quinta-feira, 22 de setembro de 2022

O novo historicismo



O novo historicismo é uma corrente que é atribuída aos estudos culturais e literários dos departamentos de humanidades das universidades dos Estados Unidos baseada na premissa de que uma obra literária deve ser considerada como o produto de uma época, de um lugar e das circunstâncias políticas, geográficas, sociais e económicas aquando da sua composição. Desenvolveu-se a partir da década de 1980 depois da 'Crítica' que propunha a separação do texto de seu autor e rejeitava a análise da obra a partir de contextos sociais ou culturais. Nesta crítica o texto devia ser analisado como objeto em si mesmo. O novo historicismo provocou transformações específicas sobre a prática da história literária tais como a modificação no conceito de Arte.

O novo historicismo rejeita o caráter inalterável dos processos históricos, acreditando na agência do indivíduo sobre eles, e se detém sobre os limites dessa atuação individual. Para o novo historicismo, interferências que parecem ser únicas podem ser múltiplas a partir do poder de associação das ações individuais sobre a energia coletiva e social. Em segundo lugar, o novo historicismo é contrário à ideia de que o historiador deve negar todos os juízos de valor ao analisar outras épocas. Em sua perspetiva, a análise histórica, seja por analogia ou causalidade, não está isenta de juízos de valor, assim como a neutralidade também assume um caráter político. Por fim, os críticos ligados ao novo historicismo mostram-se mais interessados em conflitos e contradições geralmente associadas às margens da história, e que hoje em dia ocupam grande parte da programação de entretenimento mediático. Desta forma, é sobre as fronteiras da compreensão histórica e a ressonância do objeto histórico que o novo historicismo se atém, procurando, assim, entender a rede de circunstâncias que o envolvem.

O novo historicismo desenvolveu-se a partir da década de 1980, nos Estados Unidos a partir do trabalho de Stephen Greenblatt e da escola da Califórnia em Berkeley, tendo expandido a sua influência na década seguinte. Na sua obra Renaissance Self-Fashioning: From More to Shakespeare (1980), Greenblatt concentra e aplica a sua visão ao Renascimento Isabelino contemporâneo às obras de Shakespeare como espelho efetivo da realidade histórica seiscentista. A História e todos os eventos relevantes, do ponto de vista literário, que decorreram no seu curso, apenas podem ser totalmente compreendidos tendo em consideração a cultura e o contexto social dessa época e lugar, das estruturas ideológicas e de poder vigentes. H. Aram Vesser, na sua obra The New Historicism (1989), sintetizou alguns conceitos nos quais se baseia o discurso do novo historicismo: 1) Cada ação humana é, na verdade, o efeito de uma rede de práticas materiais; 2) Cada ato de crítica, oposição e desmistificação utiliza as ferramentas que ele mesmo condena, arriscando tornar-se presa do mesmo problema que expõe; 3) Textos literários e "não-literários" têm, ambos, valor; 4) Nenhum discurso, seja científico ou não, permite aceder a verdades incontestáveis, nem exprime algo inalterável na natureza humana; 5) O método crítico e uma linguagem adequada para descrever a cultura capitalista participam na economia que eles mesmos descrevem.

As ideias do novo historicismo foram adaptadas e reestruturadas por filósofos como Michel Foucault, que concebia a História como uma circulação dinâmica de "epistemes" (o a priori histórico que baseia o conhecimento e o discurso) adjacentes ao texto; e pelo antropólogo Clifford Geertz, que criou o conceito de "descrição densa", que explica não só o comportamento humano, mas também o seu contexto e relevância face aos outros. Para Geertz, a única forma de estudar a conduta humana dentro do seu contexto sociocultural, é através da experiência e da observação, sendo efetuada "camada por camada", desde o mais claro ao menos óbvio. Os novos historicistas compartilham com as correntes neomarxistas a rutura com os princípios formalistas, que definem os textos como um artefacto autónomo ao qual se nega a sua historicidade, bem como as suas circunstâncias e condicionantes, como por exemplo a classe social. No entanto, o novo historicismo, apesar de relacionado com as teorias de Karl Marx e sucessores, não é uma corrente dependente de uma visão puramente neomarxista. Os críticos ao novo historicismo, sendo os mais relevantes Camille Paglia e Harold Bloom, apontam a falta de historiografia e posições excessivamente relativistas. 

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Historicismo é uma forma de abordagem dos fenómenos culturais que se centra na importância da história para a compreensão destes. Constitui a base de uma visão de mundo fundamentada na noção de que as configurações do mundo humano, num dado momento, sempre são resultado de processos históricos de formação passíveis de serem mentalmente reconstruídos e, portanto, compreendidos. Assim, contraria a ideia de existência de leis gerais para a compreensão dos fenómenos políticos, sociais e culturais.

A perspetiva historicista surgiu na Europa ocidental na segunda metade do século XVIII, sendo decisiva para a configuração da História como ciência. Ao longo do século XIX e até às primeiras décadas do século XX, o historicismo teve forte impacto social, sobretudo na Alemanha, cujos pensadores iluministas são suas principais influências, embora também se valha das ideias de pensadores britânicos e franceses. Pode ser entendido como uma reação à crise das sociedades europeias frente aos impactos da Revolução Francesa. A partir do século XX, diferentes contestações sobre a visão de mundo historicista se destacaram e compuseram aquilo que foi denominado como crise do historicismo. Um viés relativista de acreditar na objetividade do conhecimento histórico livre de interferências de valores pré-concebidos.

