quinta-feira, 2 de junho de 2022

Só em abril de 1945 Churchill percebe que Stalin tinha roído a corda



Churchill considerara o dia 30 de abril como a data a ter em mente para a vitória na Europa. As questões políticas e ideológicas relacionadas à Polónia levantavam, porém, uma nuvem negra que encobria o brilho da vitória. “As mudanças de atitude e tom dos russos desde Ialta são graves”, escreveu 
o primeiro-ministro à comissão dos chefes de estado-maior em 3 de abril. Aos representantes da Commonwealth reunidos com o Gabinete de Guerra, em Londres, no mesmo dia, Churchill disse:
As relações com a Rússia, que pareciam encaminhar-se tão bem durante a conferência da Crimeia, tornaram-se menos cordiais nas semanas seguintes. Surgiram grandes dificuldades em torno da questão polaca e, agora, parece possível que a Rússia não queira cooperar plenamente com a conferência de São Francisco no que se refere a uma nova organização internacional. Não é certo que possamos contar com uma influência russa benéfica sobre a Europa ou com a sua boa vontade para a manutenção da paz. Contudo, ao fim da guerra, a Rússia terá uma posição de preponderância, em matéria de poder e de influência, relativamente à Europa.
Os receios perante uma eventual preponderância soviética sobre a Europa não impediram a assinatura, ainda em 3 de abril, de um último acordo de auxílio anglo-americano à Rússia, que teria o nome de código: Milepost. A Rússia receberia, nos termos do acordo – e efetivamente recebeu – mais de mil aviões de combate e 240 mil toneladas de combustível, bem como 24 mil toneladas de borracha, tudo oferecido pela Grã-Bretanha; dos Estados Unidos, receberia mais de três mil aviões, três mil tanques, nove mil jipes, sessenta mil veículos de armamento e 41.436 camiões, além de máquinas e de outros equipamentos no valor de cerca de dois biliões de dólares.

Ainda em 3 de abril, uma divisão blindada americana estava a caminho da cidade de Gotha. Entre os correspondentes de guerra que acompanhavam a divisão, encontrava-se o romancista judeu Meyer Levin, que lembraria como ele e seus companheiros descobriram alguns “refugiados cadavéricos” ao longo da estrada. “Não se pareciam com nada que eu houvesse visto antes”, escreveu Levin, continuando: “Esqueléticos, com olhos encovados e febris, crânios rapados.” Os refugiados identificaram-se como polacos e pediram que Levin e os outros jornalistas visitassem o local onde estiveram presos. Falavam em “gente enterrada num grande buraco” e em “comando da morte”.




Na manhã seguinte, as tropas americanas entravam no local a que os refugiados se referiam. O nome do lugar era Ohrdruf e, à entrada do campo, havia centenas de cadáveres, todos nos mesmos uniformes listrados e com um ferimento de bala na nuca. Num alojamento, havia mais cadáveres, nus, rígidos e, segundo Levin, “magros e amarelos como tábuas”. Tornou-se rapidamente evidente que Ohrdruf não era um campo de trabalho nem um campo de prisioneiros de guerra, mas algo bastante diferente: um lugar em que quatro mil prisioneiros haviam morrido ou sido assassinados ao longo dos três meses anteriores.




Centenas de prisioneiros foram mortos na véspera da chegada dos americanos. Algumas vítimas eram judias; outras, prisioneiros de guerra polacos e russos. Os prisioneiros haviam sido obrigados a construir um grande centro subterrâneo de instalações telefónicas e de rádio, destinado ao exército alemão caso abandonasse Berlim. Entre os prisioneiros em Ohrdruf, contava-se um jovem judeu polaco, Leo Laufer. Quatro dias antes da libertação, quando começara a evacuação do campo, fugira na companhia de três camaradas. Durante quatro dias, esconderam-se nos montes que dominam Ohrdruf. Quando as forças e os correspondentes de guerra americanos chegaram, Laufer conduziu-os numa visita ao campo. 

Muitos cadáveres encontrados eram de prisioneiros que, quatro dias antes, estavam na enfermaria do campo. A imagem dos corpos esqueléticos em Ohrdruf criou uma onda de repulsa que se alastrou pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos. Eisenhower, que visitou o local, impressionou-se tanto que telefonou a Churchill para descrever o que vira, enviando-lhe fotografias de prisioneiros. Churchill, chocado, garantiu que as fotografias circulassem por todos os membros do gabinete britânico.




