terça-feira, 7 de junho de 2022

Juan Pujol Garcia foi fundamental no 'Dia D' em 6 de junho de 1944



Juan Pujol Garcia, um comum cidadão espanhol, foi um agente duplo na II Guerra Mundial, Garbo para os Aliados, um criador de galinhas com uma rede de informações fictícias, que pelo seu grande sucesso em enganar os alemães foi fundamental no dia D, no desembarque de 160 mil tropas na Normandia em 6 de junho de 1944.

Originalmente rejeitado pelo serviço de inteligência britânica, Garcia conseguiu infiltrar-se nos mais altos níveis da inteligência nazi, tudo isso, enquanto trabalhava como um espião amador não autorizado. A história do criador de galinhas que foi duplamente condecorado e fingiu a sua morte é tão improvável e fascinante quanto a teia de mentiras que ele contou aos nazis enquanto operava como uma unidade de desinformação de um homem só.




Nascido em 1912 numa família rica de Barcelona, ele abandonou o colégio interno e desperdiçou o privilégio de frequentar uma academia de avicultores. Era um fracassado crónico em tudo o que se dispunha fazer. Aos 30 anos ele já havia abandonado as forças armadas, trabalhado como criador de galinhas e cumprido pena de prisão duas vezes. Aos 24 anos casou, quando decorria a Guerra Civil de Espanha. Acabou preso por não se apresentar ao serviço republicano, mas conseguiu escapar na calada da noite durante uma fuga de presos liderada por um grupo de resistência. Escondido durante um ano, não voltou a ver a sua mulher. Com documentos de identidade falsos, voltou à prisão por expressar a sua simpatia pela monarquia.

Já em 1939, desabafando a um especialista de espionagem, dissera a propósito de Hitler: “Minhas convicções humanistas não me permitiriam fechar os olhos ao enorme sofrimento que estava a ser desencadeado por esse psicopata”. Deixa o seu trabalho como gerente de um hotel em Madrid e decide trabalhar como espião dos Aliados. Porém, ele foi recusado pelo menos quatro vezes pela embaixada da inteligência britânica. Apesar da rejeição, resolveu tornar-se espião por conta própria. Ele, então, decidiu oferecer seus serviços de espionagem aos alemães, sabendo que se fosse capaz de estabelecer uma relação de confiança com os nazis, poderia, eventualmente, transformar-se num agente duplo. Esse plano funcionou melhor do que ele jamais pudesse imaginar. Para se tornar um espião, ele precisaria de um passaporte e um visto de saída; dois itens praticamente impossíveis de se conseguir em Espanha, um país devastado pela Guerra Civil. Mas ele não se deu por vencido, e encontrou a oportunidade perfeita quando um duque espanhol entrou no hotel. Ele buscava incessantemente uísque e Garcia poderia oferecer a bebida ao Duque em troca do passaporte.

Com o documento nas mãos, combinou um encontro com Gustav Leisner, chefe da Abwehr – uma organização de inteligência militar alemã, o encontro aconteceu em 1940. Garcia proferiu seu amor devoto (embora falso) pelo Terceiro Reich de Hitler, e girou em torno de Leisner a sua teia de mentiras nas quais listava nomes de diplomatas inexistentes aos quais dizia ser afiliado. Ele foi contratado e recebeu um curso intensivo de espionagem e criptografia. Nesse mesmo ano casa-se com Araceli González, uma jovem que conheceu meses antes. Ele tinha ordens para se mudar para Londres e estabelecer uma rede de agentes, mas fez exatamente o contrário. Em vez disso, mudou-se para Lisboa e iniciou a sua carreira imaginária de espião, entregando relatórios simulados ao seu agente da Abwehr em Madrid. Os dados eram fornecidos com mapas, guias e horários de comboios que eram retirados da biblioteca local. Araceli colhia informações em noticiários e manchetes, e Garcia utilizava-as para escrever seus longos e fictícios relatórios sobre campos de aviação dos Aliados, locais da artilharia britânica e toda uma armada estabelecida em Malta. Essa última desinformação foi seguida pelos alemães e a falta de veracidade foi descoberta. Apesar do deslize, ele ainda gozava de prestígio entre os alemães.

