segunda-feira, 13 de março de 2023

A Florença dos guelfos e gibelinos no tempo da Peste Negra





Florença, no início da Idade Média era uma cidade de importância relativamente secundária, apesar de o seu papel como sede de um ducado lombardo. Mas mais tarde, como residência ocasional do margrave da Toscana, ascendeu a um lugar de destaque na Toscana e a uma posição proeminente na economia europeia depois do século XII. Sua grande riqueza, derivada principalmente da indústria (em especial a têxtil), combinada com o comércio e a atividade bancária, encorajou a imigração, o que resultou no rápido crescimento da sua população mas também contribuiu para as divisões internas.

Desde os começos do século XIII, a nobreza e os grandes mercadores, secundados por grupos sociais inferiores, estavam divididos em dois partidos: os gibelinos, que apoiavam a causa imperial na luta entre o Sacro Império Romano Germânico e o Papado desde 1230, aproximadamente; e os guelfos, que eram favoráveis à causa papal, embora os interesses e lealdades de ambos os partidos fossem predominantemente locais. O conflito civil exigiu novos dispositivos para manter a ordem e, no final do século XII, o governo consular que administrara a comuna independente de Florença desde pouco depois da morte de Matilde da Toscana (1115), foi substituído pela Podestà (Signoria) para o exercício da magistratura suprema. A fim de assegurar uma administração imparcial, o Podestà foi recrutado, a partir do começo do século XIII, fora da cidade.

No transcurso do século XIII, o poder político passou a repousar cada vez mais nos mercadores organizados nas maiores guildas, graças ao sucesso internacional do comércio e dos bancos florentinos, o que foi confirmado pela emissão, desde 1252, do florim de ouro. Dois anos antes, a população não nobre tinha estabelecido a sua própria organização — uma espécie de Estado dentro do Estado — duplicando as instituições comunais em suas próprias magistraturas e conselhos. Isso durou até à vitória gibelina sobre o poder dos guelfos em 1260. Foi restabelecido numa base corporativista, agora de forma permanente, em 1282. Em 1293, a vitória do novo regime do povo culminou na exclusão das famílias nobres do governo, definidas como magnatas, e sua sujeição a severas punições por delitos contra os popolani. Os seis, depois oito, priores e o gonfaloneiro de justiça foram mantidos até ao século XVI no governo da cidade, ficando o Podestà reduzido às suas funções judiciais. A construção, iniciada no final do século, da nova catedral e do Palazzo Vecchio, indica a prosperidade de Florença e o orgulho dos cidadãos por suas realizações; também reflete o espetacular crescimento populacional, que por volta de 1338 tinha provavelmente superado a marca dos 100.000 habitantes.




O regime popular dos guelfos sofreu divisão na passagem do século XII para o século XIV, o que prenunciou o surgimento de facções de que Florença continuou sofrendo durante todo o século XIV, e que foi intensificado depois da Peste Negra. Outras fontes de conflito interno foram o antagonismo, aguçado pelas Ordenações de Justiça de 1293, entre a nobreza magnata e os setores populares com os contrastes sociais entre os artesãos das guildas menores e os patrícios das guildas maiores. Após o efémero governo despótico (1342-43) de Gautier de Brienne, duque de Atenas, os “novos homens” organizados nas guildas de ofícios conseguiram aumentar substancialmente a sua participação no governo; mas à recuperação patrícia seguiu-se uma tentativa da liderança oligárquica do partido guelfo, com vistas ao estabelecimento do controlo virtual do Estado. Na esteira da reação contra essa política, o descontentamento entre os trabalhadores submetidos às guildas da lã e da seda explodiu em 1378 na revolta dos Ciompi. A Peste Negra de 1348 tinha reduzido dramaticamente, talvez em mais da metade, a população de Florença, mas os efeitos económicos só estavam indiretamente relacionados com essa convulsão social. O regime democrático de guildas instalado após a sua supressão foi a última e a mais radical manifestação de organização corporativa no governo da cidade.

O regime que o substituiu em 1382 já não era dominado pelas guildas ou o partido guelfo. Instituições e valores corporativos continuaram sendo elementos importantes na política florentina mas deixaram de ter a influência de que desfrutavam anteriormente. O novo regime era aristocrático, na medida em que o patriciado ocupava uma posição predominante dentro de uma classe governante definida pela elegibilidade para altos cargos; mas as guildas de ofícios não estavam inteiramente excluídas do regime. A autoridade do governo foi reafirmada, embora as decisões mais importantes continuassem sujeitas ao consentimento dos conselhos legislativos. Uma das notáveis realizações do regime foi a expansão dos domínios florentinos pela aquisição de Arezzo, Pisa e Cortona com seus territórios, e a gradual transformação dos mesmos num Estado territorial. A oposição toscana ao expansionismo florentino ajudou o duque de Milão, Giangaleazzo Visconti, em sua investida rumo a essa região. Em suas guerras contra ele, desde 1390, os florentinos autoproclamaram-se defensores da liberdade contra a tirania; a morte de Giangaleazzo em 1402 e a conquista de Pisa em 1406 garantiram não só a independência da cidade mas também sua hegemonia na Toscana.

