terça-feira, 24 de maio de 2022

Alguns episódios da II Guerra Mundial no ano de 1944


Durante o mês de fevereiro de 1944, Hitler precisou enfrentar um problema de natureza mais pessoal. Havia cerca de um ano que as suas refeições eram preparadas pela Sra. Marlene von Exner, uma nutricionista de Viena recomendada pelo ditador romeno marechal Antonescu. A Sra. Von Exner tornara-se noiva de um membro da SS pertencente ao quartel-general de Hitler e descobriu-se que tivera uma avó judia. “Compreenderá que preciso despedi-la. Não posso fazer uma lei para mim e outra para os restantes”, disse-lhe Hitler. A Sra. Von Exner deixou o seu posto no quartel-general de Hitler e seus parentes foram obrigados a sair do Partido Nazi, mas não tiveram problemas posteriores. Em 23 de fevereiro, pelo contrário, 26 judeus escondidos em Varsóvia foram descobertos, presos e deportados para Auschwitz, seguidos, dois dias mais tarde, por 37 judeus vindos de Viena. As deportações não estavam prestes a terminar: em 3 de março, 732 judeus holandeses foram deportados, seguidos, no dia 7 do mesmo mês, por 1.501 judeus capturados na França. Quase dois mil, entre eles, foram gaseados.

Entretanto, em Dachau, 31 prisioneiros de guerra soviéticos, todos oficiais, foram tirados de seus alojamentos e executados em 22 de fevereiro. Os dois homens mais jovens tinham apenas 21 anos: Anatoly Dunov e Konstantin Atamasov. Seus nomes, e os nomes das outras 29 vítimas, são conhecidos porque um sacerdote polaco, que trabalhava nos escritórios do campo, apoderou-se, mais tarde, de centenas de listas de condenados à morte para garantir que tais factos fossem preservados. Na noite de 25 de fevereiro, catorze submarinos alemães atacaram, no mar de Barents, um comboio naval aliado composto por 43 navios mercantes que se dirigiam para a Rússia; um submarino torpedeou o contratorpedeiro britânico Mahratta; entre os mais de duzentos tripulantes do barco, somente 17 puderam ser salvos das águas geladas por outro contratorpedeiro, o Impulsive. Durante a batalha, foram afundados também dois submarinos alemães. O comboio seguiu, incólume, seu caminho.

Chegados a 9 de outubro de 1944,  ao reunirem-se em Moscovo Churchill e Stálin conversaram não apenas sobre as fases finais da guerra contra a Alemanha, mas sobre as posições de seus países na Europa libertada após vencida a guerra. Por sugestão de Churchill, discutiram a futura influência da União Soviética nos países dos quais o Exército Vermelho expulsava os alemães. Churchill disse a Stálin que não tinha “grandes preocupações quanto à Roménia”, sendo o país, “em grande medida, um problema russo”. Quanto à Grécia, onde, segundo Churchill, “a Grã-Bretanha precisa ser a potência mediterrânica dominante”, esperava-se que Stálin deixasse aos britânicos a “primeira palavra”, como deixavam aos russos na Roménia.

Churchill procurava obter influência britânica determinante apenas sobre a Grécia. Quanto à Jugoslávia, propunha uma partilha “por igual” entre Ocidente e Oriente. Também disse igualmente a Stálin que considerava a possibilidade de deslocar a população alemã estabelecida na Silésia e na Prússia Oriental para o centro da Alemanha; a Prússia Oriental poderia, então, ser dividida entre Rússia e Polónia, e a Silésia, oferecida à Polónia para compensar a perda das regiões orientais que possuíra entre as duas guerras e que a Rússia ocupara e pretendia manter anexadas após o conflito.

Churchill ainda disse a Stálin, numa segunda reunião, no dia seguinte, que os Aliados queriam que cada país tivesse “a forma de governo que seu povo desejasse”. Não deveria existir imposições ideológicas em relação aos pequenos estados: “Deixemos que cuidem de seus próprios destinos nos anos que estão por vir.” Depois explicou a Stálin que havia receios, em todos os países da Europa Ocidental, em relação a um eventual “proselitismo comunista agressivo” após a derrocada do nazismo. Enquanto Churchill e Stálin conversavam em Moscovo, as forças americanas cercavam a cidade alemã de Aachen, nas portas ocidentais da Alemanha. 

