quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Ludwig Wittgenstein e o golpe de asa de 1,7 toneladas de ouro entregues ao Reichsbank



Quando a Alemanha anexou a Áustria no Anschluss, em 1938, a família vienense Wittgenstein passava a ser uma família de judeus abrangida pelas leis de Nuremberga de 1935.Três dos avós de Ludwig Wittgenstein eram judeus. E os Wittgenstein, como austríacos, também eram por lei cidadãos da Grande Alemanha. A 13 de março de 1938 a Alemanha anuncia oficialmente a anexação da República da Áustria, tornando-a mais uma província do 3º Reich. E a 18 de março de 1938, Ludwig Wittgenstein, estando em Cambridge, no Trinity Colege, escreve uma carta a Keynes pedindo-lhe a opinião, uma vez que passando a ser cidadão alemão, e segundo a lei alemã, seria um judeu alemão. Portanto, tornar-se britânico era agora imperativo.

Wittgenstein começou a investigar a aquisição da cidadania britânica ou irlandesa com a ajuda de Keynes, e aparentemente teve de confessar a seus amigos na Inglaterra que ele já havia deturpado a ascendência com um avô judeu, quando na verdade ele tinha três. Na qualidade de judeu alemão, se fosse agora viajar para a Áustria, poderia não conseguir voltar a sair de lá. O mundo dá muitas voltas, e o Anschluss colocou Wittgenstein face a face com a realidade étnica da sua família, obrigando-o a ter de lidar com nazis de alta patente em Berlim. Ludwig Wittgenstein ficou muito preocupado com a vida das irmãs a viver em Viena, quando Hitler avisou: “se os judeus conseguirem uma vez mais mergulhar as nações numa outra guerra mundial, a consequência será a aniquilação da raça judia na Europa”.

Paul Wittgenstein, irmão mais velho de Ludwig, famoso pianista de uma só mão (havia perdido o braço direito na linha da frente russa da Primeira Guerra Mundial ao serviço da Alemanha), por sua vez, ao ver por onde ia o verão de 1938, decidiu emigrar rumando a Inglaterra antes de ir para os EUA. 
Paul Wittgenstein viajou até Inglaterra para informar Ludwig da situação da família e pedir o seu conselho sobre o local em que deveria instalar-se. O irmão recomendou-lhe a América. Ele partiu tão repentina e silenciosamente que por um tempo as pessoas acreditaram que ele era o quarto irmão de Wittgenstein a ter cometido suicídio. Paul tinha duas filhas pequenas, e receava que as filhas fossem retiradas e educadas pelo Estado nazi. A sua fortuna, a sua família e a sua carreira de pianista, tudo isso pesava no prato da balança. Mas as irmãs - Hermine e Helene - rejeitaram os seus apelos para que o acompanhassem. Em todo o caso, Helene não podia abandonar o marido, Max Salzer, porque estava gravemente doente. 

As Leis de Nuremberg classificavam as pessoas como judeus - Voll Juden - se tivessem três ou quatro avós judeus; e mestiços - Mischling - se tivessem um ou dois. Isso significava que os Wittgenstein estavam abrangidos por essa lei. Foi de Nova Iorque que Paul encetou diligências diplomáticas no sentido de negociar com o 3º Reich a salvação das irmãs em Viena, cujo destino, se tudo corresse mal, poderia acabar em Auschwitz. A família Wittgenstein apoiada por três advogados, um deles incluído por sugestão dos participantes nazis, iniciaram-se as conversações com a Chancelaria do Reich, o Ministério do Interior, e o departamento de divisas estrangeiras do Reichsbank. A base do negócio consistia na transferência para o Reichsbank de uma grande porção de divisas estrangeiras da família guardadas na Suíça.

Ludwig Wittgenstein apenas se tornou súbdito britânico a 12 de abril de 1939. Agora na posse de passaporte britânico, podia finalmente regressar a Viena e daí viajar até Berlim para tentar assegurar o futuro das suas irmãs. A 5 de julho de 1939 viajou até Berlim instalando-se no Grand Hotel Esplanade, perto de Potsdamer Platz (por curiosidade e coincidência, faço aqui um parêntese, para dizer que foi neste Hotel, com outra arquitetura evidentemente, que eu me instalei em agosto de 1989, para frequentar o Congresso Internacional de Imunologia, que nesse ano se realizou em Berlim Ocidental). Na realidade, a partir do momento em que o Reichsbank entrou em ação, os Wittgenstein passaram a negociar diretamente com as autoridades de Berlim. Foi o próprio Hitler quem tomou a decisão final sobre a situação dos Wittgenstein. Os números mostram como era difícil conseguir uma Befreiung. Em 1939 existiam 2100 pedidos de reclassificação racial: o Fürer somente deferiu doze.

O que disse Ludwig Wittgenstein naquela quinta-feira em Berlim, no Reichsbank, 6 de julho de 1939, não se sabe. Apenas a sua irmã Hermine dizia que se orgulhava do modo como ele se comportara, impressionando o chefe da divisão de divisas estrangeiras do Reichsbank, pela sua clareza e a sua precisão nos detalhes. Sabe-se que esteve no dia seguinte em Viena com esta irmã, e que duas semanas depois viajou no Queen Mary até Nova Iorque para se encontrar com o seu irmão, Paul, e o advogado. Sabe-se que ficou no hotel Lexington Avenue, perto do Rockefeller Center. Mais tarde, Ludwig Wittgenstein disse que a única pessoa de que gostara em Nova Iorque fora um rapazito italiano que engraxava sapatos no Central Park e que duas vezes cuidara dos seus. Pagou-lhe o dobro do preço que ele pedira.

