quinta-feira, 7 de abril de 2022

casus belli



Jus ad bellum é um conjunto de critérios que devem ser consultados antes de entrar em guerra para determinar se é permitido entrar em guerra, ou seja, se será uma guerra justa. Isso é distinto do conjunto de regras que devem ser seguidas durante uma guerra, conhecido como jus in bello. São Tomás de Aquino é um dos primeiros filósofos a discorrer sobre o que faz uma guerra justa. Sua lista de critérios visava proteger civis e garantir que as guerras não fossem apenas travadas pelo interesse de partidos privados.

Após a Paz de Vestfália, que acabou com a Guerra dos Trinta Anos, os estudiosos tentaram encontrar uma maneira de controlar a guerra interestadual, respeitando a soberania do Estado. Foi só na formação das Nações Unidas após a Segunda Guerra Mundial que as noções de jus ad bellum foram formalizadas.

Na terminologia bélica, casus belli é uma expressão latina para designar um facto considerado suficientemente grave pelo Estado ofendido, para declarar guerra ao Estado supostamente agressor. São tradicionalmente considerados casus belli o ataque predatório ao território de um Estado, efetuado por outro Estado; a agressão armada contra navios ou aeronaves, ou atos que molestem órgãos representativos do Estado, como embaixadas ou consulados, e ainda infrações a tratados. O art. 33 do Estatuto das Nações Unidas prescreve que havendo dissídio entre dois ou mais Estados devem estes, visando a evitar o agravamento do conflito, buscar soluções pacíficas na mediação, arbitragem e outros meios pacíficos de composição.

O termo foi amplamente utilizado nos séculos XVII e XVIII por meio dos escritos de Hugo Grócio (1653), Cornelius van Bynkershoek (1707) e Jean-Jacques Burlamaqui (1732), entre outros, e devido ao surgimento da doutrina política de jus ad bellum ou "teoria da guerra justa". O termo também é usado informalmente para se referir a qualquer "causa justa" que uma nação pode reivindicar para entrar em um conflito. É usado retrospectivamente para descrever situações que surgiram antes que o termo se tornasse amplamente usado, bem como situações atuais, incluindo aquelas em que a guerra não foi formalmente declarada.

Proschema (plural proschemata) é o termo grego equivalente, popularizado pela primeira vez por Tucídides em sua História da Guerra do Peloponeso. Os proschemata são as razões declaradas para travar a guerra, que podem ou não ser as mesmas que as verdadeiras razões, que Tucídides chamou de profase (πρóφασις). Tucídides argumentou que há três razões principais, as reais razões para travar a guerra: medo, honra e interesses. Ao passo que as razões declaradas são outras: nacionalismo; e fomentar o medo com razões contrárias ao medo que a provocou.

Vejamos, por exemplo, o caso dos zulus. Em suas origens, os zulus levavam uma vida tranquila e pastoril. O povo nguni, de onde surgiram, eram criadores de gado que tinham migrado do norte distante para o sudeste africano no século XIV. Um excerto de uma descrição feita por náufragos europeus: “Em suas relações uns com os outros, civis polidos e conversadores saúdam-se mutuamente, sejam homens ou mulheres, jovens ou idosos, sempre que se encontram. Eram gentis com os estrangeiros, que podiam viajar em perfeita segurança por seu território, desde que tomassem a precaução de não carregar ferro ou cobre, tão raros que incentivavam o assassinato, e eram notavelmente obedientes à lei, em particular nas relações pessoais. Desconheciam a escravidão, a vingança e as disputas eram levadas ao chefe, cuja palavra era aceite sem um murmúrio”.




O casus belli entre os zulus era em geral uma disputa sobre o pastoreio, recurso essencial numa sociedade em que o gado era provavelmente mais numeroso em que a gente e o perdedor acabavam numa terra nova e mais pobre. Como é típico dos povos primitivos que vivem em regiões pouco povoadas, o resultado não era o ostracismo. As batalhas tendiam a ser ritualizadas, conduzidas sob o olhar de jovens e velhos, começando com uma troca de insultos e terminando quando se provocassem baixas. Havia limites naturais e costumeiros ao nível da violência: tendo em vista que os metais eram escassos, as armas eram feitas de madeira endurecida no fogo, atirada em vez de usada no corpo-a-corpo; e, se um guerreiro matasse um oponente, estava obrigado a deixar imediatamente o campo de batalha e submeter-se à purificação, caso contrário o espírito da vítima iria certamente trazer uma doença fatal para ele e sua família.

De repente, em poucas décadas do início do século XIX, esse estilo tipicamente “primitivo” de guerrear foi substituído. Uma pequena tribo nguni, formou um exército de regimentos disciplinados, mas brutais, que travavam batalhas de aniquilação. Seu reino zulu tornou-se uma potência no Sul da África, reduzindo seus inimigos a tribos fugitivas, que vagaram por centenas de quilómetros, mergulhadas no caos da desorganização social, em busca de algum refúgio. A verdade é que as condições benevolentes de que gozavam os ngunis do Norte em sua fase pastoril idílica tinham mudado para pior no final do século XVIII. Os rebanhos, pelos quais os ngunis mediam a riqueza, tinham crescido demais para a quantidade de pastagem “doce” existente. A oeste, erguia-se a imensa barreira da Drakensberg, em cujas proximidades havia pastagens “amargas” inadequadas para uma economia pastoril. Ao norte, o cinturão da mosca tsé-tsé sobre o rio Limpopo impedia a expansão naquela direção. A introdução do milho, trazido da América no século XVI, levara a um aumento da população dos ngunis do Sul e, ainda mais ao sul, os Bóeres da Cidade do Cabo bloqueavam, com armas de fogo e determinação, qualquer oportunidade de avançar naquela direção. A leste, estava o mar.

A ascensão do reino zulu teve repercussões da fronteira colonial do Cabo até ao lago Tanganica. Todas as comunidades de aproximadamente um quinto do continente africano foram profundamente afetadas e muitas foram completamente desintegradas. Esses efeitos nefastos do imperialismo zulu ficaram conhecidos como a Difaqane, “migração forçada”. Em 1824, a maior parte do território entre os rios Tukela e Mzimkhulu, entre a Drakensberg e o mar, estava devastada. Milhares de pessoas haviam sido mortas, muitas haviam fugido para o norte e outras haviam sido absorvidas pela nação zulu. Em Natal, a vida comunitária organizada praticamente acabou.

Os zulus acabaram por adquirir armas de fogo, mas não conseguiram adaptar as suas táticas às novas armas, persistindo nos ataques em massa com a lança de estocar, sua velha maneira de alcançar a supremacia no campo de batalha. A cultura zulu, ao dar destaque aos valores guerreiros, ao ligar esses valores à preservação de uma economia pastoril e ao prender a energia e a imaginação dos membros mais dinâmicos da comunidade numa servidão militar estéril até bem depois da maturidade, negou a si mesma a chance de evoluir e adaptar-se ao mundo circundante.


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