Na frente oriental, o Exército Vermelho chegara à costa báltica da Lituânia e atacava Memel, cidade que Hitler anexara à Alemanha em março de 1939. Em 10 de outubro, chegaram a Auschwitz oitocentas crianças ciganas até então internadas em Buchenwald – entre elas, mais de cem rapazes, entre nove e catorze anos, que haviam sido enviados de Auschwitz para Buchenwald, onde foram considerados inaptos para o trabalho. Todos foram gaseados numa entre as câmaras que não foram destruídas ou afetadas pela revolta dos judeus três dias antes.

Na Itália, tropas neozelandesas atravessavam o Rubicão em 11 de outubro, ecoando as palavras de Júlio César, que atravessou o rio em sentido contrário: “Os dados estão lançados.” No mesmo dia forças soviéticas atravessavam o rio Tisza em Szeged, a cidade mais ao sul da Hungria. Ao leste, entretanto, os russos cercavam Debrecen e Cluj, onde uma defesa húngaro e alemã conjunta opôs-se a uma ofensiva soviética/romena. No dia seguinte, o Exército Vermelho entrou na cidade de Oradea na Transilvânia. A Hungria era, agora, objeto da ofensiva soviética ao longo de quase toda a sua fronteira sul e sudeste. Desesperados, os alemães tentavam pedir reforços às suas forças vindas do norte da Grécia e do sul da Jugoslávia, que se deparavam, no trajeto, com ações de resistência gregas e jugoslavas. Em 12 de outubro, um relatório dos serviços de informações alemães, enviado a partir de Salonica pelo tenente Waldheim, referia-se à crescente atividade guerrilheira em torno da estrada entre Stip e Kocani. Dois dias mais tarde, as tropas alemãs abandonavam Salonica; enquanto se apressavam para o norte, incendiaram três aldeias próximas da estrada ameaçada, matando 114 civis. Ao todo, de acordo com o relatório final de Waldheim, de 7 de novembro, 739 resistentes e civis haviam sido mortos na Macedónia durante a retirada alemã.

No Pacífico, uma força operacional americana destruía mais de cem aviões japoneses diante da ilha japonesa de Okinawa. Os preparativos para a retomada das Filipinas prosseguiam, em 12 de outubro, com um ataque aéreo maciço contra a Formosa (Taiwan), ao longo de três dias consecutivos, destruindo quinhentos aviões japoneses e quarenta navios de guerra, contra 89 aviões americanos. Muitos japoneses abatidos eram jovens pilotos, o que constituiu uma séria perda para o Japão.

Berlim vivia uma nova execução na mesma data: a morte de Carl Langbehn, advogado que, havia mais de um ano, tentara associar Himmler à conspiração contra Hitler e que, em setembro de 1943, na Suíça, fizera contatos acerca das possibilidades de uma paz negociada com os aliados, tendo sido preso pouco depois. Na manhã de 13 de outubro, um míssil V2 caiu na Antuérpia, matando 22 civis. Nessa tarde, uma bomba V1 atingiu o matadouro municipal, matando mais catorze civis – em sua maior parte, açougueiros que recolhiam a carne da semana. Passados seis dias, 44 civis eram mortos por uma segunda bomba voadora. A agonia de Antuérpia começara.

Em 13 de outubro, Stálin comunicou a Churchill, em Moscovo, que a União Soviética entraria em guerra contra o Japão assim que a Alemanha estivesse derrotada. No mesmo dia, tropas britânicas entraram em Atenas, após os alemães evacuarem a cidade durante a noite. Ainda em 13 de outubro, depois de uma violenta batalha de três dias, as tropas soviéticas entraram em Riga. Os combates na região dos estados bálticos haviam chegado ao fim. “Riga e Atenas são como ameixas maduras”, escreveu Clementine Churchill, ao marido que se encontrava em Moscovo, acrescentando: “Estou ansiosa para que chegue a vez de Roterdão e de Colónia.” Cidade a cidade, o domínio alemão sobre a Europa chegava ao fim. Porém, o caminho para a vitória final seria lento. Em 13 de outubro, os americanos desencadeavam um assalto intensivo contra Aachen, sitiada havia três dias.

