segunda-feira, 25 de março de 2024

Arthur Koestler, na sua passagem por Lisboa




Arthur Koestler nasceu em Budapeste, na Hungria, em 1905, no seio de uma família judaica. Foi escritor, jornalista e ativista político, tendo passado pela Palestina, pela União Soviética e por Espanha, onde, participando da Guerra Civil, foi condenado à morte pelas tropas de Franco. Com o deflagrar da Segunda Guerra Mundial, radicou-se em Londres e cortou com o Partido Comunista após as purgas estalinistas. Entre mais de duas dezenas de obras publicadas, destaca-se Eclipse do Sol, uma crítica acutilante ao despotismo estalinista, considerado por George Orwell um dos poucos livros que poderão mudar a História. Em 1983, suicida-se na sua casa, em Londres.

Estávamos em 1940, já em plena guerra, quando Arthur Koestler passou umas semanas em Lisboa bem tranquilo, deixado à vontade pela PVDE e agentes alemães que operavam na cidade. Koestler chegara de navio, no dia 17 de setembro de 1940, e ficara sete semanas na cidade. Para a primeira onda de refugiados, pouco se fez no sentido de uma ajuda organizada ou de grupos humanitários para atendê-los. Conforme a guerra prosseguiu, e dada a importância de Lisboa como o último portão de saída da Europa, a organização de grupos de resgate de emergência ganhou velocidade.

A atitude da polícia política - PVDE - foi tática. Era preciso fazer os refugiados estarem o menos tempo possível na capital. Sem intimidação, o que interessava era saírem o mais rápido possível da cidade. Para os refugiados que chegaram mais tarde já havia mais funcionários nos consulados britânico e americano, o que no mínimo reduziu bastante o tempo necessário para resolver a questão dos vistos de entrada. Lisboa ainda era uma experiência difícil, muitas vezes assustadora para os refugiados. Mas pelo menos enfraquecera o choque inicial sentido pelos portugueses, que continuaram a trata-los com uma estranha mistura de hospitalidade cristã, tingida, sempre que possível, com um certo grau de exploração financeira.

Uma vez passado o choque inicial da chegada de milhares de refugiados à capital, a PVDE concluiu que, de modo geral, eles representavam pouca ou nenhuma ameaça ao Estado Novo, e estavam simplesmente em trânsito. Em resumo, não podiam permanecer em Portugal, a não ser que Salazar lhes desse sua bênção pessoal, que reservava para vários membros de famílias reais europeias que continuaram em Lisboa, em exílio permanente.

Ao contrário de muitos refugiados em Lisboa, Koestler não tinha problemas de dinheiro, graças aos pagamentos de direitos de autor regulares do seu editor nos Estados Unidos. Seu problema foi outro: convencer as autoridades britânicas a permitirem que ele voltasse à Grã-Bretanha. Com dinheiro para custear um estilo de vida simples, porém confortável, pouca coisa lhe restava fazer, senão visitas frequentes ao consulado britânico.

Koestler hospedou-se no modesto hotel Frankfort, no Rossio. Mais tarde, conforme a provável extensão de sua estada em Lisboa se tornava mais evidente, ele mudou para a pensão Leiriense, mais barata. A pensão era um lugar bastante degradado, repleto de refugiados. Mas com o preço dos hotéis de Lisboa terrivelmente inflacionados em 1940, a pensão foi a melhor opção para o orçamento de Koestler.

Apesar do aparente bem-estar financeiro, Koestler preocupava-se com a possibilidade de as autoridades portuguesas o entregarem aos espanhóis, e esse medo pairou sobre ele durante toda a sua estada em Lisboa. Num subsequente interrogatório pelas autoridades britânicas, ele declarou ter tido muito medo em Lisboa. Seu evidente temor tinha origem na série de artigos que havia escrito, nos quais se dizia exposto a elementos simpatizantes dos alemães na administração portuguesa: ele temia que as autoridades portuguesas o extraditassem para a Espanha, onde seria torturado e depois executado. Devido ao que acontecera com Berthold Jacob no ano seguinte, em Lisboa, poderia muito bem ter-se tornado realidade.

Com o olhar aguçado de escritor, observando os acontecimentos e personalidades em Lisboa, encetou uma série de pesquisas para o livro Arrival and Departure, que foi publicado em 1943. Um romance baseado nas experiências de Koestler em Lisboa, com o personagem central, Peter Slavek, como uma versão fictícia do próprio Koestler. O romance, bem recebido pela crítica, foi o primeiro que Koestler escreveu em inglês. Arrival and Departure contém muitos personagens pitorescos, mas, na realidade, Koestler era uma espécie de lobo solitário em Lisboa. Ele teve um breve caso amoroso com uma americana, Ellen Hill, mas, fora isso, costumava vagar sozinho pelas ruas no centro de Lisboa e tomar café no Chave d’Ouro, no Rossio. Encontrou muitos colegas intelectuais refugiados na cidade, mas, como muitos dos supostos refugiados políticos, ele era vigiado de perto pela PVDE, caso tentasse encontrar grupos dissidentes locais. Uma atividade normal da PVDE, muito preocupada para que a chegada desses refugiados, que se supunha ser comunistas, não desestabilizasse a situação política de Lisboa.