O regime aristocrático gozou de um notável grau de coesão até a década de 1420, quando, diante de uma crise fiscal e de renovada guerra com Milão, a cidade dividiu-se uma vez mais em duas facções. Tanto a implantação em 1427 de um imposto progressivo baseado na propriedade, o catasto, quanto a paz com Mião em 1428 não atenuaram essa divisão, que culminaria em 1433 com a vitória dos Albizzi sobre os Medici, e no exílio de Cosimo de Medici. O regresso deste em 1434 assinalou a derrota dos Albizzi, seguido por seu exílio e o de muitos de seus adeptos. Através de reformas, especialmente no método de eleger a Signoria, Cosimo estabeleceu gradualmente sua ascendência pessoal e a do seu partido, até obter o controle da administração e da legislação. Mas essas reformas defrontaram-se com repetida resistência e sofreram seu mais sério revés em 1456-66. Embora efêmero, o êxito dessa oposição ao controlo dos Medicis demonstrou a robustez das tradições republicanas.

Em 1478, a hostilidade dos Pazzi, apoiados por Roma, ocasionou um atentado contra a vida de Lourenço de Medici, do qual ele saiu ileso mas em que seu irmão Giuliano morreu apunhalado. A conspiração dos Pazzi resultou em guerra contra o papa e o rei de Nápoles; na conclusão da paz, a posição de Lourenço como chefe virtual da república estava decisivamente estabilizada e fortalecida, mas o papel da elite política do regime também foi promovido pela criação de um Conselho Supremo dos Setenta, a quem incumbia controlar a legislação, assim como a política externa e interna.

Estabelecido para mandatos de cinco anos, o Conselho foi periodicamente renovado até à queda do regime. Após a morte de Lourenço em 1492, Pedro não conseguiu preservar o delicado equilíbrio entre interesses divergentes que seu pai tinha realizado em Florença e do qual fizera a pedra angular de sua política externa. Impotente para impedir a invasão da Toscana por Carlos VIII, Pedro fugiu da cidade no meio a um levantamento popular (1494). Todas as instituições dos Medici foram abolidas mas os patrícios, que tinham desempenhado um papel decisivo na queda do regime Medici, e que haviam pertencido ao seu mais prestigiado grupo, não conseguiram restaurar o regime aristocrático do início do século XV. 

A criação de um Grande Conselho de mais de 3.000 cidadãos, devida em grande parte à pregação de Savonarola, imitando o maggior consiglio veneziano, era exclusivamente responsável pela legislação e as eleições para cargos oficiais. Tal, significou uma radical reforma constitucional que, embora ampliando substancialmente a participação ativa dos cidadãos na política, tornou possível para uma elite política manter um papel predominante no governo de Florença. Mesmo assim, o descontentamento patrício com as crescentes tendências democráticas no Grande Conselho levou em 1502 à transformação do gonfaloneirato de justiça num cargo vitalício. Não obstante, não foi a oposição interna, mas a pressão militar resultante da batalha de Ravena, que constituiu a principal causa da queda do regime republicano e do restabelecimento dos Medici em 1512. 

Com seu claro reconhecimento da autoridade papal e suas tentativas, quer bem-sucedidas quer frustradas, de realização da unidade cristã, o Concílio de Florença revela elementos de fraqueza e de força no movimento conciliar do século XV. Em 1437, o papa Eugénio IV transferiu o pernicioso Concílio de Basileia para Ferrara e em 1438 para Florença. Um grupo remanescente permaneceu em Basileia, num desafio ao papa. Uma poderosa delegação grega visitou o Concílio, chefiada pelo imperador bizantino João VIII, procurando ajuda militar para Constantinopla e oferecendo em troca a união religiosa; fórmulas de acordo, mediante concessões mútuas, foram combinadas em relação a divergências teológicas a respeito da cláusula Filioquee, o tipo de pão usado para a Eucaristia. Em compensação, iniciava-se uma Cruzada com patrocínio papal, mas que foi desbaratada em Varna em 1444. A queda de Constantinopla, em uma década, liquidou todas as esperanças de união.

Outras uniões religiosas estabelecidas em Florença foram mais permanentes: os latinos foram unidos à Igreja copta do Egito (1440), aos arménios (1439), caldeus e maronitas (1445). O Concílio também desferiu um significativo golpe nos elementos do movimento contra o papa. Sérias deliberações com os gregos tiveram lugar em Florença, não em Basileia; considerou-se que a autoridade suprema residia no papa e não no Concílio per se. Após a morte de Eugénio IV (1447), Nicolau V conseguiu a reconciliação com os cardeais recalcitrantes que permaneceram em Basileia.


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