segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Arcangel (Arkhangelsk) no tempo de Pedro o Grande


Arcangel [Arkhangelsk] é a capital da província de Arcangel na margem da baía do rio Duina, no Mar Branco. Já no século XII se tinha estabelecido ali o mosteiro ortodoxo russo de São Miguel Arcanjo. Arcangel foi fundada oficialmente por Ivã IV, em 1584, com o nome de Novokholmogory, nome que mudou para o atual, em 1613, em honra do vizinho mosteiro.

O porto de Arcangel foi desde a sua fundação o porto mais importante da Rússia até à construção do porto de São Petersburgo, em 1703, por ordem de Pedro o Grande. E daqui resultou, século XVIII, que o porto de Arcangel entrasse em profunda decadência. O comércio pelo Mar Báltico passou a ser preferível ao Mar Branco. Mas Arcangel voltou a florescer no século XIX, ao ficar completa a linha férrea que a ligava a Moscovo. Entre1918 e 1920, durante a Guerra Civil Russa, foi ocupada pelas tropas anglo-americanas. Atualmente continua a ser um importante porto com estaleiros navais e indústria conserveira, apesar de estar coberto de gelo durante os meses de inverno. 




No tempo de Pedro o Grande a enorme massa de terra do império russo contava com um único porto marítimo: Arcangel, no Mar Branco. O único ancoradouro, distante do coração da Rússia, ficava a apenas 200 Km do Círculo Polar Ártico e passava seis meses do ano totalmente congelado. Todavia, apesar de seus inconvenientes, Arcangel era o único local em todo o reino onde o jovem Pedro podia desfrutar da vista de grandes navios e respirar o ar do mar. Nenhum czar jamais havia ido a Arcangel, mas, é claro, nenhum czar jamais se havia interessado por barcos.

Em onze de julho de 1693, Pedro deixou Moscovo a caminho de Arcangel com mais de cem pessoas. A distância que o separava da capital era de mais de 950 Km em linha reta; entretanto, a rota efetiva, passando por estradas e rios, ultrapassava os 1.500 Km. Atravessando o Volga em Yaroslavl, dirigiram-se à agitada cidade de Vologda, o centro de transbordo na região sul, foco dos negócios de Arcangel, onde o grupo embarcou numa frota de grandes e coloridas barcaças preparadas para eles. Dali seguiram pelo rio Suhona até à junção com o rio Duina e, dali, seguiram a norte pelo próprio Duina até Arcangel.

O porto de Arcangel não ficava exatamente na costa do Mar Branco. Estava situado a 50 Km na subida de um rio, onde o gelo se formava ainda mais rapidamente do que na água salgada do oceano. De outubro a maio, o rio que cortava a cidade permanecia congelado e duro como aço. Entretanto, na primavera, quando o gelo começava a derreter na encosta do Mar Branco e depois nos rios, Arcangel começava a se agitar. As barcaças carregadas no interior da Rússia com peles, cânhamo, gordura, trigo, caviar e potassa seguiam em fila infinita a caminho do Norte pelo Duina. Ao mesmo tempo, os primeiros navios mercantes de Londres, Amsterdão, Hamburgo e Bremen, escoltados por navios de guerra para se protegerem dos corsários franceses itinerantes, forçavam o seu caminho através dos blocos de gelo derretendo ao redor do Cabo Norte, a caminho de Arcangel. Traziam tecidos de lã e algodão, seda e renda, objetos de ouro e de prata, vinhos e compostos químicos para o tingimento de tecido. Em Arcangel, durante os agitados meses de verão, até cem navios estrangeiros podiam ser vistos parados no rio, descarregando as mercadorias ocidentais e carregando produtos russos.



Porto de Arcangel em 1896

Durante o verão em Arcangel, os dias eram freneticamente agitados, mas, mesmo assim, a vida era prazerosa para os estrangeiros. No final de junho, era dia durante 21 horas, e as pessoas dormiam pouco. A cidade era esplendidamente abastecida com peixe fresco e carne de caça. O salmão era trazido do mar para ser defumado ou salgado e enviado para a Europa ou para o interior, mas havia mais do que suficiente para ser consumido fresco em Arcangel. Os rios estavam repletos de peixe, incluindo perca, lúcio e pequenas enguias. Os frangos e veados selvagens eram numerosos e baratos, e uma perdiz de grande tamanho podia ser comprada por dois centavos ingleses. Havia lebres, patos e gansos. Como muitos navios chegavam da Europa, cerveja holandesa e vinho e conhaque franceses eram abundantes, embora os impostos de importação russos os encarecessem. Havia uma sede da Igreja Holandesa Protestante, e outra luterana. .

