvem a genitália. Pela vigésima semana, a área do cérebro ligada à identidade de género começa a se formar. Se coincidir com o sexo biológico, nascerá uma pessoa cisgénero, ou seja, que se reconhece no sexo previamente formado. Se houver incongruência, nasce uma pessoa transgénero. Entre os 2 e 3 anos de idade, é a idade em que começam a evidenciar-se os sinais de que há algo que não bate certo. Portanto, as discrepâncias na identidade de género podem ser identificadas logo na infância. E as pesquisas podem ser desencadeadas no sentido de estudar a estrutura do cérebro correlacionada com a disforia de género. E isso é importante para prevenir os traumas psicológicos graves ligados a uma transição de género que tem de se fazer.

Estudos muito recentes na área da neurociência identificaram o lobo da ínsula como a área cerebral correlacionada com a identidade de género, ou seja, com a perceção do próprio corpo. Lobo da ínsula é um lobo profundo, situado no fundo do sulco lateral de cada hemisfério do cérebro. A ínsula tem forma triangular com vértice ínfero-anterior, separada dos lobos vizinhos por sulcos pré-insulares. Possui cinco giros (curtos e longos). Suas principais funções são fazer parte do sistema límbico e coordenar quaisquer emoções, além de ser responsável pelo paladar. Sensações corporais internas e sensações viscerais são mapeadas no sistema nervoso central pela ínsula.

Comparando o lobo da ínsula de cada hemisfério cerebral de homens e mulheres cisgénero, por imagem de ressonância magnética, verificou-se que esse lobo é mais reduzido nas mulheres quando comparado com o dos homens. E o mesmo acontece de forma invertida nas pessoas transgénero: pessoas que se identificam como mulheres com corpo de homem apresentam um lobo da ínsula mais reduzido em ambos os hemisférios cerebrais; e vice-versa, pessoas com corpo de mulher, mas que se identificam como homem apresentam uma ínsula como a dos homens cisgénero.

É importante lembrar que não existe um cérebro tipicamente feminino ou masculino. O que ocorre são ligeiras diferenças estruturais, muito mais subtis do que a diferença dos órgãos genitais, por exemplo. Por outro lado, a variação individual nas estruturas cerebrais é enorme de pessoa para pessoa, independentemente de as pessoas serem homens ou mulheres.

Os pesquisadores ressaltam também que o menor volume de substância cinzenta em uma área do cérebro não significa necessariamente que a mesma exibe um menor número de células nervosas. As diversas regiões de substância cinzenta cerebral apresentam uma massa de sinapses e de terminações nervosas que pode mudar de volume dinamicamente; por exemplo, em algum momento da vida o aumento de densidade de uma região cerebral pode ser o reflexo de mais atividade, acarretando um aumento subtil de volume de substância cinzenta local.

Em conclusão, o cérebro dos indivíduos transgénero, no que diz respeito à diferenciação sexual, não acompanha o sexo do corpo que é determinado geneticamente. O cérebro das pessoas trans, em relação ao género com que se identificam, deve sofrer alguma influência errada no decurso da sua gestação, provavelmente de ordem hormonal ou química. Há especificidades cerebrais nos indivíduos trans. Este dado é importante para combater a ideia de ideologia de género. Não se trata de uma questão de prática ideológica, na medida em que existe uma base estrutural que é detetável. Todavia, deve ter-se a noção de que ainda não se sabe tudo a respeito, e, por conseguinte, seria simplismo a mais darmos o assunto da disforia de género por concluído. Mas já é o grande passo dado quando já se sabe que é um problema biológico de raiz, e não apenas uma moda sociológica. E foi relevante ter-se encontrado 
uma diferença na ínsula de pessoas trans, área onde afinal se estabelece a fisiologia da perceção corporal. De resto a ínsula é uma região com múltiplos elementos e muitas atribuições. O que se pode afirmar é que, sobretudo numa investigação em que foram estudas mulheres trans, foram encontradas variações nesta estrutura que se correlacionam com a característica das mulheres trans. E não foi o tratamento hormonal que se mostrou relacionado ao volume diminuído da ínsula. O que se espera agora é que estes estudos prossigam começando mais precocemente na idade de modo a que a abordagem terapêutica e psicoterapêutica seja mais atempada.

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