quinta-feira, 20 de julho de 2023

O tempo em que Roma passou a Império com pirataria à mistura


A pirataria foi traço marcante da vida no Mediterrâneo durante a maior parte da Antiguidade Clássica. Quando havia reinos com poderosas marinhas, os piratas eram normalmente reduzidos a um mínimo e até, por curto período, erradicados. Contudo, quando Roma derrotou a Macedónia e o Império Selêucida, aliado ao inexorável declínio do Egito Ptolemaico, deu fim às armadas que tinham controlado a pirataria no Mediterrâneo. Muitas das comunidades costeiras da Ásia Menor, especialmente na Cilícia, em Creta e em ilhas menores, começaram a fazer incursões marítimas que propiciavam altos lucros no saque e no pagamento de resgates, uma adição bem compensatória dada as magras receitas da pesca e da agricultura. 
A propagação da pirataria foi estimulada quando Mitrídates, do Ponto, deu aos chefes piratas dinheiro e navios de guerra para auxiliá-lo na sua guerra contra Roma. Apesar de virem de muitas comunidades diferentes, e de não possuírem hierarquia política, os piratas raramente lutaram entre si e, quase sempre, enviavam forças ou dinheiro para auxiliar seus pares sob ameaça. 

Em 74 a.C., o Senado de Roma enviou o pai de Marco António para combater os piratas. Para isso, recebeu amplos poderes e consideráveis recursos. Mas dada a sua inabilidade foi malsucedido, tendo sido derrotado numa batalha naval travada nas costas de Creta em 72 a.C.. Ele morreu pouco depois da sua derrota, e, em 69 a.C., o cônsul Quinto Cecílio Metelo foi enviado para derrubar as fortalezas de Creta. Ele demonstrou ser um comandante competente, mas a campanha envolvia sitiar uma cidade murada após outra, e o progresso foi lento. Apesar do seu sucesso, o problema provocado pelos piratas tornou-se ainda pior, e, uma ocasião, dois pretores foram sequestrados juntamente com os seus lictores. Toda a sua escolta foi atacada quando viajavam pela região costeira da Itália, ao passarem pela cidade de Ostia.

Júlio César (100 a.C. - 44 a.C.) enquanto jovem foi apenas um dos romanos proeminentes a ser tomado como refém e a ter de pagar resgaste aos piratas. Viajar tornava-se difícil. O comércio começou a ser afetado. A população da Itália e, em especial, da cidade de Roma, precisava de mais produtos para além do que produzia localmente. Dependia maciçamente da importação de cereais da Sicília, do Egito e do norte da África. As atividades dos piratas começaram a afetar essa linha de abastecimento, o que tornava os preços dos produtos incomportáveis.

Em meados da década de 60 a.C., Pompeu (106 a.C. - 48 a.C.) juntou-se a Crasso e a Júlio César na aliança político/militar extraoficial conhecida como Primeiro Triunvirato. Esta aliança foi selada com o casamento de Pompeu com Júlia, a filha de Júlio César. A aliança entre Pompeu e Crasso não durou muito, e o mandato de ambos não produziu nada de significativo. Pompeu cumpriu a promessa de restaurar o poder dos tribunos, retirando as restrições que Sula havia estabelecido durante o seu mandato. Como os dois cônsules tinham concluído uma guerra bem-sucedida, nenhum demonstrou desejo de tomar uma província após a conclusão do seu ano no cargo. Pompeu havia, agora, conferido legitimidade política à sua riqueza e ao seu prestígio e estava satisfeito, naquele momento, com a posição que conquistara, a de um dos membros mais proeminentes do Senado. Logo descobriu, como havia acontecido com Cipião Africano, que a juventude passada no campo de batalha e à frente do exército não lhe tinha dado tempo para adquirir uma educação formal necessária para lidar com a política em Roma.

