segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Jürgen Habermas



Jürgen Habermas [Nascido em 18 de junho de 1929] teórico crítico alemão defensor da racionalidade comunicativa na esfera pública, é um dos filósofos que mais referências teve na viragem para o século XXI. Contrário aos paradigmas do pós-modernismo e pós-estruturalismo do século XX, o pensamento de Jürgen Habermas sofreu uma guinada novamente para o paradigma iluminista, a que ele próprio chamou “projeto iluminista”. Tal propósito consiste em reforçar os princípios da racionalidade do Iluminismo na filosofia política e do direito. Reaviva Immanuel Kant, bem como Hegel e Karl Marx. 

Em “Mudança estrutural da esfera pública” (1962), Habermas definiu a esfera pública como um lugar onde pode acontecer o diálogo racional. Diálogo racional é concebido como racionalidade comunicativa, um conceito que ele elabora em “A teoria da ação comunicativa” (1981). Habermas colocou sua própria teoria em prática, tendo mantido diálogos famosos com defensores de posições ostensivamente opostas às dele. Inseriu nessas conversas Michel Foucault e Jacques Derrida, a quem acusava de um perigoso relativismo com consequências negativas para a ética; e, em 2007, Habermas discutiu a questão da religião com o então cardeal Joseph Ratzinger (1927-), que viria a ser o Papa Bento XVI, partindo de sua posição de “ateísta metodológico” confesso.

Habermas enquanto adolescente, tal como a maior parte dos adolescentes alemães que cresceu durante a Segunda Guerra Mundial, foi integrante da Juventude Hitleriana. Aos quinze anos de idade, viu-se implantado na frente ocidental da Alemanha durante os meses finais de guerra. A suástica era pouco adequada a Habermas, uma vez que suas tendências de esquerda e sua deformidade física (lábio leporino) faziam dele o tipo de pessoa que os nazis gostariam de exterminar.

O Julgamento de Nuremberga que julgou os crimes de guerra da Alemanha forneceu a Habermas uma epifania que resultou em sua campanha para ressuscitar os valores do Iluminismo. Filmagens de documentários revelando as atrocidades dos campos de morte nazis revoltaram Habermas a tal ponto que ele se tornou especialmente focado em qualquer traço de totalitarismo que pudesse resistir na cultura alemã.

Enquanto estudava na Universidade de Bona para obter o doutoramento (1951-54) Habermas encontrou um traço como esse na republicação de 1953 do livro de Martin Heidegger "O que é metafísica?" Nele, Heidegger escreveu: “As obras que estão sendo distribuídas hoje em dia como a filosofia do nacional-socialismo nada têm a ver com a verdade interior e a grandeza desse movimento (ou seja, o encontro entre tecnologia global e homem moderno), mas foram todas escritas por homens pescando nas águas turvas do totalitarismo. Para Habermas (e incontáveis outros), aqui estava o facto perturbador da filosofia alemã: Heidegger era, para muitos, o maior filósofo do século – mas era também um nazi (assim como metade dos professores de filosofia da Alemanha). Lidar com Heidegger tornou-se elemento essencial do projeto de Habermas à medida que ele examinava as ruínas do pensamento alemão. A única esperança para a filosofia alemã, do seu ponto de vista, era promover a democracia liberal baseada no princípio do diálogo. 

Em seu ensaio, Work and Weltanschauung: The Heidegger Controversy from a German Perspective [Trabalho e Weltanschauung: a controvérsia Heidegger de uma perspetiva alemã] (1989), ele observa que a visão de Heidegger da Segunda Guerra Mundial era: Os vitoriosos eram os Estados Unidos e a Rússia, semelhantes em sua essência, que agora dividiam a hegemonia mundial. Portanto, a Segunda Guerra Mundial, na visão de Heidegger, não havia decidido nada de essencial. Este é o motivo pelo qual o filósofo se preparou, após a guerra, para perseverar como um quietista nas sombras de um destino ainda não conquistado. Em 1945, restava para ele somente retirar-se da dececionante história do mundo.

Habermas defendeu a tese The Absolute and History: On the Schism in Schelling’s Thought [O Absoluto e a História: sobre o cisma no pensamento de Schelling] em 1954. Em 1956, tornou-se assistente de Theodor Adorno, uma das cabeças mais brilhantes da Escola de Frankfurt, e deu aulas sobre o programa da Teoria Crítica de pendor marxista. Em 1962, Habermas se tornou “professor extraordinário” (ou seja, um professor sem uma cátedra específica) de filosofia na Universidade de Heidelberg e, em 1964, assumiu a cátedra de filosofia e sociologia em Frankfurt, antes ocupada por Max Horkheimer. Em 1971, tornou-se diretor do Instituto Max Planck, em Starnberg, e trabalhou lá até 1983, quando retornou ao seu cargo em Frankfurt e foi nomeado diretor do Instituto de Pesquisa Social. Ele é ainda professor visitante permanente da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, e Professor Theodor Heuss na The New School, em Nova York. 

O pensamento de Habermas pode ser descrito como amplamente marxista, embora ele talvez seja mais bem entendido como um seguidor de Sócrates. Isso porque, para Habermas, o diálogo é tudo, e, como Sócrates, ele é um defensor do diálogo público. Tendo declarado a sua oposição inicial ao revisionismo do Holocausto, ele adentrou a Historikerstreit (disputa de historiadores) de 1986, na qual historiadores de direita argumentavam que o Holocausto não era excecional – apenas mais um em uma longa lista de massacres europeus. Nesse debate público, travado na imprensa, Habermas desafiou ferozmente tal visão.