Em sua maioria, ao chegar a Lisboa, os refugiados políticos estavam exaustos e com frequência muito assustados para criar confusão, mesmo se quisessem. O que aparentemente unia todos era o desejo de sair de Lisboa o mais rápido possível para seu destino final. Quando os britânicos perguntaram a Ricardo Espírito Santo por que é que a PVDE, no início, parecia tratar os refugiados com tanta severidade, ele argumentou que a polícia secreta pensava que os refugiados, em sua maioria, eram comunistas ou simpatizantes dos soviéticos. Observou que o Consulado dos Estados Unidos em Lisboa também havia tratado muitos deles com rispidez pela mesma razão. Até à chegada dos refugiados, Portugal era um país muito fechado.




O Duque de Windsor com Ricardo Espírito Santo lendo as notícias da guerra.

Durante sua estada em Cascais, o duque de Windsor e a duquesa aproveitaram o tempo ao máximo. A PVDE, responsável por sua segurança, apresentava relatórios detalhados ao capitão Lourenço, cujas partes importantes eram transmitidas a Salazar. De início, o duque passava boa parte do seu tempo na embaixada britânica, que retinha seu passaporte. Após um jogo de golfe no Estoril, quando lhe pediram para posar para fotografias e ser filmado, ele recusou, afirmando não querer ser visto a jogar golfe quando a Inglaterra estava em guerra. Mas ele aceitou posar na residência em Cascais, ao lado de Ricardo Espírito Santo.

Ricardo Espírito Santo fez jogo duplo com os dois lados até receber ordens em contrário de Salazar. Muitos dos rumores da suposta tendência a favor da Alemanha, por parte de Espírito Santo, tinham origem em fontes britânicas. O relacionamento de Ricardo Espírito Santo com Salazar era de uma grande amizade pessoal, obviamente para além dos interesses de negócios. O alcance dos negócios de Espírito Santo ia bem além do mundo financeiro e ele queria ficar bem com Salazar a fim de desenvolver o império comercial, em rápida expansão, de sua família.

Os jantares eram as ocasiões sociais mais importantes da época para o duque e a duquesa. Espírito Santo era naturalmente bem relacionado, tanto na sociedade portuguesa como na internacional, e providenciava para cada jantar que oferecia ou organizava em homenagem a seus visitantes com figuras ilustres, como era o caso do barão e a baronesa de Rothschild.  O duque de Windsor num jantar com amigos, no hotel Aviz, anuncia publicamente a decisão de aceitar o posto que Churchill lhe ofereceu nas Bahamas. O duque e a duquesa de Windsor embarcam no SS Excalibur, sem os seus pertences que haviam ficado retidos em Madrid. Foi um alívio para Churchill, na visão de Churchill ele longe da Europa causaria menos danos ao esforço de guerra britânico, uma vez conhecida a sua simpatia pelos nazis, para além das muitas intrigas que se geravam à sua volta. E um alívio para Agostinho Lourenço, o chefe da PVDE encarregue de lhe garantir a segurança em Lisboa.

Koestler desejava ir para a Grã-Bretanha, mas o MI-5 e o Ministério dos Negócios Interiores britânico continuavam insistindo que era um imigrante indesejável e que sua entrada no país estava barrada por questões de segurança. Koestler implorou a vários amigos britânicos e americanos influentes. Jornalistas importantes, editores e Harold Nicolson, do Ministério das Informações, também fizeram lobby, mas de nada adiantou. Cada vez mais desesperado, com a sua saúde mental rapidamente se deteriorando em Lisboa, Koestler descobriu que seu nome estava na lista de importantes intelectuais judeus a serem resgatados de Varian Fry. Apesar dos esforços da equipa de Fry para exercer influência a favor de Koestler, não houve chance na política britânica.

Finalmente, e com alguma ajuda não oficial de Henry King, cônsul-geral britânico em Lisboa, Koestler embarcou no avião da BOAC em Lisboa, sem a documentação correta, no dia 6 de novembro, em direção a um futuro incerto na Inglaterra. Koestler chegou ao aeroporto de Whitchurch, perto de Bristol, às 11:40 da manhã do dia 6 de novembro, e, quando questionado, anunciou que estava com medo de que o mandassem prender por não ter visto. Koestler foi interrogado e narrou a sua história em detalhes e com grande dramaticidade. No final da entrevista, o inquiridor concluiu que Koestler era um terço génio, um terço patife e um terço lunático. O relatório foi encerrado com o comentário de que Koestler era quase certamente judeu, mas que não lhe haviam feito essa pergunta pela possibilidade de haver repercussões legais por parte de seus poderosos patrões no News Chronicle. Mesmo sem conseguir impressionar as autoridades, no início interessadas em mandá-lo de volta para Lisboa, Koestler acabou por se estabelecer em Londres depois de uma estada na prisão de Sua Majestade, em Pentonville.

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