sexta-feira, 10 de junho de 2022

Guerra: competição, conflito, e assim por diante



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Não podemos ignorar que a estepe ainda existe. E a maior parte dos habitantes dessas grandes extensões ainda devem ter memória dos seus antepassados longínquos conhecidos na História por: os hunos, em primeiro lugar; e depois os mongóis. Devemos ter presente que a violação, a pilhagem, o massacre e a fome era uma parte da violência. De resto eram exímios cavaleiros com lanças e arcos compostos em flecha. E também do vocabulário, a palavra 'guerra' não fazia muito sentido. Eram mais incursões e operações especiais que levavam tudo à frente. Com os pés no estribo, com coletes de seda à prova de espeto, as flechas eram disparadas em movimento.

E assim se tornaram por um certo tempo, e pela primeira vez, os legítimos senhores da Eurásia. O Ocidente, entre os séculos V e XV, era insignificante, pequeno e pobre.
Sabe-se pelos estudos do cérebro realizados até ao momento que as reações de medo, aversão ou ameaça que se resolvem em agressão, têm a sua origem no sistema límbico. Mas eles também enfatizam a relação complexa desse sistema com as partes “superiores” do cérebro, tais como os lobos frontais, onde as informações sensoriais que chegam são inicialmente processadas, e da forma mais elaborada.

Os lobos frontais, de acordo com A. J. Herbert, parecem ser responsáveis pelo “controlo e uso do comportamento agressivo”, pois sabe-se que danos dos lobos frontais do homem podem causar irrupções incontroláveis de agressão explosiva não seguidas de remorso. A agressão é uma função do cérebro inferior que no homem é controlada pelo cérebro superior.

Em termos gerais, altos níveis de testosterona nos machos resultam em intensificação da masculinidade, da qual a agressividade é uma característica; níveis baixos, no entanto, não estão correlacionados com falta de coragem ou combatividade. Encontram-se provas disso, por exemplo, na reputação de guarda-costas eunucos e nos êxitos de Narses, famoso general eunuco de Bizâncio. Os efeitos hormonais tendem a ser moderados pelo contexto: cálculos de risco contrabalançam, tanto nos animais como no homem, a ação do que pode ser chamado de instinto.

Evidentemente, há uma distinção lógica entre agressão e autodefesa que não perde valor mesmo que os classificadores mostrem que os três tipos de comportamento que classificam juntos têm a sua origem na mesma área do cérebro. Essa indiferenciação sugere também que os que dão razão a Hobbes, de que o homem é naturalmente agressivo, dão pouca importância à influência moderadora de partes do cérebro que estão fora do sistema límbico.

Todos os animais que mostram comportamento agressivo possuem genes que modificam o seu nível de expressão. Sendo assim, os impulsos agressivos são contrabalançados por cálculos de risco ou por comparação da ameaça com a chance de escapar - “lutar/fugir” . A capacidade de modificar a expressão da agressão é particularmente marcante nos seres humanos.

É certo que agora sabemos que o medo e a ira têm a ver com a parte inferior do cérebro que é estimulada pela identificação da ameaça pela parte superior. As duas áreas de neurônios se comunicam por meio de ligações químicas e hormonais e que certas heranças genéticas predispõem a reações mais ou menos violentas. O que a ciência não pode prever é quando um indivíduo vai exibir violência. O que a ciência não explica é porque grupos de indivíduos se reúnem para lutar com outros. Uma base psicológica para a teoria da agressão foi apresentada por Freud, que originalmente a considerava como a frustração do impulso sexual pelo ego. Após a Primeira Guerra Mundial, na qual os seus dois filhos serviram com distinção, mas que o marcou por sua tragédia, Freud adotou uma visão mais sombria. Em uma correspondência famosa com Einstein ele afirma que o homem tem dentro dele uma ânsia de ódio e destruição. Para contrabalançá-la só o desenvolvimento de um pavor bem fundado das guerras futuras nucleares poderá contê-lo.

Em Totem e Tabu (1913), Freud propusera uma teoria da agressão grupal que se baseava muito na antropologia literária. Ele sugeria que a família patriarcal era a unidade social primitiva e que ela se ramificara devido às tensões sexuais dentro dela. Supunha que o pai patriarcal tivera direitos sexuais exclusivos sobre as mulheres da família, levando assim seus filhos sexualmente privados a matá-lo e comê-lo. Cheios de culpa, eles então proibiram e tornaram tabu a prática do incesto e instituíram a exogamia — o casamento fora do círculo familiar —, com toda a sua potencialidade de rapto de mulheres (Guerra de Troia) e violações (todas as guerras). Inicialmente eram contendas entre famílias que depois passou a ser entre tribos. 

Mais recentemente, com o desenvolvimento da Etologia, que combina a teoria psicológica com o estudo do comportamento animal, produziram-se explicações mais rigorosas da agressão grupal. A ideia de um território fundador tem origem na obra de Konrad Lorenz. A agressão é um “impulso” natural, extraindo a sua energia do próprio organismo, que chega à “descarga” quando estimulado por um “libertador” apropriado. Porém a maioria dos animais possuía, em sua conceção, a capacidade de amenizar a descarga agressiva sobre outros indivíduos da mesma espécie, exibindo geralmente sinais de submissão ou recuo. Segundo Lorenz, o homem comportava-se originalmente da mesma forma, mas, ao aprender a fazer armas de caça, acabou superpovoando o seu território. Os indivíduos tiveram então de matar outros a fim de defender um pedaço de terra, e o uso de armas, que “distanciava” emocionalmente o matador da vítima, atrofiou a reação da submissão. Esse foi o processo, segundo Lorenz, pelo qual o subsistente sistema da caça de outras espécies derivou a sua tenacidade de matador no sentido de agredir os seus semelhantes.

