quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Esther Bejarano – sobrevivente de Auschwitz



Estando em Portugal por estes dias, com a banda de hip hop Microphone Mafia sediada em Colónia, Esther Bejarano, 75% judia 25% ariana, é uma sobrevivente de Auschwitz com 95 anos de idade. Envolveu-se em várias associações antifascistas, e no Comité Internacional de Auschwitz. Atualmente ainda se apresenta como cantora, especialmente desde 2009 com aquele grupo de Colónia. Escreveu vários romances autobiográficos.

Com o começo da guerra, a emigração já estava fora de hipótese, e assim teve de trabalhar como forçada numa floricultura. Entretanto seus pais foram assassinados pelos nazis em novembro de 1941. E sua irmã em Auschwitz, em dezembro de 1942. Ela disse mais tarde numa entrevista:
Inicialmente eu não soube como meus pais morreram; só descobri depois. Encontrei os seus nomes num livro onde estavam listados os nomes dos que haviam sido levados nos transportes de Wroclaw para Kovno. Os nazis haviam registado burocraticamente os seus crimes. E quando eu percebi que meus pais tiveram que se despir numa floresta, e depois de serem alinhados com outras vítimas na borda de uma vala comum, foram abatidos caindo simplesmente na vala uns por cima dos outros - isso foi para mim mais horrível do que qualquer coisa que experimentei em Auschwitz.” 
Pouco tempo depois, as condições no Neuendorf Landwerk também se tornaram mais rígidas. Os regulamentos na floricultura só lhe permitam trabalhar no armazém. Em abril de 1943, o campo de trabalho foi fechado e ela foi enviada para o campo coletivo de Berlim na Grosse Hamburger Strasse. De lá, foi deportada para Auschwitz em 20 de abril de 1943. Chegada a Auschwitz, depois de uma viagem terrível de comboio em vagões de gado, onde os mais debilitados morreram pelo caminho, foi tatuada com o número 41948. 

A sua sorte foi ter formação musical, o que lhe valeu ser poupada aos piores martírios do campo. Esther sabia tocar piano e flauta e gostava de cantar. Nos blocos, cantava temas de Schubert, Bach e Mozart para algumas prisioneiras mais velhas que em troca lhe davam comida. Quando os alemães decidiram criar uma orquestra feminina no campo e a sua primeira responsável, a prisioneira polaca Zofia Czajkowska, perguntou entre as mulheres mais velhas se conheciam quem quisesse integrar o grupo, falaram-lhe de Esther e de duas amigas dela. 
"Naquele estranho mundo, em que a alimentação era pouco mais que pão e uma água que fazia as vezes de sopa, houve audições para escolher quem iria integrar a orquestra. Disse que sabia tocar piano, nem me lembrei da flauta. Mas a maestrina disse que piano não havia ali. Contudo, havia uma concertina e se eu soubesse tocá-la, poderia ficar. Nunca tinha pegado num acordeão, mas disse que sim, que sabia tocar. E tentei tocar Bel Ami, um tema popular na época. Consegui tocar os acordes certos. Foi como se fosse um milagre”. 
Esther adoeceu com febre tifóide, e baixou à enfermaria. A pedido do líder das SS, Otto Moll, foi transferida para a enfermaria cristã, onde recebeu melhores cuidados. Quando voltou depois de quatro semanas, no entanto, o seu lugar como tocadora de acordeão estava ocupado. Então teve de mudar para o gravador. Pouco tempo depois contraiu tosse convulsa. Após seis meses na orquestra, juntamente com outras 70 mulheres, foi transferida para o campo de concentração de Ravensbrück, em novembro de 1943.

Bem, só quando o cerco dos Aliados se começou a fechar é que se iniciaram as marchas forçadas das prisioneiras de Ravensbruck, em direção a outros campos. Ao longo dessa caminhada de dias, as que não conseguiam acompanhar a cadência eram mortas. Foi então que Esther Bejarano e mais cinco prisioneiras decidiram fugir.

A guerra estava perdida para os alemães e pouco depois da fuga, as jovens encontraram os primeiros soldados norte-americanos. Deram-lhes comida e alojamento. Pouco depois, chegavam também os primeiros elementos do Exército Vermelho e o encontro entre os dois grupos militares foi de grande alegria.
“Um soldado soviético trouxe um retrato gigante de Adolf Hitler para o meio da praça. Um outro gritou ‘precisamos de música, quem sabe música?’. Peguei num acordeão e juntei-me a eles, todos à volta da fotografia. Um soldado soviético e outro americano pegaram-lhe fogo. A imagem ardia, os soldados e as raparigas do campo de concentração dançavam à sua volta e eu tocava acordeão. Nunca vou esquecer esta imagem”. 
Esther Bejarano diz que nunca voltou a tocar ou a cantar as marchas militares e outras músicas que faziam parte do repertório da Orquestra Feminina de Auschwitz. E admite que durante muito tempo não voltou a falar do que vira e vivera no campo de concentração e de extermínio. Acabou por mudar-se para Israel e por lá casou, mas abandonou o país por discordar do modo como o governo israelita lida com os palestinianos. Regressou à Alemanha. E foi aí que voltou a falar e a sentir que tinha de continuar a falar sobre Auschwitz. Porque na loja onde trabalhava, um dia, deparou-se com um cartaz de um novo partido nazi. “Nós pensávamos que depois de 1945 eles tinham acabado, que já não existiam. Não sabíamos como, mas achávamos que era assim. Como era possível aquilo?”.

Em junho de 2009, a banda de hip hop Microphone Mafia sediada em Colónia, entrou em contacto com Esther Bejarano. A Microphone Mafia pertence à primeira geração de músicos de hip-hop alemães e surgiu nos anos 90 como uma banda de hip-hop com mensagens de intervenção política comprometida com o antifascismo, e ligada à Confederação Sindical Alemã. Eles têm procurado chamar a atenção das semelhanças que alguns grupos de jovens na Alemanha têm com os nazis. Da parceria com Esther Bejarano resultou em 2012 um álbum conjunto Per La Vita, no qual seus filhos Edna e Jorem Bejarano também participaram. O álbum foi um sucesso. E as atuações ao vivo tiveram muita assistência. O projeto foi continuado em 2013 com La Vita Continua. Em apenas três anos, a banda fez mais de 170 concertos. Em 2017, ocorreu uma viagem a Cuba, documentada com um livro ilustrado. Em 2013, a sua biografia Memories apareceu na Editora Laika, em Hamburgo. Dos vários capítulos, que vão da orquestra feminina em Auschwitz à banda de rap contra a direita, ainda faz parte uma entrevista com Antonella Romeo.

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