sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Criticar o multiculturalismo não é racismo


No debate atual sobre a imigração há quem negligencie ou desvalorize a diferença entre culturas. E a realidade dos factos diz-nos que para cada um, a sua cultura é, por inerência, sempre melhor do que a cultura alheia. Mas na objetividade as posições dividem-se, porque há quem não admita que na diversidade das culturas haja evidência que umas sejam objetivamente e honestamente melhores do que outras. Os alemães em 2015, quando aceitaram receber em muito pouco tempo um milhão de refugiados sírios, sentiram-se, e com razão, orgulhosos por a sua cultura alemã ser, de certa maneira, melhor do que a cultua síria.

O debate em torno deste tema não deve ser conduzido como se houvesse uma razão absoluta. Isso não significa que não se possa estabelecer uma linha que separe o bem e o mal. Trata-se de uma discussão de prós e contras na vida prática em clima democrático. É muito mais fácil um muçulmano emigrar para a Alemanha do que um cristão emigrar para a Síria. O racismo é moralmente aberrante. E cientificamente estúpido. Os biólogos, e particularmente os geneticistas, provaram de forma inequívoca que as diferenças físicas entre pessoas nativas de partes do mundo geograficamente distintas, eram irrelevantes para o carácter único que especifica o homo sapiens em qualquer canto do mundo. Tudo o que certos autores, antropólogos ou não a coberto da ciência, até aí tinham dito sobre umas raças humanas serem superiores a outras quanto ao nível de inteligência, não só foi deitado para o caixote do lixo, como veementemente repudiado por todos os cientistas a seguir à Segunda Guerra Mundial. Isso não contradizia o facto de haver diferenças significativas entre as várias culturas humanas.

Mas a dada altura, na segunda metade do século 20, surgiram os relativistas culturais a fazer o seu caminho defendendo que as diferenças culturais não implicavam que houvesse uma hierarquia valorativa que determinasse umas culturas superiores às outras. Naturalmente que todas as crenças e todas as práticas sociais devem ser comemoradas, porém, devemos nos interpelar em relação a algumas práticas culturais que legitimam: o infanticídio; a lapidação por adultério; a mutilação genital feminina; e por aí fora, entre muitas outras. Neste contexto, manifestações contra essas práticas tradicionais de algumas culturas, na verdade, devem ser classificadas de manifestações de crítica cultural, e não de manifestações racistas.

Atualmente já não deve haver desculpa nem condescendência para qualquer manifestação racista, que fique bem claro. A perda do seu fundamento leva também à perda de qualquer respeitabilidade política. Mas não dever ser a primeira hipótese quando está envolvido o agente da autoridade na sua missão de proteger os cidadãos, seja qual for a sua cor de pele. As práticas policiais seguem os melhores padrões ditados pelas instâncias internacionais alicerçados no historial da experiência passada. É claro que isto não significa que o móbil biológico se possa sobrepor à razão cultural, e tenha implicações profundas nos juízos de avaliação contaminados pelo preconceito, tanto idiossincrático como ideológico.

Antropólogos e sociólogos sentem-se muito desconfortáveis por temerem que o debate candente resvale para primarismo de todos os tempos. Não se pode negar que certas diferenças culturais ainda são objeto de grande conflito. O que está em causa são os termos e os momentos circunstanciais históricos em que vivemos. Dando um exemplo: pode não ser aceitável, mas compreensível, que um trabalhador português numa empresa na China tenha os mesmos problemas – quanto à justiça feita com a sua promoção – que um trabalhador chinês numa empresa em Portugal. Aqui o que está em causa são realidades distintas umas das outras, e que não há que levar a mal que na China o chinês passe à frente do português, e em Portugal seja o português a passar à frente do chinês numa promoção, sem que o critério tenha sido por mérito.

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