O Exército Vermelho combatia nos subúrbios de Viena e planeava o assalto final contra Berlim. Nos ares, os restos da outrora dominante força aérea alemã tentavam, em vão, opor-se aos ataques em massa e quotidianos dos bombardeiros e caças aliados. Em 4 de abril, na frente oriental, era abatido o avião de Hermann Graf, piloto que abatera duzentos aviões soviéticos, pelo que recebera a cruz de Cavaleiro com Folhas de Carvalho, Espadas e Diamantes. Feito prisioneiro após a queda do avião, foi conduzido para leste, presenciando aí a destruição do poderio militar alemão.

Paralelamente, o general Student era forçado, pela falta de petróleo, a cancelar mais uma vez o contra-ataque, adiado havia dois dias, às forças aliadas no Ruhr. Na frente, já não havia setor que os aliados ocidentais não pudessem destroçar. Ao mesmo tempo, através de um exame cuidadoso de mensagens alemãs decifradas pelo sistema Ultra, os aliados podiam antecipar todas as alterações nos planos alemães e todos os projetos de contraofensiva; dados ultrassecretos relativos a uma contraofensiva especialmente vigorosa, de Mühlhausen sobre Eisenach, marcada para 6 de abril, foram decifrados a tempo para colocar os aliados em sobreaviso e impedir a operação.




Mesmo na derrota, Hitler estava decidido a não deixar que seus inimigos sobrevivessem. Em 8 de abril, Hans von Dohnanyi era assassinado em Sachsenhausen, e, no dia seguinte, o almirante Canaris, o general Oster e Dietrich Bonhoeffer eram enforcados em Flossenbürg, a menos de 160 Km das posições avançadas americanas que progrediam a partir de Gotha. Também em 9 de abril, na prisão de Plötzensee, em Berlim, era decapitado Ewald von Kleist-Schmenzin, que, desde 1932, denunciara o nazismo como uma “demência” e um “inimigo mortal de nosso modo de vida”. Em 1944, convidara vários grupos de resistentes alemães a reunirem-se em sua estância de veraneio em Schmenzin. Em Dachau, entre dezenas de milhares de prisioneiros que esperavam a libertação, estava Johann Elser, carpinteiro que tentara assassinar Hitler em novembro de 1939 e que seria morto antes da libertação do campo, por ordem de Himmler, em 9 de abril.

Na Itália, a mesma data assistiu a um renovado ataque aliado contra as defesas da linha gótica. Forças britânicas, americanas, polacas, indianas, neozelandesas, sul-africanas, brasileiras e judaicas participaram da ação. Na mesma noite, no Báltico, o comandante da fortaleza de Königsberg, general Otto Lasch, ordenava que seus homens se rendessem; entre eles 42 mil estavam mortos e 92 mil haviam sido aprisionados durante a batalha pela posse da cidade. Haviam morrido também 25 mil civis alemães, o que representava a quarta parte da população da cidade, após as autoridades nazis proibirem a evacuação dos habitantes. Na noite seguinte, Hitler telegrafou às poucas unidades equipadas com rádios ainda em ação na Prússia Oriental: “O general Lasch deve ser imediatamente fuzilado por traição.” No entanto, Lasch era já prisioneiro de guerra dos aliados. 

Na Alemanha Ocidental, os exércitos aliados viam-se confrontados por uma força alemã comandada pelo general Wenck, que se instalara numa forte posição defensiva nas montanhas de Harz. Hitler, em Berlim, depositava grandes esperanças no general, tanto para travar o avanço aliado como para, caso fosse necessário, acorrer em defesa de Berlim, impedindo que os russos entrassem na cidade. Ao fim de nove dias, contudo, as forças de Wenck estavam cercadas, e os exércitos aliados, mantendo o cerco, prosseguiram em direção a Halle e ao rio Elba.




Ao norte de Berlim, os pilotos americanos iniciaram, em 10 de abril, o que seria conhecido como “grande massacre dos jatos”, abatendo catorze jatos alemães acima de Oranienburg. No mesmo dia, os cidadãos britânicos tomavam conhecimento, através de seu primeiro-ministro, do número de mortes que a guerra causara ao país entre setembro de 1939 e fevereiro de 1945: 216.287 soldados em terra, no mar e nos ares, 59.793 baixas civis após bombardeamentos, lançamento de bombas voadoras e mísseis, e 30.179 marinheiros mercantes, num total de mais de trezentas mil mortes.

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