quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Clair Patterson e o chumbo na gasolina



Foi Harrison Brown, da Universidade de Chicago, que desenvolveu um método novo de contar isótopos de chumbo em rochas ígneas (aquelas criadas por aquecimento, e não por depósito de sedimentos). Percebendo que o trabalho seria excessivamente tedioso, entregou-o ao jovem Clair Patterson para a sua tese de doutoramento. É famosa a sua promessa a Patterson de que determinar a idade da Terra com seu novo método seria canja. Na verdade, levaria anos.

Clair Patterson começou a trabalhar no projeto em 1948. Comparada com a contribuição heroica de Thomas Midgley à marcha do progresso, a descoberta da idade da Terra por Patterson possui um toque de anticlímax. Durante sete anos, primeiro na Universidade de Chicago e depois no Califórnia Institute of Technology (para onde se transferiu em 1952), ele trabalhou num laboratório esterilizado, fazendo medições muito precisas das taxas de chumbo/urânio em amostras de rochas antigas cuidadosamente selecionadas.

O problema da medição da idade da Terra era que se precisava de rochas extremamente antigas, contendo cristais portadores de chumbo e urânio mais ou menos tão antigos quanto o próprio planeta – é óbvio que rochas muito mais novas forneceriam datas enganosamente recentes. Mas rochas antigas de facto são difíceis de encontrar na Terra. No final da década de 1940, ninguém entendia porque eram tão raras. É incrível que só quando já estávamos em plena era espacial alguém tenha conseguido dar uma explicação plausível para o sumiço delas (a solução está na tectônica das placas). Patterson teve de tentar explicar as coisas contando com materiais bem limitados. Até que lhe ocorreu a ideia engenhosa de contornar a escassez de rochas utilizando material de fora da Terra, os meteoritos. Seu pressuposto foi bem ousado - restos dos materiais de construção dos primórdios do sistema solar era aquilo que ele precisava, pois conseguiam preservar uma química interior mais ou menos intacta. Medindo-se a idade dessas rochas errantes, obter-se-ia também a idade (suficientemente próxima) da Terra.

Como sempre, nada foi tão simples como esta descrição superficial leva a crer. Os meteoritos não são abundantes, e amostras meteoríticas não são fáceis de obter. Além disso, a técnica de medição de Brown revelou-se extremamente sensível e precisou de muitos refinamentos. Acima de tudo, havia o problema de que as amostras de Patterson eram constante e inexplicavelmente contaminadas por grandes doses de chumbo atmosférico sempre que expostas ao ar. Isso acabou fazendo com que ele criasse um laboratório esterilizado – o primeiro do mundo, de acordo com pelo menos um relato. Patterson despendeu sete anos de trabalho paciente para apenas reunir amostras adequadas para o teste final. Na primavera de 1953, viajou até ao Argonne National Laboratory, em Illinois, onde pôde utilizar a última palavra em espectrografia de massa, uma máquina capaz de detetar e medir as quantidades mínimas de urânio e chumbo encerradas em cristais antigos. Quando enfim obteve os resultados, Patterson, de tão excitado, achou que estivesse a ter um ataque cardíaco.

Logo depois, num encontro em Wisconsin, Patterson anunciou uma idade definitiva para a Terra de 4550 milhões de anos (com uma margem de erro de mais ou menos 70 milhões de anos) – “uma cifra que permanece inalterada. Após duzentos anos de tentativas, a Terra enfim possuía uma idade. Cumprida sua missão principal, Patterson voltou a atenção para todo aquele chumbo na atmosfera. Ele se espantou ao descobrir que o pouco que se sabia sobre os efeitos do chumbo nos seres humanos era quase invariavelmente desconhecido ou enganador – o que não surpreendia, já que durante quarenta anos todos os estudos dos efeitos do chumbo haviam sido financiados exclusivamente pelos fabricantes de aditivos de chumbo. Num daqueles estudos, um médico sem nenhum treino especializado em patologia química realizou um programa de cinco anos em que se pediu a voluntários que respirassem ou engolissem grandes quantidades de chumbo. Depois a urina e as fezes dessas cobaias foram examinadas. Infelizmente, como o médico parece ter ignorado, o chumbo não é excretado como produto residual. Ao contrário, acumula-se nos ossos e no sangue – daí ser tão perigoso –, e nem os ossos nem o sangue foram examinados. O resultado foi a aprovação do chumbo como inofensivo à saúde.

