terça-feira, 25 de julho de 2023

Utensílio encontrado na garganta de Olduvai, Tanzânia, com 2 milhões de anos





Esta pedra trabalhada, que está no Museu Britânico, era uma ferramenta de corte, um dos objetos mais antigos que os seres humanos produziram de forma consciente. Esta pedra lascada da África — onde hoje fica a Tanzânia — é o começo de tudo.

Em 1931, um jovem arqueólogo, chamado Louis Leakey, partiu numa expedição patrocinada pelo British Museum com destino à garganta de Olduvai, uma fenda profunda na savana do norte da Tanzânia, não muito longe da fronteira do Quénia. Ela faz parte do vale do Rift, no Leste da África, um imenso rasgão na superfície da Terra com milhares de quilómetros de comprimento. Foi em Olduvai que Leakey examinou camadas de rochas expostas que agem como uma série de cápsulas do tempo. Leakey alcançou uma camada em que as pedras eram moldadas também por algo mais: mãos humanas. Elas foram encontradas ao lado de ossos, e era óbvio que tinham sido transformadas em utensílios para cortar carne e quebrar ossos de animais mortos na savana. Em seguida, indícios geológicos estabeleceram, sem sombra de dúvida, que a camada em que os utensílios foram encontrados tinha mais ou menos dois milhões de anos.

As escavações de Leakey apresentaram os mais antigos objetos produzidos pelo homem de que se tem notícia em qualquer parte do mundo, em qualquer época, e demonstraram que não apenas os seres humanos tinham origem na África, mas a cultura humana também. Esta ferramenta de corte feita de pedra foi um dos objetos que Leakey encontrou. Ao pegá-lo, a primeira reação é achá-lo muito pesado, e é claro que o peso dá potência ao golpe. A segunda é perceber que cabe sem dificuldade na palma da mão, e numa posição em que um ângulo afiado vai do dedo indicador ao punho. Os primeiros humanos a usarem utensílios de corte como este provavelmente não eram caçadores, mas oportunistas brilhantes: esperavam que leões, leopardos ou outros animais matassem suas presas e então entravam em cena com suas ferramentas de corte, garantiam a carne e o tutano e levavam como prémio a proteína. Gordura de tutano é bastante nutritiva — combustível não apenas para a força física, mas também para um grande cérebro. O cérebro é um mecanismo extremamente faminto de energia. Embora corresponda a apenas 2% do peso do corpo, consome 20% de toda a energia que ingerimos e requer alimentação constante.

Nossos ancestrais de quase dois milhões de anos atrás garantiam o futuro dando ao cérebro o alimento de que ele precisava para crescer. Quando predadores mais fortes, mais rápidos e mais ferozes descansavam à sombra depois de matar suas presas, os humanos primitivos podiam sair à procura de comida. Usando ferramentas como esta para obter tutano, a parte mais nutritiva da carcaça, deram início a um antigo círculo virtuoso. Esse alimento para o corpo e para a mente significava que os indivíduos mais astutos, de maior cérebro, sobreviveriam para gerar crianças de cérebro maior, capazes, por sua vez, de fabricar utensílios mais complexos.

O cérebro humano continuou a evoluir durante milhões de anos. Um dos mais importantes avanços foi ficar assimétrico à medida que passava a lidar com todo um novo conjunto de diferentes funções: lógica, língua, os movimentos coordenados necessários para fabricar ferramentas, imaginação e pensamento criativo. Os hemisférios esquerdo e direito do cérebro humano adaptaram-se para se especializar em diferentes habilidades e tarefas — bem diferente do que ocorreu com o cérebro dos macacos, que continua não apenas menor, mas simétrico. Esta ferramenta de corte representa o momento em que nos tornamos distintamente mais espertos, movidos por um impulso não só de fazer coisas, mas também de imaginar como “melhorar” as coisas.

Este objeto está na base de um processo que se tornou quase obsessivo entre os seres humanos. É algo criado a partir de uma substância natural com um propósito específico, e, de certa maneira, quem fez o objeto tinha uma noção do que era preciso fazer. Aquelas lascas extras no gume da ferramenta de corte revelam que, desde o início, nós — ao contrário de outros animais — sentimos o desejo de fazer coisas mais sofisticadas do que o necessário. Objetos transmitem poderosas mensagens sobre quem os produz, e a ferramenta de corte é o começo de uma relação entre os seres humanos e as coisas que criaram.

A partir do momento em que nossos ancestrais começaram a fabricar ferramentas como esta, ficou impossível para as pessoas sobreviver sem os objetos que produzem; nesse sentido, fabricar coisas é o que nos torna humanos. As descobertas de Leakey na terra quente do vale do Rift tiveram como resultado mais do que simplesmente obrigar os humanos a recuar no tempo: deixaram claro que todos nós descendemos desses ancestrais africanos e que cada um de nós é parte de uma gigantesca diáspora africana — todos trazemos a África nos genes, e todas as nossas culturas começaram ali.

As informações de que dispomos nos dizem que viemos de algum ponto no Leste da África. De tão acostumados que estamos a ser divididos por fronteiras étnicas, seguindo fronteiras raciais, e a procurar razões para sermos diferentes uns dos outros, deve ser surpreendente para alguns perceber que o que nos diferencia é quase sempre muito superficial, como a cor da pele, a cor dos olhos, a textura do cabelo, mas que, essencialmente, todos viemos do mesmo tronco, temos a mesma origem.


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