No começo do seu consulado, Pompeu pedira a Marco Terêncio Varro, descendente do homem que perdera a Batalha de Canas, sábio notável que escrevera vários estudos abrangentes, que lhe preparasse um manual sobre os procedimentos e convenções senatoriais. Agora que não podia mais exigir obediência nem derrotar seus oponentes em batalha, Pompeu encontrou dificuldades em conseguir o que queria ao transformar o seu prestígio e riqueza em influência política real. Crasso usou o seu dinheiro, com grande habilidade, emprestando-o a muitos senadores que lutavam para atingir os altos cargos da carreira política, e, com o tempo, conseguiu que a imensa maioria do Senado lhe ficasse nas mãos. 

Pompeu não tinha nem experiência, nem instinto para o uso de estratagemas a fim de subir as escadas da elite. Sua oratória era medíocre e, conforme o tempo corria, ele ficava cada vez menos no Senado e raramente intervinha a favor de quem quer que fosse nos tribunais. Muito sensível a críticas e hostilidades, preferiu evitar qualquer dano ao seu prestígio afastando-se da vida pública. Entretanto, os anos iam passando e alimentando o ritmo da sua frustração. Os grandes feitos que realizara não lhe garantiram a proeminência que acreditava merecer. Como Mário, percebeu que a adulação do povo apenas durava enquanto voltasse periodicamente à cidade vitorioso do campo de batalha. Enquanto estivesse travando uma grande guerra conseguia eclipsar verdadeiramente o restante Senado. Assim, Pompeu teve de procurar outra guerra importante a travar. A oportunidade surgiu em 67 a.C. A escassez de trigo tornou-se crítica e o tribuno Aulo Gabínio propôs a recriação da grande província. De início, Gabínio não pensou em Pompeu, a pessoa obviamente mais qualificada para receber tal comando. Mas já havia uma forte ligação entre os dois homens. Segundo Cícero, Gabínio estava muito endividado, e Pompeu aproveitou para conquistar o apoio de Gabínio ajudando-o financeiramente. A Lex Gabinia foi aprovada pela Assembleia Popular e Pompeu recebeu o imperium proconsular não apenas do Mediterrâneo, mas também de uma margem de 80 Km da costa até ao interior. Não está bem claro se seu imperium era igual ou superior ao dos outros procônsul, mas era provavelmente superior.

Para assisti-lo, Pompeu recebeu 24 legados. Todos tinham exercido um comando militar no passado ou, pelo menos, haviam sido pretores. Cada qual auxiliado por dois questores. Suas forças viriam a constituir uma armada de 500 navios de guerra, apoiada por um exército composto por uma infantaria de 120 mil homens e uma cavalaria de 5 mil cavaleiros, além de dinheiro e recursos em alimentos e outros materiais essenciais para manter tal força. Muitas dessas tropas não eram, provavelmente, bem treinadas e disciplinadas, mas arregimentadas à pressa entre a população local. Apesar da vasta escala, essa seria uma ação essencialmente policial. Pompeu precisava de grande quantidade de soldados de modo a poder pressionar os piratas em todas as direções simultaneamente. Apenas uma pequena fração das suas forças deveria enfrentar combates árduos.

Foi o prestígio de Pompeu que garantiu que tantos recursos fossem colocados à sua disposição, um comando sem precedentes em termos daquela escala. De maneira surpreendente, os tribunos conferiram-lhe poderes de cônsul durante este mandato. Apenas uma minoria de generais tinham tal apoio popular suficiente para subverter o comum processo senatorial de alocação de províncias e recursos, como foi dado a Pompeu. A fé que o povo tinha nele era tanta que o preço dos cereais no Fórum caiu logo que ele foi nomeado. Mesmo os muitos senadores - que eram relutantes em conceder tantos poderes a um único homem, tanto mais um homem cujo prestígio e riqueza suplantavam o de todos os seus rivais - parecem ter reconhecido que essa era a melhor maneira de enfrentar o flagelo da pirataria. Os legados de Pompeu formavam um grupo muito distinto, constituído basicamente de homens vindos de famílias nobres, tradicionais e estabelecidas.

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