quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Os mistérios do Universo




Durante séculos, a cultura ocidental esteve fortemente conectada à cosmovisão cristã. Por essa razão, a resposta para qualquer pergunta estava enraizada na crença em Deus, como Senhor de Todo o Universo. Muitos dos fundadores da ciência moderna - Copérnico, Galileu, Kepler, Pascal, Boyle, Newton e Halley - acreditavam nesses conceitos centrais. Mas nos últimos 200 anos a comunidade científica afastou-se da cosmovisão cristã e assumiu uma postura que descarta qualquer intervenção sobrenatural na origem, funcionamento e manutenção do mundo. 

Como se originou a vida? Neste mistério, 
visões filosóficas opostas polarizam o debate. O homem, diferente de qualquer outro ser vivo, não consegue sobreviver apenas por instinto ou pelas leis da Natureza, sem uma ciência consciente. Porque é que tantas leis que percebemos na natureza parecem tão confiáveis e, ao mesmo tempo, tão misteriosas? Considerando desde os componentes de uma minúscula célula até as imensas galáxias do cosmos em expansão, a religião, a filosofia, a ciência, a literatura e as artes respondem de maneiras diversas a essas intrigantes questões.

Uma razão importante pela qual existe desacordo entre cientistas que estudam um fenómeno específico é que eles realizam investigações com base em paradigmas diferentes. A ideia proposta por Thomas S. Kuhn sugere que a ciência não constitui uma atividade empiricamente autónoma e objetiva, mas um empreendimento coletivo influenciado por fatores históricos e sociais. Durante os períodos de “ciência normal”, argumenta Kuhn, a comunidade científica age seguindo um modelo ou paradigma geralmente aceite. No entanto, ao se acumularem resultados que não se encaixam dentro desse modelo, ocorre uma “mudança de paradigma”. A partir de então, um novo consenso ou paradigma passa a fornecer as pressuposições e o modelo para se entender o mundo natural e levar-se a cabo as pesquisas científicas. Kuhn oferece como exemplo a mudança de paradigma que aconteceu no século XVI, quando a concepção geocêntrica do Universo sustentada por Ptolomeu foi substituída pelo modelo heliocêntrico do Sistema Solar proposto por Copérnico.

Outra mudança de paradigma significativa aconteceu na década de 1960, quando o peso da evidência confirmou as ideias que Alfred Wegener (1880-1930) havia demonstrado acerca do movimento dos continentes. Até então, pensava-se que as massas continentais de nosso planeta eram fixas, conectadas por pontes terrestres que posteriormente teriam submergido. Em uma conferência apresentada em 1912, Wegener propôs que os continentes atuais teriam formado um supercontinente, a que ele deu o nome de Pangeia. Mais tarde, eles voltaram a afastar-se. Durante várias décadas, destacados geólogos recusaram a teoria da deriva dos continentes, em parte por inércia intelectual e, especialmente, por falta de evidências concretas que a sustentassem. Também faltava um mecanismo que a pudesse explicar. No entanto, com o acúmulo de dados favoráveis, a teoria de que os continentes foram se separando foi aceite como válida, sendo hoje o paradigma dentro do qual operam ciências como a geologia, a geofísica, a oceanografia e a paleontologia.

O debate atual sobre as mudanças climáticas oferece outro exemplo de divergência de paradigma epistemológico. Durante os últimos anos, numerosos cientistas vêm analisando dados que sugerem um aumento gradual da temperatura de nosso planeta. As projeções feitas em modelos indicam que, se o aquecimento da atmosfera continuar por vários anos no ritmo atual, a humanidade enfrentará uma catástrofe irreversível. No entanto, ainda há cientistas que estão em desacordo quanto à causa principal desse fenómeno. Um grupo crê que o aumento da temperatura deve-se aos ciclos climáticos naturais que ocorrem independentemente da atividade humana. Os cientistas que empregam esse paradigma enfatizam a correlação entre os ciclos solares e a temperatura de nosso planeta. Mas a maioria hoje crê que a atividade humana é a principal responsável pelo aumento da temperatura. Os cientistas que utilizam esse paradigma buscam uma correlação entre as emissões de carbono e outras substâncias e os índices de mudança climática. É claro que as implicações éticas, económicas e políticas desse debate e a sua solução complicam a discussão do tema. A um nível mais fundamental, pode-se atribuir as discrepâncias entre cientistas em diversas disciplinas às pressuposições com que interpretam a origem do mundo natural e as leis que regem o seu funcionamento.

No famoso mito narrado por Platão no Livro VII da República, os homens estão acorrentados no fundo de uma caverna escura e veem diante de si apenas sombras, projetadas na parede atrás deles por um fogo. Pensam que aquela é a realidade. Um deles se liberta, sai e descobre a luz do sol e a vastidão do mundo. No início, a luz o deixa aturdido, o confunde: seus olhos não estão acostumados. Mas ele consegue olhar e volta feliz à caverna para contar aos companheiros aquilo que viu. Eles não conseguem acreditar. Todos nós estamos no fundo de uma caverna, presos à corrente da nossa ignorância, dos nossos preconceitos, e nossos frágeis sentidos nos mostram sombras. Procurar ver mais longe muitas vezes nos confunde: não estamos acostumados. Mas tentamos. A ciência é isso. O pensamento científico explora e redesenha o mundo, oferece-nos imagens dele que pouco a pouco ficam melhores, ensina-nos a pensá-lo de maneira mais eficaz. A ciência é uma exploração contínua das formas de pensamento. Sua força é a capacidade visionária de derrubar ideias preconcebidas, desvelar novos territórios do real e construir imagens novas e melhores do mundo. 

Esta aventura apoia-se em todo o conhecimento acumulado, mas a sua essência é a mudança, o provisório, uma procura permanente da verdade sem nunca se chegar ao fim. Olhamos cada vez para mais longe, mas o Universo é infinito, sem um começo e sem um fim. O Mundo é ilimitado e incomensurável. Não o podemos observar pelo lado de fora, porque não há um "fora". Mas nós, enquanto cientistas fazemos de conta que o observamos como se viéssemos de fora do Universo, de um não lugar. Mas nós, fazemos parte, somos o próprio Universo que queremos observar de fora. Estamos imersos em seu mistério e em sua beleza, e além existem sempre mais territórios ainda inexplorados. A incerteza em que estamos mergulhados, nossa precariedade, suspensa sobre o abismo da imensidão daquilo que não sabemos, é o absurdo absoluto de Albert Camus. 

Para compreender a importância da descoberta de que todos os seres vivos no nosso planeta têm os mesmos antepassados, não é preciso seguir as complexas argumentações do livro de Darwin. Para isso basta sentarmo-nos confortavelmente e ver correr a Coleção BBC Vida Selvagem - Richard Attenborough. Ver o 
mundo de um ponto de vista que pouco a pouco se torna mais amplo.

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