Em grupo, sendo mais eficazes na caça do que individualmente, os humanos aprenderam a caçar de forma cooperativa em territórios comuns, tal como os animais caçadores tinham-se adaptado a fazê-lo. Os bandos de caçadores tinham uma composição exclusivamente masculina, dada a sua apetência corporal, durante milénios os principais provedores de sustento, ficou a recolecção reservada para as mulheres. Tendo em vista que os bandos de caça tinham de aceitar uma liderança por motivos de eficiência, a liderança masculina agressiva determinou a partir de então o ethos de todas as formas de organização social. Esta teoria, todavia, foi mal recebida numa determinada escola dos praticantes da mais velha das ciências sociais - a Antropologia, como uma extensão da Etnografia. No século XVIII, os primeiros etnógrafos, como Latifau e Demeunier, reconheceram que a guerra era uma característica intrínseca das sociedades que estudaram. Assim nasceu a grande controvérsia “natureza versus educação”, que continua a dividir os cientistas sociais até hoje. Alguns defensores da escola naturalista, ficaram conhecidos como darwinistas sociais devido à sua defesa do conceito de luta como meio de mudança.

Mito e ritual eram utilizados para reforçar os laços de parentesco e evitar o recurso à violência? A Antropologia foi pressionada a apresentar exemplos de sociedades primitivas nas quais os padrões de parentesco antecipassem os da política dos modernos Estados. Com efeito, no final do século XIX, as energias dos antropólogos estavam em larga medida devotadas não a debater se o parentesco constituía a raiz das relações humanas, mas se as culturas criativas, que tomavam como modelo da organização humana, se tinham desenvolvido espontaneamente em vários lugares separados; ou se tinham difundido a partir de um centro original para outros locais. Essa busca das origens estava fadada ao fracasso, pois nem mesmo as sociedades mais primitivas disponíveis para estudo existiam em estado original. Teriam evoluído de alguma forma, ou teriam sido alteradas pelo contacto, embora ténue, com outras culturas?

Franz Boas, um alemão que emigrara para os Estados Unidos e que simplesmente negou que a busca das origens fosse produtiva. Era fútil esquadrinhar as culturas em busca de uma forma política atual que servisse de padrão. O homem era livre para escolher entre a mais ampla variedade de formas culturais a que melhor se adequasse a cada caso ecológico. Ruth Benedict, que havia sido assistente de Franz Boas, passou a ser referência, apesar do amplo público atraído por sir James Frazer e a sua Rama Dourada, gostar mais da universalidade dos mitos.

Ruth Benedict propôs a existência de duas formas culturais principais: apolínea e dionisíaca. A primeira, autoritária, a segunda, permissiva. A ideia do modo dionisíaco, no entanto, já despertara ampla atenção em consequência de uma visita feita por uma jovem discípula de Boas, Margaret Mead, aos mares do Sul em 1925. Em Coming of age in Samoa, Mead contou que encontrara uma sociedade que vivia aparentemente em perfeita harmonia consigo mesma, onde os laços de parentesco eram atenuados até quase a invisibilidade, a autoridade dos pais se dissolvia em meio à afeição da família extensa, as crianças não competiam por primazia e a violência era praticamente desconhecida.

O determinismo cultural também causou um efeito profundo nos antropólogos do mundo anglo-saxónico, mas por um motivo diferente. Os ingleses em particular, líderes da etnografia devido às oportunidades de trabalho de campo oferecidas pela enorme extensão de seu império, aceitaram a importância de seu impulso, mas estavam insatisfeitos sobretudo com a recusa do determinismo cultural em admitir que "a natureza humana e as necessidades materiais do homem" poderiam ser tão importantes quanto a liberdade de escolha na determinação da cultura em que ele vivia. Então, certos antropólogos, sob a influência de outro imigrante alemão, Bronislaw Malinowski, que também fizera o seu primeiro estudo de campo nos Mares do Sul, mas dez anos antes de Margaret Mead, ofereceram uma alternativa que ficou conhecida como funcionalismo estrutural (a confluência de duas filosofias). 

Os funcionalistas estruturais chegaram a uma análise bem mais detalhada da sociedade do que os deterministas culturais achavam necessário. Porém, a matéria-prima que coletaram para mostrar como a estrutura sustentava a função acabou por cair dentro de duas categorias familiares: mito e parentesco. O debate tornou-se ainda mais agitado após a II Guerra Mundial com a intervenção de Claude Lévi-Strauss, que conseguiu fazer a estrutura parecer muito mais importante do que a função. Partindo do conceito freudiano de tabu, procurou dar-lhe o fundamento antropológico que a psicanálise nunca conseguira oferecer. Havia com efeito um tabu sustentado pelo mito contra o incesto nas sociedades primitivas; elas se adaptavam arranjando mecanismos de troca entre famílias, tribos e assim por diante, nos quais as mulheres constituíam a mercadoria mais valiosa. Esses sistemas de troca equilibravam rancores e ressentimentos; a troca de mulheres para evitar o incesto era o emoliente definitivo.

Outros antropólogos, denominados ecologistas, envolveram-se no desenvolvimento da disciplina da ecologia, o estudo das relações entre a população e o seu habitat; jovens antropólogos logo descobriram que certos conceitos ecológicos, tais como a capacidade de sustento, que limita a população de uma determinada região a um número sustentável pelo que de consumível ela produz, poderiam ser de grande valor. O excesso de alimento, que leva ao consumo, implica crescimento da população. Esse crescimento leva à competição. A competição provoca conflito. E assim por diante. Seria a competição em si mesma a causa da guerra? Ou a guerra era - graças à sua “função” de reduzir a população, ou deslocar os derrotados da zona de conflito - uma causa de si mesma?

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