Em 1942, Karl-Erich Kühlenthal, um major do Abwehr escreveu para Garcia: “A sua atividade e suas informações nos deram uma ideia perfeita do que está acontecendo ali; esses relatórios, como você pode imaginar, têm um valor incalculável e, por esse motivo, imploro que proceda com o máximo cuidado para não colocar em risco esses momentos importantes, seja você ou a sua organização”. E foi assim que recebeu o nome de código “Alaric” — que significa governante de todo o mundo em alemão — e a sua rede fantasma de 27 agentes, foi apelidada de Arabel — que significa orações respondidas, em latim.

Os britânicos logo perceberam que alguém estava desinformando os alemães, e perceberam o valor disso depois que a Kriegsmarine desperdiçou recursos tentando caçar um comboio inexistente, relatado por ele. Então, foi transferido para a Grã-Bretanha em 24 de abril de 1942. Sua mestria em enganos e disfarces rendeu-lhe o nome de código “Garbo”, em homenagem a Greta Garbo. Garbo concedia aos alemães pequenas informações factuais sem nenhuma relevância, em outros casos ele mesclava as informações com factos inventados. Em 1944, os Aliados dedicaram todas as suas atenções para o planeamento da invasão da França no Dia D. A manutenção do segredo da operação era de suma importância.

Num esforço conjunto foram lançadas campanhas maciças de desinformação, exercício que ficou conhecido como Operação Fortitude. Informações falsas passaram a ser disseminadas em manchetes de jornais e transmissões de rádio. Hitler sabia que um ataque era iminente e preparava a sua resposta defensiva que já levava meses, mas um detalhe crucial escapou-lhe: o momento e a localização exata da ofensiva aliada. Foi aí que Garcia entrou em ação, encarregado de convencer Hitler que o ataque aconteceria a mais de 300 Km de distância da Normandia, em Pas-de-Calais, região francesa mais próxima da Grã-Bretanha. Ele convenceu os nazis que o general Patton estava a formar um exército de milhões de homens. Em 5 de junho, Garbo deu instruções aos nazis para aguardarem uma mensagem muito importante às 3 da manhã. A fim de preservar a sua confiabilidade com o inimigo, ele iria revelar a localização real (Normandia), mas propositadamente tarde demais para impedir a invasão que já estava a caminho.

Mas, por sorte, os nazis perderam a ligação - as operadoras de rádio de Madrid estavam fora do ar das 23h30 às 7h. Garbo repreendeu o seu oficial de justiça alemão por ter perdido o despacho crucial, dizendo: “Não posso aceitar desculpas ou negligência. Se não fosse pelos meus ideais, eu abandonaria o trabalho”.

A Operação Fortitude funcionou tão bem que, dois dias depois, os nazis ainda não tinham jogado todo o seu poder militar nas praias da Normandia. Em 9 de junho, Garbo enviou um despacho de acompanhamento aos alemães: “Sou da opinião de que, devido às fortes concentrações de tropas no Sudeste e no Leste da Inglaterra, que não participam das operações atuais, essas operações são uma manobra de desvio destinada a retirar reservas inimigas, a fim de fazer um ataque decisivo em outro lugar... pode muito provavelmente ocorrer na área de Pas-de-Calais." Isso permitiu que os Aliados garantissem uma posição forte na França. Por seu trabalho, Garbo tornou-se a única pessoa a receber a Cruz de Ferro da Alemanha, e, ao mesmo tempo tornando-se membro da Ordem do Império Britânico, a maior honra do país.

Após a guerra, Garbo mudou-se com a esposa, Araceli, e três filhos, para a Venezuela, onde ele finalmente fingiu a sua própria morte com a ajuda de Tomas Harris, seu agente do MI5. E assim deu início a uma nova vida. Faleceu em 1988, aos 76 anos, na cidade de Caracas.



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