terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Os russos





A Rússia [Federação Russa] é o maior país do mundo, numa extensão territorial que comporta 9 fusos horários, e o 9º em população – 142 milhões de habitantes. Assim, é simultaneamente um país europeu e asiático. Na verdade, é ao mesmo tempo o maior país da Europa e o maior país da Ásia. Isso cria uma dificuldade para classificar os russos como identidade entre Europa e Ásia, Ocidente e Oriente. Os de identidade eslava consideram-se europeus; os de identidade asiática nem tanto. Ao nos concentrarmos na geografia física, podemos afirmar que, dos mais de 17 milhões de km2 da Rússia, cerca de 23% (ou 3,9 milhões de km2) situam-se na Europa e 77% (13,1 milhões de km2) na Ásia. Ou seja, a maior parte da Rússia está na Ásia. Já com a povoação ocorre o contrário: apenas 25% da sua população está na parte asiática. Os montes Urais formam a fronteira entre a parte europeia e asiática da Rússia. A Sibéria constitui todo o imenso território asiático do país, cobrindo não apenas as partes geladas no Norte, mas também desertos quentíssimos ao Sul.

Dito isto, é importante observar que a origem da civilização russa não está na Rússia atual, mas sim na Ucrânia: foi o chamado Estado de Kiev (ou Rus’ de Kiev), que existiu do século IX ao XIII. Naquela época não havia ainda a diferenciação entre os russos atuais, os russos vermelhos e os russos brancos da Bielorrússia que formavam o grupo dos eslavos orientais. Rus’ era uma florescente confederação de cidades-Estado com vassalagem ao Grande Príncipe da cidade de Kiev (atual capital da Ucrânia).

Depois, devido à pouca união e centralização entre as suas partes constitutivas, não foi capaz de resistir à invasão dos descendentes de Gengis Cã, e essas terras, então, ficaram sob jugo mongol dos séculos XIII ao XV. O jugo mongol, ao destruir a autoridade central de Kiev e dispersar os eslavos, abriu caminho para o aparecimento de russos, ucranianos e bielorussos como povos separados. A partir do século XV, a cidade de Moscovo liderou a rebelião contra os mongóis e unificou os eslavos, agora sob um império altamente centralizado.

Ivan III, o Grande, acabaria definitivamente com o jugo mongol em 1480. O primeiro czar, Ivan IV, o Terrível, inicia a construção do Império Russo ao conquistar novos territórios. Com a conquista dos reinos mongóis de Kazan (1552) e Astrakhan (1556), ele passa a dominar o rio Volga. No século XVIII houve a expansão para o leste, na Sibéria, e até ao rio Dniepre. No século XVIII, Pedro, o Grande (1682-1725), levou as fronteiras ao norte até ao mar Báltico (alcançando finalmente uma saída para os oceanos). Os três países bálticos têm muito em comum culturalmente, mas os lituanos e letões estão mais próximos entre si que dos estonianos. Isso porque a língua estoniana é do ramo fino-úgrico (como o finlandês) da família linguística uraliana, enquanto o lituano e o letão são as únicas línguas bálticas remanescentes na família indo-europeia (família a que pertence a maioria dos idiomas dos países europeus).

Catarina II, a Grande (1762-1796), conquistou a Crimeia ao sul (chegando ao mar Negro). No século XIX houve a incorporação da Geórgia (1801), Finlândia (1809), das montanhas do Cáucaso ao sul e da Ásia central muçulmana, completando a construção do Império dos Czares. A URSS não adicionaria novos territórios e a Finlândia conquistaria a independência em 1918. Com o final da URSS em 1991, as 15 repúblicas constitutivas tornaram-se países independentes. Doze delas (exceto as três do mar Báltico: Estónia, Letónia e Lituânia) formaram a CEI (Comunidade dos Estados Independentes).