Onde críticos como Karl Popper veem em Hegel uma tendência historicista com orientação para o totalitarismo (como em Platão e Marx, na visão de Popper), Habermas, sempre sensível ao veneno da tirania, vê em Hegel o último em uma linha de pensadores iluministas que começou com Kant, e insere-se a si mesmo nessa tradição, tirando de Hegel (como fez com Heidegger) aquilo que lhe parece útil às suas pesquisas. Habermas nunca recorre à ideologia; no entanto, não é avesso a usar ferramentas de análise marxista para dar sentido à situação na qual nos encontramos desde o fim da Guerra Fria e o colapso da União Soviética. Habermas toma emprestadas teorias de intersubjetividade da metafísica e uma compreensão da linguística e das teorias dos atos da fala de J. L. Austin, P. F. Strawson, Stephen Toulmin, John Searle e Ludwig Wittgenstein, de modo a tentar explicar como a comunicação pode acontecer na esfera pública. Ação comunicativa dando a esses temas consideração teórica e prática em estudos de sociologia, direito, política e filosofia.

Habermas, junto com Karl-Otto Apel é o criador da ética do discurso. Trata-se de um programa ambicioso que pretende combinar a ética deontológica de Kant com as exigências da racionalidade comunicativa em suas aplicações práticas, tais como o discurso político – por exemplo, na elaboração de políticas ou tomada de decisões. Com este fim, Habermas propõe o princípio do discurso: “Somente as regras morais que possam ganhar um parecer favorável de todas as pessoas afetadas como participantes de um discurso prático estão aptas a reivindicar validade”. Uma vez que isso tenha sido estabelecido, as bases para a racionalidade comunicativa terão sido lançadas: “Essa explicação do ponto de vista moral privilegia o discurso prático como a forma de comunicação que assegura a imparcialidade do julgamento moral e ao mesmo tempo o intercâmbio universal das perspetivas participantes”. Justification and Application: Remarks on Discourse Ethics [Justificação e aplicação: observações sobre ética do discurso], 1991.

A confrontação de Habermas com Heidegger, e a sua contínua desconfiança de tendências niilistas no pensamento moderno, levaram-no a criticar o pós-modernismo e o pós-estruturalismo como movimentos que haviam abandonado o projeto iluminista baseado na razão e na ciência, em favor de uma série de posições relativistas de valor ético questionável. Em "O discurso filosófico da modernidade" (1985), Habermas confronta Foucault e Derrida. Esperando provocar um diálogo, ele faz uma crítica esmagadora à continuação empreendida por Derrida da filosofia final de Heidegger: “O ser humano como ser dirigido à morte sempre viveu em relação com o seu fim natural. Mas agora é uma questão do fim de sua autocompreensão humanista: no desabrigo do niilismo, não é o ser humano, mas a essência do ser humano que vagueia cegamente.” Na visão de Habermas, a filosofia de Derrida é não somente niilista, mas também destrutiva em última análise: “Heidegger prepara a conclusão de uma época que talvez nunca termine, em um sentido histórico-ôntico. A melodia familiar da autossuperação da metafísica também dita o tom para a empreitada de Derrida; destruição ganha um novo nome: desconstrução.” Derrida respondeu em Is There a Philosophical Language? 

Em janeiro de 2004, quinze meses antes de se tornar papa, o cardeal Joseph Ratzinger iniciou um diálogo escrito com Habermas a respeito do papel da religião na sociedade. Esse diálogo foi publicado em Dialética da secularização: sobre razão e religião (2005). Habermas sempre seguiu a insistência de Hegel sobre o direito da filosofia ao “ateísmo metodológico”, o pressuposto de nada no caminho da crença religiosa. Ele também descreve a si mesmo como aluno de Max Weber, no sentido de que ele é um “surdo tonal na esfera religiosa”. No entanto, o onze de setembro levou Habermas a observar que a sociedade secular precisava de um novo entendimento da convicção religiosa. (Anteriormente, como acontecia provavelmente com a maioria dos filósofos, ele havia considerado a religião um assunto a ser estudado no que dizia respeito a estágios do desenvolvimento humano.)

Em Dialética da secularização, Habermas defende que o Estado secular está fundado na razão prática. Ratzinger, por sua vez, defende que há um fundamento moral pré-político que justifica o Estado. Ele conclui que razão e fé precisam uma da outra: a fé informa a razão para ajudar a raça humana a evitar o tipo de arrogância que leva à criação de armas nucleares ou à visão de pessoas como produtos. Habermas conclui que a existência dos que creem e dos que não creem continuará, e cada um deles deve aceitar este fato sobre o outro. O que ambos os grupos precisam de lidar é: por um lado com a destruição de velhas certezas éticas por parte da ciência; e por outro, com a existência de um novo tipo de terrorismo que exige um diálogo global.

Dois milénios e meio depois que os pré-socráticos buscaram a razão, procurando respostas diferentes daquelas oferecidas pela mitologia, a razão e a religião continuam a debater-se; mas na racionalidade comunicativa de Habermas, e no pensamento filosoficamente sofisticado de Bento XVI, elas podem ser vistas menos como polos opostos e mais como complementares entre si. Todas as tentativas de descoberta de fundamentos últimos para "as coisas" foram goradas. Há agora um novo caminho que se abre para a Sabedoria, sem o rasto dos cadáveres deixados pela filosofia e pela ciência, não se encontrando coberto por certezas nem suposições fundamentais, sejam elas de natureza ontológica ou de abstração transcendental.


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