segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O que faz as pessoas acreditarem em coisas estranhas?




Esta pergunta, que fez o título de um livro que Michael Shermer publicou em 1997, e chegou a Portugal em 2001, tinha como pano de fundo pseudociência, superstições e outras confusões do nosso tempo como, por exemplo, o negacionismo do Holocausto. Entretanto, o conhecimento na área do cérebro mais a inteligência artificial fizeram o seu caminho, onde particularmente cientistas portugueses têm dado cartas, tanto no campo da inteligência cognitiva como da inteligência emocional ou afetiva. E, no entanto, a realidade da credulidade em coisas estapafúrdias não tem diminuído, pelo contrário, basta analisar o que circula nas redes sociais. A comunidade científica não tem poupado esforços em dedicar o seu tempo a esclarecer os porquês deste fenómeno. Mas, na verdade, ainda não temos explicações sólidas e confiantes. O que se vai sabendo é que as pessoas dos grupos etários acima dos 50 anos de idade vão acreditando em quase tudo que vem à rede, apresentando dificuldade em distinguir o trigo do joio. Mas as pessoas dos grupos etários abaixo dos 50 anos de idade tendem a questionar tudo e um par de botas, acabando por não acreditar em nada, arriscando no que lhes vier à cabeça. De um modo geral, tudo o que vier da ciência, das academias, e das instituições políticas, é mesmo para arrasar.

A aparência torna-se para o homem o único lugar onde pode lutar pela verdade. É o valor facial daquilo que a formulação proposicional significante e comunicacional não consegue alcançar em toda a sua plenitude. Assim, a aparência é a única abertura do real a que temos acesso. O aspeto é o único lugar onde a comunidade se pode conhecer. É por assim dizer o rosto do mundo. A revelação do rosto é a revelação da própria linguagem. Ela não tem, por isso, nenhum conteúdo real, não diz a verdade sobre este ou aquele estado de espírito ou de facto, sobre este ou aquele aspeto do homem ou do mundo: é apenas abertura, apenas comunicabilidade. É como caminhar e direção à luz, uma janela virada para o mundo cuja luz muitas vezes nos ofusca. O homem, ao contrário dos outros animais, consegue apropriar-se da sua própria imagem dando-lhe um nome. E é assim que se separa das outras coisas, transformando o sentido da sua própria aparência numa história narrada.

Para adquirirmos a sabedoria da boa conduta de vida, é ilusório querermos valer-nos apenas da esfera cognitiva e intuitiva, porque há muita coisa na vida que é contraintuitiva, e muito mais contraintuitivo em relação ao que é retirado das equações matemáticas. Muitas vezes o erro está em não se levar em linha de conta o contexto e o circunstancial. Por outro lado, é ilusório pensar que podemos compreender coisas complexas com explicações simples. Muita gente hoje não admite reconhecer que para um leigo em determinada matéria complexa dificilmente o conseguirá compreender com explicações simplificadas. O que levou anos a ser compreendido por um especialista dificilmente poderá ser traduzido em palavras simples.

A quebra da confiança na ciência e nas instituições, a baixa humildade e alta arrogância é um panorama dos tempos atuais que infetou mais aquelas pessoas que passaram a saber mais um bocadinho, por via da ascensão social, do que as pessoas que se mantiveram no limiar de pobreza e com muito baixa literacia. As pessoas mais dependentes das instituições e com parcos conhecimentos e fraca literacia pseudocientífica, tendem a confiar mais nas instituições. Por mais paradoxal que possa parecer, é mais contraproducente, para uma boa conduta de vida, a falsa sensação de se saber alguma coisa, do que se reconhecer que não se sabe nada. O negacionismo em relação às vacinas, por exemplo, e a pulsão para o consumo e circulação da falsa informação, é mais abundante entre a classe média e média alta, do que entre pobres ou remediados.

Por fim, há que dar também uma nota negativa a uma certa arrogância de alguns cientistas quando excedem despropositadamente a sua intolerância em relação a métodos e a tratamentos não cientificamente canónicos, e que fazem parte de outras culturas em outras paragens geográficas, como é o caso dos países do denominado “Oriente”, com conhecimentos que foram consolidados pela tradição de muitas gerações ao longo de séculos, e que do ponto de vista desses povos se revelaram de extrema eficácia. Quem somos nós, os chamados “Ocidentais” para banalizarmos com tanta arrogância intolerante as opções de vida de gente com uma herança civilizacional milenar, por mais conservadora que possa ser? Até parece que o modelo da civilização ocidental só tenha virtudes, e não tenha culpas no cartório em relação aos males muito perniciosos que o planeta Terra está atualmente a sofrer em mar e terra.

Sem comentários:

Enviar um comentário