As montanhas do Cáucaso separam a Rússia da Geórgia, Arménia e Azerbaijão. Ex-repúblicas soviéticas, seguem agora como países independentes. Geórgia é a terra natal de Stalin. Atravessando a cadeia de montanhas do Cáucaso, encontramos as três ex-repúblicas soviéticas transcaucasianas, bastante mais quentes. A Geórgia e a Armênia são cristãs, ao passo que o Azerbaijão é muçulmano. A Geórgia segue a religião ortodoxa, sendo que a Igreja Ortodoxa Georgiana é autocéfala (isto é, independente, não tendo que se reportar hierarquicamente a nenhuma autoridade superior). Já a Igreja Arménia pertence às chamadas Igrejas Ortodoxas Orientais Antigas ou Igrejas que não da Calcedónia, que, por discordâncias eclesiásticas (aceitavam a autoridade apenas dos três primeiros concílios ecuménicos de Niceia, Constantinopla e Éfeso), não fazem parte da Igreja Ortodoxa.

Um apontamento em relação à Moldávia soviética. Tem origens históricas comuns com a Roménia, em que a língua é praticamente idêntica à daquele país e existe um movimento que prega a união entre Moldova (nome atual oficial da Moldávia) e Roménia. A religião principal é a ortodoxa, mas refletindo o grande debate entre a identidade romena ou não de Moldova, existem duas igrejas ortodoxas no país: a Igreja Ortodoxa Moldava, subordinada à jurisdição da Igreja Ortodoxa Russa, e a Igreja Ortodoxa da Bessarábia, subordinada à Igreja Ortodoxa da Roménia.

Finalmente, o último grande grupo de ex-repúblicas soviéticas e parte do Império Russo são as antigas cinco repúblicas soviéticas da Ásia central: Cazaquistão, Uzbequistão, Turquemenistão, Tadjiquistão e Quirguistão. São todas islâmicas. A sua islamização foi resultado dos choques e inter-relações entre os grandes impérios e nações islâmicas de origem árabe, turca e mongol que por séculos ocorreram na Ásia central.

As 15 ex-repúblicas soviéticas citadas são hoje países independentes, mas suas nacionalidades predominantes existem também dentro da Rússia atual, que comporta ainda cerca de uma centena de outras nacionalidades, subnacionalidades e grupos étnicos.

Dos cerca de 147 milhões de habitantes da Federação Russa atual, 80,58% são russos étnicos (russkie), seguidos dos tártaros (3,98%), chuvaches (1,26%), povos do Daguestão (1,45%), bashkirs (1,01%), bielorussos (0,79%), moldavos (0,70%), chechenos (0,74%) e alemães (0,4%). Fora os russos, o segundo maior grupo de nacionalidades indígenas da Rússia é formado pelos povos da bacia do rio Volga e dos montes Urais (cerca de 8% da população): tártaros, bashkirs, calmucos, komis, maris, moldavos, udmurtes e chuvaches. Os tártaros (segunda maior nacionalidade da Federação Russa) se destacam formando sozinhos quase metade deste grupo. Tártaros e bashkirs são muçulmanos, os calmucos são budistas e o restante do grupo é de religião ortodoxa.

Os povos do norte da cadeia de montanhas do Cáucaso formam outro grupo de nacionalidades da Rússia: chechenos, abazas, adigueses, balcares, inguches, cabardinos, carachaios, ossetas, cherquesses, e os povos do Daguestão (avares, aguís, darguínicos, cumicos, laks, lezguianos, nogais, rutuls, tabassarães e tsakhurs) constituem pouco menos de 3% da população. Todos são muçulmanos (exceto os ossetas, cuja maioria é cristã). Os povos da Sibéria e do extremo norte (buriatas, altai, tuvanos, caçasses, shors, iacutos, e uma série de outras pequenas etnias) são responsáveis por 0,6% da população. Os buriatas e tuvanos são budistas; os outros professam a religião ortodoxa.

Por aqui se vê que os russos são uma manta de retalho de dezenas de etnias ou nacionalidades. O que acontece é que a nacionalidade na Rússia segue o princípio do jus sanguinis. Isso significa que uma coisa é a cidadania russa. Outra coisa é a nacionalidade. Pode-se nascer em solo russo, mas o que conta é a herança de sangue, que o mesmo é dizer que o que conta é a cultura que se herda transmitida pela família. E é assim que as culturas nacionais são preservadas integralmente através do princípio do jus sanguinis. A Federação Russa é uma mancha dispersa de nacionalidades diferentes. Isso é uma riqueza cultural, mas também exibe potencial para problemas separatistas, como o caso da Chechénia, que iniciou uma guerra pela sua independência da Rússia em 1994. Até hoje, no entanto, se mantém parte dela.

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