No dia seguinte, dois generais alemães procuravam o marechal Rommel em sua casa em Herrlingen, onde convalescia dos ferimentos recebidos na Normandia. Em nome de Hitler, deram-lhe duas opções: suicídio ou um julgamento público. Rommel escolheu o suicídio, tomando o cianeto que os generais trouxeram. Duas semanas mais tarde, receberia um funeral de Estado. A opinião pública alemã era impedida, assim, de conhecer toda a extensão da oposição a Hitler e a vingança do Führer.

Em 25 de outubro de 1944, um piloto kamikaze lançou seu avião contra a pista do porta-aviões americano St. Lo, explodindo as bombas e os torpedos que se encontravam a bordo. Após trinta minutos, o St. Lo afundava. Ao fim da guerra, mais de cinco mil pilotos kamikaze haviam morrido, afundando 34 navios americanos, mas não havia heroísmo, tenacidade, perícia ou decisão suicida que pudesse superar o desastre naval na baía de Leyte quando quatro porta-aviões e três couraçados japoneses foram afundados, praticamente eliminando a marinha de guerra imperial. O mais experiente piloto japonês, Hiroyoshi Nishizawa, que abatera 87 aviões americanos, morria não em combate, mas a bordo de um avião de transporte japonês interceptado e derrubado por caças americanos.

Na Europa Ocidental, após a destruição quase completa das ruas e edifícios de Aachen, houve quem pensasse que os alemães se disporiam a reconhecer-se vencidos, mas a autoridade de Hitler, que continuava a exercer-se desde o distante quartel-general de Rastenburg, ainda era absoluta. Em 22 de outubro, o Exército Vermelho era detido em Insterburg, a apenas 72 Km da Toca do Lobo, por um esforço decidido dos alemães, enquanto, no dia seguinte, na frente ocidental, as forças alemãs resistiam a um prolongado assalto americano em St. Dié. Em 24 de outubro, as tropas alemãs reconquistaram Gumbinnen, na Prússia Oriental. No mesmo dia, trezentos judeus italianos foram deportados de Bolzano a Auschwitz; 137 foram gaseados assim que chegaram. No dia seguinte, enquanto as forças francesas se aproximavam de Strasbourg, Hitler ordenou a destruição da coleção de esqueletos do Instituto Anatómico da cidade – obtida em resultado do extermínio dos judeus de Auschwitz. No momento em que essas provas de muitos crimes eram destruídas, novas experiências, envolvendo o míssil V2, prosseguiam. Dado o avanço aliado na Holanda, a base de lançamento do projétil foi deslocada para Overveen, no mar do Norte; em 27 de outubro, foi testado um novo míssil, que subiu a novecentos metros antes de cair sobre os autores do lançamento, matando doze pessoas. A base de lançamento foi abandonada e, depois, transferida para Haia. No dia seguinte, uma bomba voadora matava, em Antuérpia, 71 civis.

Nesse 28 de outubro, ocorreu a última deportação do gueto de Theresienstadt para Auschwitz, reunindo um grupo de dois mil judeus; entre esses, 1.689 foram gaseados após a seleção à chegada. Mantinha-se, entretanto, a destruição sistemática das provas de extermínio de massa, em que os registros relativos aos prisioneiros e os certificados de morte de centenas de milhares de seres humanos, judeus e não judeus, eram transportados para os dois crematórios subsistentes e queimados. A ideia era apagar todos os documentos, vestígios dos cadáveres e até as próprias instalações assassinas. Assim, quando chegou a Auschwitz, em 3 de novembro, um comboio que trazia quinhentos judeus do campo de trabalho de Sered, na Eslováquia, os serviços administrativos telefonaram para Mauthausen: “Temos um carregamento. Podem cuidar dele aí, em suas câmaras de gás?” A resposta foi: “Seria um desperdício de carvão trazê-los até aqui. O problema é de vocês.” Porém, Auschwitz já não possuía o aparato necessário aos assassinatos em massa habituais, e, em 6 de novembro, os homens de Sered eram numerados com tatuagem; no dia seguinte, o mesmo aconteceu às mulheres e às crianças. Os homens foram mandados para as fábricas em Gleiwitz; as mulheres e as crianças, para os alojamentos do campo. Uma menina de doze anos, que sobreviveu, lembraria que haviam sido deportadas com ela cerca de 150 crianças.

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