quarta-feira, 27 de agosto de 2025

As futuras “guerras da água” no centro da Ásia


As chamadas “guerras da água” referem-se a conflitos, tensões ou rivalidades causadas pelo acesso escasso e desigual aos recursos hídricos, especialmente em regiões áridas ou semiáridas. Na Ásia há por assim dizer dois grandes focos: um, na Ásia Central – que inclui países como o Cazaquistão, Uzbequistão, Turquemenistão, Quirguistão e Tajiquistão, um dos epicentros potenciais desses conflitos futuros devido a fatores geográficos, políticos e climáticos; o outro tem a ver com a China que tem planos ambiciosos para construir uma super barragem no rio Yarlung Tsangpo, no Tibete, que ao cruzar para a Índia passa a chamar-se Brahmaputra -- um dos rios mais importantes para o nordeste indiano e para o Bangladesh.


A Ásia Central é dominada por regiões áridas e semiáridas, onde a água é um recurso vital e limitado. Dois dos principais rios – o Amu Dária e o Sir Dária – nascem em áreas montanhosas do Quirguistão e do Tajiquistão (montanhas Pamir e Tian Shan) e fluem para os países mais baixos, como Uzbequistão, Turquemenistão e Cazaquistão. Essa geografia cria um desequilíbrio estrutural: Países a montante (Tajiquistão e Quirguistão) controlam a nascente dos rios. Países a jusante (Uzbequistão, Cazaquistão e Turquemenistão) dependem desse fluxo para irrigação e agricultura. Durante a era soviética, Moscovo geria esse sistema com uma lógica de “troca” energética: os países a montante forneciam água no verão e recebiam gás ou eletricidade no inverno. Após a independência das repúblicas, essa coordenação colapsou, e as tensões aumentaram.

Países a montante priorizam produção de energia hidroelétrica (armazenando água no inverno). Países a jusante precisam de água no verão para irrigar plantações de algodão, arroz e trigo. Este conflito de calendários provoca fricções cíclicas e até ameaças diplomáticas. A mudança climática está a reduzir o volume de gelo nas montanhas (glaciares), o que ameaça a regularidade e volume dos caudais fluviais. Períodos de seca mais frequentes agravam a competição e podem incentivar conflitos locais e transfronteiriços. O Tajiquistão construiu a Barragem Rogun, uma das maiores da Ásia Central. Quirguistão também investe em represas para hidroeletricidade. Os países a jusante temem que estes projetos restrinjam o fluxo de água, com impactos devastadores nas suas economias agrícolas.

Uma das maiores catástrofes ecológicas da era moderna foi o desvio dos rios Amu Dária e Sir Dária para irrigação (sobretudo na era soviética) quase secou o Mar de Aral. Consequência: degradação ecológica, salinização de solos, problemas de saúde pública e deslocações populacionais. As tensões podem escalar por vários fatores. Pressão demográfica: crescimento populacional exige mais água para consumo e alimentação. Falta de tratados vinculativos: não existe uma estrutura jurídica regional efetiva para gerir os recursos hídricos compartilhados. Influência externa: potências como China, Rússia e Turquia têm interesses estratégicos na região. A água pode tornar-se um fator de geopolítica e de alinhamento. Pode emergir uma narrativa de que “o outro está a roubar água”, o que é perigoso em regimes autoritários ou instáveis. A Comissão Interestatal para a Água da Ásia Central tenta coordenar a gestão regional dos recursos. A ONU, o Banco Mundial e outras entidades tentam mediar acordos multilaterais. Iniciativas de “diplomacia da água” promovem partilha de dados, construção de confiança e coordenação técnica entre países.

Na China – o que se sabe acerca da Barragem do Yarlung Tsangpo? Localização: no desfiladeiro de Medog, uma zona geologicamente instável, mas com enorme potencial hidroelétrico. Capacidade estimada: mais de 60 GW – superando a barragem das Três Gargantas (22,5 GW), hoje a maior do mundo. Justificação oficial: geração de energia limpa e apoio ao desenvolvimento do Tibete. Potenciais problemas: Impacto ecológico colossal: alteração dos fluxos naturais e destruição de ecossistemas únicos no Himalaia. Segurança sísmica: a região é propensa a terramotos e deslizamentos de terra. Gestão unilateral da água: Pequim tomaria controlo sobre o fluxo inicial do Brahmaputra, o que afeta a Índia, em especial o estado de Assam (agrícola e etnicamente sensível). O Bangladesh, um dos países mais vulneráveis às alterações de nível e qualidade da água.

O conflito geopolítico, por esse facto, está em ascensão entre China e Índia. A barragem é vista por Nova Deli como uma ameaça estratégica direta. A Índia teme que a China possa usar o controle da água como arma geopolítica, reduzindo ou alterando o fluxo em tempos de tensão. A construção ocorre numa zona contestada (região de Arunachal Pradesh, que a China reclama como “Sul do Tibete”). Já há escaramuças militares nas áreas fronteiriças montanhosas (ex: Galwan em 2020). A água torna-se mais do que um recurso: é uma alavanca estratégica. Um eventual conflito armado sino/indiano pode não começar por armas, mas por fluxos de água interrompidos.


Uma barragem com capacidade de regular o fluxo para 130 milhões de pessoas torna-se o novo botão nuclear silencioso. Pequim, em desacordo com a Índia num conflito tecnológico no Índico, decide reduzir temporariamente o fluxo do Yarlung Tsangpo. A seca que se instala no nordeste indiano causa movimentos de protesto, crises alimentares e apelos à intervenção militar. A ONU é forçada a mediar um tratado multilateral sobre os rios transfronteiriços dos Himalaias. Mas já é tarde demais para o Bangladesh, cujos campos de arroz colapsaram em três estações sucessivas.

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