terça-feira, 5 de julho de 2022

Charles Sanders Peirce




Eu sei que esta pedra vai cair se ela for liberada porque a experiência me convenceu de que objetos desse tipo sempre caem; e se alguma pessoa presente tiver qualquer dúvida sobre essa questão, ficarei feliz em fazer a experiência – e farei com ela uma aposta de cem para um nesse resultado.

C. S. Peirce, 10 de setembro de 1839 – 19 de abril de 1914, lógico e cientista americano que estabeleceu os princípios do Pragmatismo, não existe filósofo americano com talentos mais diversos. As suas contribuições para a Lógica, o método científico e a Semiótica tiveram efeito duradouro no raciocínio de pensadores sobre esses assuntos. Peirce buscou uma compreensão sistemática do mundo e de tudo que há nele. Dedicou sua vida a alcançar clareza de pensamento, uma tarefa diária.

Não existem livros que tenha publicado, como outros autores do seu calibre. O trabalho de sua vida é uma manta de retalhos formada por artigos e ensaios de tudo e mais alguma coisa: matemática, astronomia, química, geodesia, agrimensura, cartografia, meteorologia, espectroscopia, psicologia, filologia, lexicografia, história da ciência e economia matemática - reunidos pelos seus epígonos. Peirce é conhecido pela organização do seu pensamento em tríades, exemplificado pelo triângulo abaixo: signo - interpretante - objeto.



Peirce foi educado durante boa parte de sua vida dentro de casa por seu pai, tido como um dos principais responsáveis pela criação do departamento de matemática de Harvard. Além de suas realizações académicas, o pai de Peirce era um homem prático, cofundador do 'Smithsonian Institution' e do 'US Coast and Geodetic Survey', um centro de pesquisa geodésica americano no qual Charles trabalharia durante a maior parte de sua vida profissional. As origens do pragmatismo de Peirce podem ser encontradas no estilo da instrução de seu pai, que incluía difíceis problemas matemáticos e científicos, cujas respostas eram submetidas a escrutínio rigoroso. Peirce formou-se em Harvard aos vinte anos de idade, com um diploma de química. Pelos dois anos seguintes, trabalhou como cientista para o centro de pesquisa geodésica americano, e, de 1879 a 1884, foi também professor de Lógica no Departamento de Matemática da Universidade Johns Hopkins.

Apesar de ser um génio – porque Peirce foi sem dúvida um génio, talvez até mesmo a maior mente filosófica americana de todos os tempos –, ele perdeu o seu cargo na Johns Hopkins e jamais seria nomeado novamente para uma função académica. Peirce era um homem não convencional, e depois que sua primeira mulher o deixou, ele passou a viver com a mulher que se tornaria a sua segunda esposa. Juliette Peirce havia sido conhecida anteriormente como Anette Froissy e também como Juliette Pourtalai; suas origens eram obscuras, e as autoridades da Universidade Johns Hopkins acreditavam que ela era uma cigana. A escandalosa relação de Peirce com Juliette custou-lhe o emprego. Ele podia, ainda, ser um colega de trabalho difícil e agressivo, talvez porque sofresse de nevralgia do nervo trigémeo, uma doença crónica que causa dores penetrantes na face. Peirce utilizava cocaína, morfina e álcool para se tratar, e não há dúvidas de que isso contribuiu indiretamente para se ir desligando da universidade. Apesar de sua produtividade prolífica – ele deixou 100 mil páginas de manuscritos não publicados. Conquistou muito pouco reconhecimento ao longo de sua vida, acabando os seus dias doente e na pobreza.