Uma coisa era certa, Patterson sabia que tínhamos muito chumbo na atmosfera – continuamos tendo, na verdade, já que o chumbo nunca desaparece – e que cerca de 90% parecia advir dos canos de escape dos automóveis. Mas não conseguiu provar isso. Ele precisava de um termo de comparação para os níveis de chumbo na atmosfera, entre o atual e o passado em 1923, altura em que havia sido introduzido o 
Tetraetilchumbo, ou chumbo tetraetila, o aditivo para gasolina cuja fórmula é Pb(C₂H₅)₄. Faz com que a octanagem da gasolina seja elevada, pois é resistente à pressão, porém é tóxico e libera partículas de chumbo no ar. Ocorreu-lhe, então, que núcleos de gelo poderiam fornecer a resposta. Sabia-se que a neve que cai em lugares como a Gronelândia se acumula em camadas anuais distintas (porque diferenças sazonais de temperatura produzem mudanças ligeiras na coloração do inverno para o verão). Contando retroativamente essas camadas e medindo a quantidade de chumbo em cada uma delas, Patterson poderia calcular as concentrações globais de chumbo em qualquer época por centenas, ou mesmo milhares, de anos. A ideia tornou-se a base dos estudos de núcleos de gelo, em que se fundamenta grande parte do trabalho climatológico moderno.

Patterson descobriu que antes de 1923 quase não havia chumbo na atmosfera, e desde aquela época o seu nível crescera de forma contínua e perigosa. Sua missão de vida era fazer com que o chumbo fosse eliminado da gasolina. Para isso, tornou-se um crítico constante e, muitas vezes, ruidoso da indústria do chumbo e seus interesses. A campanha se mostraria infernal. A Ethyl era uma corporação global poderosa, com muitos amigos em altos cargos. (Entre seus diretores estiveram o juiz da Suprema Corte Lewis Powell e Gilbert Grosvenor, da National Geographic Society.) Patterson de repente viu suas verbas de pesquisa serem suspensas ou negadas. O American Petroleum Institute cancelou um contrato de pesquisa com ele, bem como o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, uma instituição do governo supostamente neutra.

À medida que Patterson se tornava incómodo, a direção de sua instituição via-se repetidamente pressionada pelos executivos da indústria do chumbo a calá-lo ou demiti-lo. De acordo com Jamie Lincoln Kitman, escrevendo em The Nation em 2000, os executivos da Ethyl supostamente ofereceram o patrocínio de uma cátedra no Caltech “se Patterson fosse posto na rua”. Absurdamente, ele foi excluído do painel do Conselho Nacional de Pesquisa americano de 1971 para investigar os perigos do envenenamento atmosférico por chumbo, embora fosse então sem dúvida o maior especialista em chumbo atmosférico. Patterson tem o mérito de nunca ter hesitado nem cedido. Seus esforços acabaram levando à promulgação do Clean Air Act, lei antipoluição atmosférica de 1970, e finalmente à suspensão da venda de gasolina com chumbo nos Estados Unidos em 1986. Quase de imediato, os níveis de chumbo no sangue dos norte-americanos caíram 80%. Mas como o chumbo fica para sempre, quem está vivo hoje possui cerca de 625 vezes mais chumbo no sangue do que a população de um século atrás. A quantidade de chumbo na atmosfera também continua aumentando, sem nenhum impedimento legal, cerca de 100 mil toneladas métricas ao ano, como resultado principalmente da fundição e de atividades industriais. Os Estados Unidos também proibiram o chumbo na pintura de interiores, 44 anos depois da maior parte da Europa. A solda de chumbo só foi removida dos recipientes de alimentos norte-americanos em 1993.

Quanto à Ethyl Corporation, continua firme e forte, embora a MGM, a Standard Oil e a Du Pont não tenham mais participação acionista. Em fevereiro de 2001, a Ethyl ainda alegava “que as pesquisas não conseguiram mostrar que a gasolina com chumbo representa uma ameaça à saúde humana ou ao meio ambiente”. Em seu site, a história da empresa não faz nenhuma menção ao chumbo – ou mesmo a Thomas Midgley –; menciona-se simplesmente que o produto original continha “uma certa combinação de substâncias químicas”. A Ethyl deixou de produzir gasolina com chumbo, embora, de acordo com os demonstrativos da empresa de 2001, o chumbo tetraetila ainda representasse 25,1 milhões de dólares em vendas em 2000 (de um total de 795 milhões de dólares), valor superior aos 24,1 milhões de dólares em 1999, mas bem distantes dos 17 milhões de dólares em 1998. 

Patterson morreu em 1995, com 73 anos. E o mais intrigante é que ele não ficou famoso. É bem possível que ele tenha sido o geólogo mais influente do século XX. No entanto, quem é que ouviu falar de Clair Patterson? A maioria dos livros didáticos de geologia não o menciona. Dois livros populares recentes sobre a história da datação da Terra chegam a grafar errado o seu nome. Em todo o caso, graças ao trabalho de Clair Patterson, em 1953 todos podiam concordar com a idade da Terra.

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