Wilhelm Dilthey colocou em relevo o primado da razão histórica em oposição à razão científica. Os historicistas, em sua maioria, acreditam existir uma razão ainda mais profunda para explicar porque os métodos da ciência física não podem ser aplicados às Ciências Sociais. Afirmam que a Sociologia não deve proceder de maneira atomística, mas segundo o prisma que é, agora, denominado “holístico”. Os objetos da Sociologia, os grupos sociais, nunca hão de ser encarados como simples agregados de pessoas. O grupo social é mais que a mera soma de seus elementos e é também mais do que a simples soma das relações puramente pessoais que, em dado momento, existem entre quaisquer de seus elementos. Isso ilustra o que se pretende dizer ao afirmar que um grupo tem história própria e que sua estrutura depende, em grande margem, de sua história. É o caso de certas organizações que preservam a sua característica fundamental num outro tempo em que os seus elementos já são outros que não os iniciais. As personalidades dos membros exercem funda influência sobre a história e a estrutura do grupo, mas esse facto não impede o grupo de ter história e estrutura próprias, nem impede o grupo de influenciar poderosamente as personalidades de seus membros. Todos os grupos sociais têm tradições, instituições e ritos próprios.

O historicismo aconselha-nos a estudar a história, as tradições e as instituições do grupo, caso desejemos compreendê-lo e explicá-lo tal como agora se apresenta e se quisermos compreender e talvez antecipar o seu futuro desenvolvimento. O caráter holístico dos grupos sociais, o facto de esses grupos nunca se verem inteiramente explicados em termos de mera junção de seus elementos lança luz sobre a distinção que os historicistas fazem entre novos conhecimentos em física e novos conhecimentos em relação à vida social. A Física busca explicação causal; a Sociologia, a compreensão do propósito e do significado. Em Física, os eventos são explicados rigorosa e quantitativamente com o auxílio de fórmulas matemáticas; a Sociologia tenta compreender os desenvolvimentos históricos em termos preferentemente qualitativos, como, por exemplo, em termos de tendências e objetivos que conflituam, ou em termos de “caráter nacional” ou de “espírito da época”. Daí por que a Física opera com generalizações indutivas, ao passo que a Sociologia só pode operar com o auxílio da imaginação simpática. Daí também por que a Física pode alcançar uniformidades universalmente válidas e explicar os eventos particulares como instâncias dessas uniformidades, ao passo que a Sociologia há de contentar-se com a compreensão intuitiva de eventos únicos e do papel por eles desempenhados em situações particulares que se dão no seio de específicos conflitos de interesses, de tendências e de orientações.

Vemos, pois, que um método capaz de permitir compreensão do sentido dos eventos sociais há de penetrar muito para além da explicação causal. Deve ser de caráter holístico; ter por objetivo a determinação do papel desempenhado pelo evento no seio de uma estrutura complexa – no seio de um todo que abrange não apenas elementos contemporâneos, mas também estágios sucessivos de um desenvolvimento temporal. O método da compreensão intuitiva não se acomoda apenas às ideias de holismo. Põe-se em concordância, ainda, com a ênfase que os historicistas emprestam à novidade, pois a novidade não pode ser causalmente ou racionalmente explicada, mas há de ser intuitivamente apreendida.

Nas primeiras décadas do século XX, principalmente após a publicação do O historicismo e seus problemas, em 1922, por Ernst Troeltsch, e de Historicismo, em 1924, por Karl Mannheim, houve um resgate da avaliação positiva em relação ao historicismo fundamentada no reconhecimento da importância do pensamento historicista para a compreensão da historicidade da vida humana, que libertava a ciência histórica das conceções matemáticas e naturalistas da época. Troeltsch tratava o historicismo como uma das grandes heranças do século XIX, não deixando de expressar a perceção da relatividade dos valores históricos, proposta anteriormente por Nietzsche, como ligada ao olhar historicista. Em meados de 1940, Walter Benjamin vai em direção contrária ao historicismo enfatizando a validade do materialismo histórico e da filosofia nietzschiana. Alguns autores afirmam que a conceção histórica de Benjamin estaria mais para uma história universal messiânica que, pela sua proximidade com a noção do divino e de um mundo de realidade una e integral, teria certa afinidade com o historicismo, entendido, então, como materialismo historicista. 

Alguns anos depois, Karl Popper no seu livro "A Miséria do Historicismo", tratou o historicismo como mero materialismo dialético. Ele identificou o termo com as tentativas de Hegel e Marx de formular leis de desenvolvimento histórico, que foram posteriormente usadas para legitimar o marxismo. Ele entendeu o historicismo como uma abordagem das ciências sociais que induz à descoberta de padrões, sequências e normas, em que o principal objetivo é prever o futuro dentro da análise histórica. Para ele, a história da humanidade está diretamente ligada ao crescimento do conhecimento humano e este não pode ser previsto em sua evolução, consequentemente, a história humana também não pode ter seu curso desvendado. Nesse sentido, Popper argumentava que os objetivos do historicismo estão equivocados, pois não pode existir uma teoria científica do desenvolvimento histórico que seja o alicerce para a previsão histórica de um futuro que não pode ser elucidado. O uso idiossincrático do termo "historicismo" por Popper foi bastante criticado, porém é preciso salientar que ele empregou, em sua obra, o termo alemão 'Historizismus' para indicar aquilo que se traduz como "historicismo". A palavra 'Historismus' foi traduzida para "historismo", como era costume na época.


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