Peirce leu a Crítica da Razão Pura pela primeira vez quando tinha 16 anos – estudou a obra por três anos, dominando o texto e se contrapondo às questões que levantava. Ele continuaria a estudar esse texto ao longo de toda a vida, voltando a Kant frequentemente à medida que desenvolvia o seu próprio pensamento. O primeiro e precoce estudo de Peirce sobre lógica o levou a considerar o de Kant “pueril”; rejeitou o apriorismo de Kant, assim como a sua ideia de que o espaço era subjetivo. Apesar dessas objeções, Peirce tinha muito em comum com o filósofo. Ambos procuraram explicações para fenómenos que iam do conceito de matéria às origens e leis físicas do Universo. O pensamento de Peirce não foi afetado pela divisão que ocorreu na filosofia no início do século XX, quando ela se dividiu em filosofia analítica e continental – duas tendências aparentemente irreconciliáveis. Ele seguiu seu próprio caminho como pensador independente. Peirce foi um lógico, um teórico do método científico, e não um defensor de metafísica “suave”; mas seu rígido pensamento sobre lógica e ciência, voltado para o senso comum, o levaria por fim a adotar alguns dos princípios metafísicos de Kant, Hegel e outros idealistas.

Para Peirce, experiência era tudo, e todo o nosso conhecimento precisava ser baseado nela. Como consequência, ele rejeitava o conceito de Kant da “coisa em si” (Ding an sich), considerando-o algo que não podia ser “indicado” ou “encontrado” na natureza. Todo conhecimento deve-se referir à experiência, e, por conseguinte, a todo significado – não pode haver significado independente da experiência. É nesse sentido que Peirce é por vezes denominado um realista. Experimentamos a realidade tal como ela é, e não apenas as ideias que temos dessa própria realidade.

A maior contribuição de Peirce para o pensamento moderno diz respeito ao Pragmatismo como corrente filosófica americana, que sustenta que uma proposição é verdadeira se funcionar. Embora William James tenha sido o primeiro a publicar a palavra “pragmatismo”, ele creditou a sua elaboração e o seu uso inicial a Peirce, que traçou as suas ideias fundamentais em dois artigos publicados em 1878 no acessível periódico científico Popular Science Monthly. O primeiro artigo, “Como esclarecer nossas ideias”, definia uma ideia clara como “aquela que foi tão bem apreendida que será reconhecida onde quer que seja encontrada, de modo que não será confundida com nenhuma outra. Se ela falhar em atingir essa clareza, pode-se dizer que é uma ideia obscura.” O modo pelo qual tornamos as ideias claras é denominado inferência. No artigo “A fixação da crença”, Peirce escreveu: “Nós atingimos o domínio completo do poder de inferir, a última de todas as nossas faculdades; pois ela é menos um dom natural do que uma longa e difícil arte”. É mediante a lógica e o acréscimo de conclusões demonstráveis, que possam ser compartilhadas por uma comunidade de observadores, que surge o conhecimento.

Peirce foi um cientista profissional durante toda a sua vida (nisto, ele se assemelhava aos pré-socráticos, que não enxergavam a distinção entre filosofia e ciência com a qual convivemos hoje). Para Peirce, filosofia é a filosofia da ciência, e isso é demonstrado por seu método pragmático. Além de William James, alguns pragmáticos centrais foram Josiah Royce (1855-1916), John Dewey, George Herbert Mead (1863-1931) e George Santayana. Proeminente entre os pragmáticos do século XXI está Susan Haack.

Para Peirce, a lógica fornecia a sustentação para um estudo mais geral e inclusivo, que ele denominava Semiótica, ou a teoria dos sinais, diferente do que Ferdinand de Saussure e seus seguidores chamavam “Semiologia”. Grande parte do pensamento sistemático de Peirce, como já disse, era organizado por tríades. A teoria dos sinais organizava-se numa tríade: o signo em si; o objeto a que refere; e o interpretante. O “interpretante” é o sujeito de grande parte do debate contemporâneo. O papel do interpretante é determinar como o signo representa o objeto. Pode ser considerado o significado do signo, mas também é visto como um processo, produto e efeito. Um interpretante torna-se outro signo em si mesmo, e assim o processo semiótico prossegue. Esta é uma diferença fundamental entre a Semiótica de Peirce e a Semiologia de Saussure. Segundo esta, existe uma tensão dualista entre o significante e o significado, cuja relação pode ser arbitrária.

Peirce deixou quase 100 mil páginas manuscritas não publicadas, e a tarefa de organizá-las e publicá-las de modo que a arquitetura de seu pensamento se torne clara é longa e desafiadora. Pode-se apostar com segurança, no entanto, que quando essa tarefa for terminada, a obra de Peirce dará aos futuros pensadores um volume enorme de material a ser considerado.

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