A 10 de fevereiro de 1940, o chefe da Reichsstelle für Sippenforschung, Dr. Kurt Mayer, enviou uma carta à divisão de Viena do Partido Nazi, comunicando a decisão tomada sem quaisquer restrições, de que Hermann Wittgenstein, nascido em Korbach a 12 de setembro de 1802, deveria ser considerado como sendo de sangue alemão para efeitos das Leis de Nuremberga. A carta refere uma ordem do Führer e chanceler do Reich. Essa decisão estendia-se aos seus descendentes para que não lhes viesse a causar quaisquer outras dificuldades. Faltava pouco mais de um ano para que as deportações dos judeus austríacos tivessem início em pleno. As irmãs de Wittgenstein - Hermine e Helene - sobreviveram até ao fim da guerra sem voltarem a ser importunadas. Fora, de facto, Ludwig Wittgenstein que dera o golpe de asa final em Nova Iorque quando se encontrou com o irmão para dar por encerrado o negócio. Paul Wittgenstein providenciou então o pagamento ao Reichsbank, nada mais, nada menos, que 1,7 toneladas de ouro – o equivalente a 2% das reservas de ouro austríacas de que Berlim se apoderara em 1939. Uma vez a salvo em Nova Iorque, Paul viria a revelar a sua dureza nas subsequentes negociações. A sua família integrou o grupo dos refugiados itinerantes, refugiando-se em Cuba antes de ser autorizada a juntar-se-lhe em 1941.

O pai de Ludwig Wittgenstein, Karl Wittgenstein, foi um dos empresários mais bem-sucedidos da monarquia do Danúbio. Karl veio de uma família alemã de origem judaica assimilada Meyer-Wittgenstrin, cujas raízes estão na pequena cidade de Laasphe na Renânia do Norte-Vestefália. Nasceu em 1847, sexto de onze filhos de Hermann Christian. Três anos depois, a família mudou-se para Vösendorf, na Baixa Áustria, onde nasceram os seus quatro irmãos mais novos, e para Viena em 1860. Aos onze anos, Karl Wittgenstein tentou, pela primeira vez, fugir de casa e, aos dezassete, deixou a escola após uma ameaça de repreensão: duvidara da imortalidade da alma em um ensaio. Em 1865, com um passaporte que havia comprado a um estudante de Viena com falta de dinheiro, viajou para a América. Levava consigo apenas um violino. Em Nova Iorque trabalhou como empregado e músico de bar, como professor (matemática, alemão, latim, grego e música, violino e trompa) e, finalmente, como timoneiro num barco do canal. Passados dois anos voltou para Viena. E então é a parir daqui que inicia a sua carreira na indústria siderúrgica como desenhador técnico no "laminador Teplitz" no norte da Boémia. Karl casou-se com Leopoldine Kallmus, em 1873, nascida em Viena e descendente de um talentoso pianista de origem judaica de Praga. O casal mudou-se para Teplitz por um ano, e a seguir para uma vila no distrito de Meidling. Depois disso, a família mudou-se para um imponente palácio, conhecido por “Palácio Wittgenstein”, no Alleegasse (hoje Argentinierstraße).

Em 1876 Karl Wittgenstein foi eleito para o Conselho Executivo, e em 1877 nomeado diretor. Poucos anos depois era o principal acionista. Em 1886, Karl Wittgenstein cedeu as suas fábricas de laminação de Teplitz à indústria siderúrgica de Praga, em troca de ações. Em 1889, Karl Wittgenstein finalmente funda a Poldihütte, uma empresa privada em Kladno. Ano do nascimento de Wittgenstein – Ludwig. Numa turbulência em que se viu investigado pelo governo austríaco, devido a práticas comerciais duvidosas, Karl Wittgenstein decidiu retirar-se de todos os seus cargos. Com 52 anos, viajou pelo mundo com a esposa, Leopoldine Kallmus. Além disso, ele vendeu toda a sua propriedade industrial, mas adquiriu em 1899 da Böhler AG a sua propriedade florestal de 5.000 hectares. Transferiu os recursos para a Suíça, Holanda e EUA, onde investiu em imóveis, ações e títulos. Após a morte de Karl Wittgenstein em 1913, houve várias mudanças de propriedade dentro da família. 
Portanto, a sua vasta fortuna sobreviveu à Primeira Guerra Mundial e à Grande Depressão. Desde o início dos anos 30, Hermine Wittgenstein (1874-1950), a mais velha das irmãs era a única proprietária do Palacete, por ser solteira. Durante a Segunda Guerra Mundial, o palácio magnificamente mobilado sobreviveu à guerra quase sem danos. Após a guerra, o palácio foi vendido ao Österreichische Länderbank, que o demoliu na década de 1950 para aí construir um edifício residencial moderno.


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