O que é o fanatismo? O fanatismo pode ser entendido como uma adesão cega e intransigente a uma ideia, causa, ideologia, religião ou pessoa, acompanhada de intolerância para com qualquer visão diferente. É mais do que convicção forte: é uma crença sem espaço para crítica ou dúvida. Está associado a um excesso de paixão, em que a emoção se sobrepõe à razão. Muitas vezes, assume a forma de hostilidade contra quem discorda.
Um fanático típico costuma ter alguns traços: certeza absoluta é padrão, não admitindo dúvidas nem incertezas; com visão binária divide o mundo em “bons e maus”, “nós e eles”; intolerante à crítica, interpretando objeções como ataques pessoais; com proselitismo não se cansa de tentar converter ou impor a sua visão. Por conseguinte, um fanático é um rígido ideológico com grande dificuldade de adaptação a contextos novos.
Mariana Mortágua encaixa-se nesse perfil? Mariana Mortágua é uma figura política portuguesa, deputada do Bloco de Esquerda, bastante ativa no discurso público. O discurso dela por vezes parece enquadrar em “ricos vs. pobres”, “opressores vs. oprimidos”. Isso é um traço que pode resvalar para o maniqueísmo, que alimenta fanatismo. Mariana Mortágua encaixa-se no lado da convicção forte.
A flotilha conta com centenas de barcos de diversos países, com a presença de ativistas, deputados e jornalistas, numa tentativa de pressionar pela abertura de um corredor humanitário para Gaza. Mortágua condena explicitamente tanto os atos de terror cometidos pelo Hamas quanto os crimes de guerra praticados por Israel, denunciando o que considera ser uma política genocida em Gaza.
É importante separar bem as coisas, porque houve reações muito diferentes à esquerda logo após o 7 de outubro de 2023. Em várias cidades do mundo (Nova Iorque, Londres, Paris, Berlim, Lisboa) houve manifestações imediatas contra Israel e em apoio à “resistência palestiniana”. Nesses atos, alguns grupos foram explícitos a celebrar ou justificar os ataques do Hamas, apresentando-os como resistência legítima à ocupação. Isto gerou enorme controvérsia, porque para a maioria do público global ainda estava fresco o massacre brutal de civis israelitas (incluindo mulheres, crianças e idosos).
Setores mais radicais da esquerda internacional (ex.: certas alas universitárias americanas, grupos trotskistas, movimentos antissionistas radicais) tenderam a romantizar o Hamas como “resistência”. Partidos de esquerda democrática, como o Bloco de Esquerda (onde está Mariana Mortágua), o Podemos em Espanha, ou partidos verdes europeus, foram mais cautelosos: Primeiro, alguns caíram na crítica apenas a Israel, omitindo condenar o Hamas. Mas rapidamente ajustaram o discurso para condenar tanto os crimes do Hamas como os de Israel (o BE fez isso de forma explícita, ainda em outubro de 2023).
O que Mortágua disse em 11 de outubro de 2023 (quatro dias depois do massacre) foi: “Condenamos os crimes de guerra cometidos pelo Hamas e por Israel” (Expresso). Ou seja, fez uma dupla condenação. Ainda que, se possa considerar, que Mortágua colocou no mesmo plano o Hamas (um grupo terrorista fundamentalista) e Israel (um Estado). Este pode ser o erro. Mariana Mortágua entra claramente no grupo da Esquerda anticolonial crítica. Condena o Hamas, mas centra o foco na ocupação israelita. Usa a grelha de leitura de colonialismo/apartheid, muito comum nesse campo. Há a sublinhar que ela nunca se dispõe a iniciativas de solidariedade para com Israel – um Estado democrático, plural e com instituições fortes. As ações simbólicas (como flotilhas, vigílias, campanhas) são sempre em defesa da causa palestiniana. Isso gera a perceção (e até um efeito político prático) de que o terrorismo do Hamas é relativizado, porque a ênfase recai sempre sobre Israel como culpado maior. Participa em ações humanitárias como a flotilha, mas não legitima o Hamas. Em Nova Iorque e noutros sítios, manifestações de grupos radicais chegaram a justificar ou mesmo a apoiar o Hamas.
Israel é apontado como potência ocupante, praticando políticas de apartheid e violência desproporcionada. Mas raramente a esquerda reconhece com igual intensidade que Israel é uma democracia, com parlamento pluralista, tribunais independentes, imprensa livre e forte diversidade interna (incluindo cidadãos árabes israelitas com assento no Knesset). O Hamas é formalmente condenado, mas muitas vezes retratado de forma indireta como “resistência armada”. Ora, na prática, o Hamas é uma teocracia autoritária, que persegue opositores, reprime mulheres e minorias, e cujo programa político inclui explicitamente a destruição de Israel.
A consequência é que, enquanto o sofrimento palestiniano merece mobilização internacional organizada, o sofrimento israelita é um dado colateral da guerra. Isso, mesmo sem intenção, acaba por alimentar a propaganda do Hamas, porque reforça a narrativa de que a sua violência seria “resistência legítima”. Ainda que nada tenha a ver com o que se viu em Nova Iorque, realmente um segmento mais radical da esquerda internacional, com menos pudor em chamar o Hamas de resistência legítima, Mortágua, ainda assim, apesar de se situar no campo do humanitarismo anticolonial, condenando Israel como potência ocupante, erra ao validar indiretamente, ainda que sem intenção, o terrorismo do Hamas.
A consequência é que, enquanto o sofrimento palestiniano merece mobilização internacional organizada, o sofrimento israelita é um dado colateral da guerra. Isso, mesmo sem intenção, acaba por alimentar a propaganda do Hamas, porque reforça a narrativa de que a sua violência seria “resistência legítima”. Ainda que nada tenha a ver com o que se viu em Nova Iorque, realmente um segmento mais radical da esquerda internacional, com menos pudor em chamar o Hamas de resistência legítima, Mortágua, ainda assim, apesar de se situar no campo do humanitarismo anticolonial, condenando Israel como potência ocupante, erra ao validar indiretamente, ainda que sem intenção, o terrorismo do Hamas.
É esse o ponto incómodo que geralmente ninguém de esquerda tem coragem de falar: Hamas pratica uma ideologia de morte (não só contra Israel, mas contra os próprios palestinianos de Gaza que não se alinham com ele). Quando não é salientada a diferença em relação a Israel, que é uma democracia, ainda que imperfeita, com a mesma força que é salientada a “Resistência”, cria-se um desequilíbrio moral. Portanto, mesmo sem querer, Mortágua e outros, ao só enfatizarem o lado palestiniano, acabam por legitimar indiretamente o Hamas. A escolha de causas simbólicas tem peso político e moral. O erro da esquerda anticolonial é ignorar que o apoio ao povo palestiniano acaba por dar munição discursiva ao Hamas.
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