sábado, 23 de julho de 2022

História e cultura em Hegel



A Cultura, em Hegel, são as relações dos homens com a Natureza pelo desejo, pelo trabalho e pela linguagem, as instituições sociais, o Estado, a religião, a arte, a ciência, a filosofia. É o real enquanto manifestação do Espírito. Não se trata, segundo Hegel, de dizer que o Espírito produz a Cultura, mas sim de que ele é a Cultura, pois ele existe encarnado nela; o Espírito se manifesta nas obras que produz. Não pensa a História como uma sucessão contínua de factos no tempo, pois o tempo não é uma sucessão de instantes, nem é um recipiente vazio onde se alojariam os acontecimentos, mas é um movimento dotado de força interna, criador dos acontecimentos.

A História é um processo dotado de uma força, aquilo que para Aristóteles era o motor interno que produz os acontecimentos. Esse motor interno é o gerador da contradição, uma coisa diferente de oposição. A contradição só existe numa relação. São criados e transformados nela e por ela. Numa relação de contradição, portanto, os termos que se negam um ao outro só existem nessa negação. Assim, o escravo é o não-senhor e o senhor é o não-escravo e só haverá escravo onde houver senhor e só haverá senhor onde houver escravo. Somente quando o senhor afirma que o escravo não é homem, mas um instrumento de trabalho, e somente quando o escravo afirma sua não humanidade, dizendo que só o senhor é homem, temos contradição. A contradição é um motor temporal: ou seja, as contradições não existem como factos dados no mundo, mas são produzidas. A produção e superação das contradições são o movimento da História. A produção e superação das contradições revelam que o real se realiza como luta. Mas a síntese ou realidade nova também surgirá fraturada e reabre a luta dos contraditórios, de sua negação recíproca e da criação de uma nova síntese.

As relações entre os sujeitos são relações morais e de direito. Ora, o Direito e a Moral estão em conflito. A resolução dessa contradição se faz em dois momentos: no primeiro, surge a família e, no segundo, surge a sociedade civil. As individualidades naturais imediatas são integradas numa realidade nova que faz a mediação entre o indivíduo como pessoa e o indivíduo como sujeito. Surge uma vida comunitária e Hegel a denomina por unidade do Espírito Subjetivo. No entanto, a existência de múltiplas famílias reabre a contradição. Esta, agora, se estabelece entre o membro da família e o não membro da família. A luta entre as famílias constitui o primeiro momento da sociedade civil. A sociedade civil resolve as lutas familiares criando a diferença entre os interesses públicos e os privados. A sociedade civil é a negação da família. Isto não significa que a família deixou de existir, mas significa apenas que a realidade da família não depende dela própria, mas é determinada pelas relações da sociedade civil.

Isto significa que o indivíduo social não se define como membro da família (como pai, mãe, filho, irmão), mas se define por algo que desestrutura a família: as classes sociais. A sociedade civil é constituída por três classes, a primeira das quais se encontra ainda amarrada à família, enquanto a terceira já não possui qualquer relação com a vida familiar, é inteiramente definida pela vida social. A primeira é aristocracia ou nobreza, proprietária da terra e que se conserva justamente pelos laços de sangue e pela linhagem (por isso ainda está próxima da família). A terceira, que Hegel denomina de classe universal, é a classe média constituída pelos funcionários do Estado (governantes, dirigentes, magistrados, professores, funcionários públicos em geral). Entre essas duas classes, existe uma, intermediária, e que é o coração da sociedade civil: a classe formal, isto é, os indivíduos que vivem da indústria e do comércio, do trabalho próprio ou do trabalho alheio. Formam as corporações (sindicatos) e seus interesses definem toda a esfera da vida civil. 

Pela mediação das classes sociais, a sociedade civil nega o indivíduo isolado (pessoa e sujeito) e o indivíduo como membro da família, fazendo-o aparecer como indivíduo membro da sociedade, e pertencente a uma classe social. A unidade ou síntese do proprietário, do sujeito e do membro da família chama-se, agora, o cidadão. Ora, entre os cidadãos (ou seja, entre as classes sociais) existem conflitos e se reabre a contradição. Agora, a contradição se estabelece entre os interesses de cada classe social e os das outras, e entre os interesses dos próprios membros de uma classe social. Ou seja, ressurge, de modo novo, a contradição entre o privado (cada classe) e o público (todas as classes). A resolução dessa contradição é feita pelo Estado.

O Estado constitui a unidade final. Ele sintetiza numa realidade coletiva, a totalidade dos interesses individuais, familiares, sociais, privados e públicos. Somente nele o cidadão se torna verdadeiramente real e somente nele se define a existência social e moral dos homens. O Estado é o Espírito Objetivo. O Estado é uma comunidade. Mas difere da comunidade familiar e da comunidade das classes sociais (suas corporações), porque não possui nenhum interesse particular, mas apenas os interesses comuns e gerais de todos. E uma comunidade universal (isto é; seus interesses não sendo particulares, desta ou daquela família, deste ou daquele indivíduo, desta ou daquela classe, são interesses universais). O Estado não é, pois, um dado imediato da vida social, mas um produto da sociedade enquanto Espírito Subjetivo que busca tornar-se Espírito Objetivo. O Estado é a Ideia política por excelência, uma das mais altas sínteses do Espírito. Nele se harmonizam os interesses da pessoa (proprietário), do sujeito (moral) e do cidadão (sociedade e política).

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