Para um jovem como Pedro, hipnotizado pelo mar, tudo ali o fascinava: o oceano se estendendo até ao horizonte, o cheiro da água salgada, das cordas e do alcatrão em torno do cais, a imagem de tantos navios no ancoradouro, os enormes cascos de carvalho, os mastros altos e as velas enroladas, a agitação das pequenas embarcações cruzando a enseada.  
Pedro podia ver a maioria da atividade no porto da casa que havia sido preparada para ele na ilha MoiseevUm comboio de mercadores holandeses e ingleses estava partindo para a Europa. Pedro, a bordo do São Pedro, os acompanharia pelo mar Branco até ao oceano Ártico. Com o vento e a maré favoráveis, os navios subiram a âncora, desenrolaram as velas e seguiram pelo rio, passando por dois pequenos fortes que guardavam a aproximação do mar. Ao meio-dia, pela primeira vez na história, um czar russo estava em águas salgadas. Conforme as colinas e florestas tornavam-se menores na distância, Pedro se viu cercado apenas pelo tremular das ondas, pelos navios subindo e descendo na água verde-escura do Mar Branco, pelo estalar da madeira e pelo assobiar do vento contra a tripulação.

Pedro não tinha intenção de deixar Arcangel até a esperada frota de mercadores holandeses chegar de Amsterdão. Da janela de sua casa na ilha Moiseev, podia ver os navios chegando e partindo pelo rio. Ansioso, embarcava e inspecionava cada embarcação no porto, lançando perguntas durante horas aos capitães, subindo nos mastros para estudar as velas e examinando a construção dos cascos. A Holanda tornou-se a paixão de Pedro, e ele andava pelas ruas de Arcangel usando a roupa de um capitão da marinha holandesa. Passava tempo nas tavernas, fumando um cachimbo de barro e esvaziando garrafa após garrafa acompanhado de capitães holandeses que haviam navegado com os lendários almirantes Tromp e de Ruyter. Com Lefort e seus camaradas, participava de infinitos jantares e bailes nas casas de mercadores estrangeiros. 

Em meados de setembro, o comboio de comerciantes holandeses chegou. Pedro lhes deu as boas-vindas e, ao mesmo tempo, despediu-se de Arcangel em uma enorme celebração organizada por Lefort, com banquetes que duraram uma semana, bailes e salvas de artilharia dos fortes e navios ancorados. O retorno a Moscovo foi lento. Agora as barcaças seguiam rio acima, levadas não por animais, mas por homens puxando cordas ao longo da encosta. Enquanto os barqueiros se esforçavam e as barcaças seguiam lentamente, os passageiros saíam e caminhavam pelo limite da floresta, às vezes caçando patos e pombos para o jantar. Sempre que a flotilha passava por uma vila, o padre e os habitantes iam até a barcaça real para presentear o czar com peixes, groselhas, frangos e ovos frescos. Às vezes, parados nas barcaças durante a noite, os viajantes avistavam um lobo na margem. Quando chegaram a Moscovo, em meados de outubro, a temporada de neve já se tinha iniciado em Arcangel. O porto estava fechado para o inverno. Na primavera de 1694, Pedro retornou a Arcangel. Dessa vez, 22 barcaças foram necessárias para carregar rio abaixo as trezentas pessoas que compunham sua comitiva. As barcaças também carregavam 24 canhões para os navios, mil mosquetes, muitos barris de pólvora e ainda mais barris de cerveja. Pedro decidiu passar o tempo visitando o Mosteiro Solovetski, que ficava em uma ilha do mar Branco.

 Na noite de dez de junho, embarcou no São Pedro, levando consigo o arcebispo Afanásio, alguns camaradas e um pequeno grupo de soldados. Eles partiram com a maré, mas, na embocadura do Duina, a brisa cessou, e somente no dia seguinte o grupo conseguiu navegar, com o vento refrescante, em direção ao mar Branco. Durante o dia, o céu escureceu e o vento se tornou mais forte. A cerca de 12 Km de Arcangel, um vendaval abateu-se sobre a pequena embarcação. Pedro se apoiou no leme em meio ao vento e às ondas, recebeu a extrema-unção, mas não perdeu as esperanças. Cada vez que a embarcação subia em uma grande onda e descia novamente, Pedro lutava com o timão, tentando manter a proa na direção do vento. Sua determinação surtiu efeito. O piloto se arrastou até Pedro e gritou em seu ouvido que eles deveriam tentar chegar ao porto do Golfo de Unskaia. Com o piloto ajudando-o ao leme, eles manobraram por uma passagem estreita e chegaram ao porto. Por volta do meio-dia de doze de junho, depois de 24 horas de terror, o pequeno iate ancorou nas águas calmas do pequeno Mosteiro Pertominsk. Fora do ancoradouro, o temporal se estendeu por mais três dias. No dia dezesseis, o vento diminuiu e Pedro voltou a velejar a caminho do Mosteiro Solovetski, o mais famoso no norte da Rússia, onde passou três dias agradando os monges com suas devoções diante das relíquias sagradas. Seu retorno a Arcangel ocorreu em águas calmas e a chegada foi saudada com júbilo pelos amigos ansiosos que sabiam da tempestade e temiam pela vida deles.

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