segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

O fotógrafo da pós-revelação


A fotografia é o melhor meio que nós humanos encontramos para apreender a própria aparência. A imagem do Ser é a exposição irreparável da pessoa - in persona, e, ao mesmo tempo, o seu permanecer oculto precisamente na abertura da objetiva. Uma fotografia é um lugar da comunidade onde se pode reconhecer. Mas a fotografia não deixa de ser o lugar por excelência do simulacro do mundo fantasmagórico. Não é o lugar da verdade. Isso não significa que a aparência dissimule o que se descobre, fazendo-o aparecer. Aquilo que o personagem é, verdadeiramente, não é nada mais do que essa dissimulação e essa inquietude na aparência. Pois a pessoa não é, e nem tem que ser, uma essência ou substância. Nem tem de ter algum destino específico. A sua condição é a mais vazia e a mais insubstancial entidade do Ser. O que fica oculto pela aparência não é algo que esteja por trás da aparência e tapado por ela. O que fica oculto é o mecanismo do aparecimento. Ou seja, a fotografia não é mais do que a aparência da própria aparência do Ser.



A exposição transforma-se assim num valor, que se acumula através das imagens e dos media. Se aquilo que as pessoas tivessem de comunicar fosse apenas uma coisa, a coisa em si, jamais haveria mundo propriamente dito. Haveria apenas sinais e sintomas de uma pura comunicabilidade. Que dito de outra forma é apenas linguagem.


A primeira máquina fotográfica dele foi uma antiga caixa retangular cuja objetiva abria em fole, e em que a focagem e a luz eram calculadas a olho. Depois de tirada uma fotografia tinha de rodar um botão para puxar o negativo até chegar à próxima exposição marcada por um número que aparecia numa janelinha redonda. Acontece que por vezes se esquecia dessa preparação do rolo fotográfico. Resultava daí que expunha a fotografia anterior à sobreposição da seguinte. E é assim que nessas fotografias surgiam, por vezes, uns fantasmas estranhos. É aquilo a que nos livros antigos de pergaminho se designa por palimpsesto. Só que neste caso era algo que acontecia por acaso, só detectada a posteriori quando de forma inesperada se viam as fotos em papel.


Tudo isto aconteceu há muito tempo, o que também se pode chamar uma dupla exposição da realidade. A surpresa de se tornar visível qualquer coisa diferente do que se está à espera, é que sem querer se pode transformar o acaso numa obra de arte, algo nada a ver com a beleza de qualquer arranjo.

Estas fotos aqui - em "The David King Collection at Tate" – mostram os 'retoques' que se faziam para as fotografias oficiais do regime soviético, onde chegavam a eliminar completamente pessoas que apareciam nas fotos originais. 


Na entrada dos soviéticos em Berlim, que marca o fim da Segunda Guerra Mundial, o fotógrafo Yevgeny Khaldei acrescentou ao seu registo original imagens de oficiais soviéticos hasteando a bandeira vermelha sobre o Reichstag para 'esconder' os soldados que apareciam na foto original saqueando um prédio.

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