segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

As mudanças cíclicas da História surpreendem sempre os especialistas

 

Os sociólogos frequentemente falham em prever ou entender a profundidade das mudanças sociais, porque se limitam a perspectivar as próprias teorias por si inventadas. E como são bem-educados, negligenciam as nuances humanas que têm a ver com o seu pior lado. Aquele lado para o qual dizem que dormem melhor. Esse abismo entre a teoria e a prática acaba por criar uma espécie de cegueira dos pântanos, onde o conhecimento mergulha na profundeza das águas turvas. Miopia acadêmica, diz uma pessoa bem-educada, em que o conhecimento é abundante, mas a sabedoria, a visão holística e a capacidade de ver além das teorias não acompanham a realidade. O que é caricato é que já há mais de dois mil anos os Gregos sabiam isso. Aquilo a que os gregos chamavam "phronesis" — a sabedoria prática. Uma sabedoria que não se limitava ao que está nos livros, até porque havia poucos livros. 

Há uma sabedoria quase intuitiva na natureza que equilibra e ajusta as funções e energias em prol da continuidade da vida. É como se houvesse uma "economia de energia" natural. Há um custo energético e psíquico significativo no avanço tecnológico. Demanda não só tempo, mas também uma disposição emocional e física intensa. Ora, a mente, em detrimento do corpo, deixou-o em segundo plano. E o poeta António Variações sabia disso, quando colocou numa das suas canções a frase: "Quando a mente não tem juízo, o corpo é que paga". Curiosamente, essa transformação não é apenas uma escolha pessoal, mas também um reflexo de sociedades que valorizam o sucesso individual e a independência. Em certo sentido, a "Mãe Natureza" mantém a sua sabedoria ao equilibrar forças; já o ser humano, ao reorganizar os seus papéis, não valoriza o sentido da vida. 

Um outro assunto que se prende com o outro lado do progresso, ou seja, os seus malefícios tecnológicos, tem a ver com o aparente aumento de autismo a correlacionar-se com os ecrãs e plataformas digitais, como os smartphones. O aumento do tempo de exposição a ecrãs e a interação constante com plataformas digitais são preocupações crescentes, especialmente para o desenvolvimento infantil. Estudos recentes apontam uma correlação entre o seu uso excessivo e atrasos no desenvolvimento social e da linguagem, que podem compartilhar alguns sintomas com o autismo, como dificuldades de comunicação e interação social. Ainda que a comunidade científica ainda debata se há uma relação causal entre o aumento do uso de ecrãs e o autismo em si, há indícios de que o uso precoce e prolongado de dispositivos digitais pode interferir no desenvolvimento neurológico, afetando a capacidade de atenção, o controlo emocional e as habilidades sociais das crianças.

Esse impacto talvez esteja ligado à forma como as tecnologias oferecem estímulos rápidos e contínuos, enquanto a interação com o ambiente físico, essencial para o desenvolvimento neurológico e emocional saudável, é mais lenta e rica em contrastes. Além disso, muitos aplicativos e plataformas são projetados para prender a atenção do observador, o que pode resultar numa espécie de “dependência digital” que afeta a capacidade de concentração e de relacionamento.

Pelo menos há uma coincidência de os gurus da informática de Silicon Valley terem uma percentagem acima da média de fulanos com uma determinada posição no espectro autista como o síndrome Asperger. Muitos dos pioneiros e líderes da tecnologia de Silicon Valley são associados a características dentro do espectro autista, como o síndrome de Asperger. Embora as estatísticas exatas não sejam amplamente documentadas, há evidências anedóticas e algumas análises que sugerem uma prevalência acima da média de pessoas com traços desse espectro no setor de tecnologia. Essas características — como a alta capacidade de concentração, uma forte aptidão para padrões e detalhes, e, em muitos casos, um profundo interesse por áreas específicas — são valiosas em atividades que exigem intensa atenção a detalhes e habilidade técnica. No ambiente de Silicon Valley, que valoriza inovação e dedicação a projetos complexos, essas habilidades são vistas como grandes vantagens e podem explicar o destaque de pessoas com esses traços no setor.

Mas é interessante notar o paradoxo: enquanto algumas dessas características contribuíram para a criação de tecnologias digitais, incluindo as plataformas de smartphones e redes sociais, o uso excessivo dessas mesmas tecnologias levanta preocupações sobre o impacto no desenvolvimento neurológico de outras pessoas, especialmente crianças. E sabe-se que, por razões éticas e outras, estes diagnósticos estão subdimensionados, o que é compreensível. Há uma subnotificação dos diagnósticos no espectro autista, em especial quando se trata de indivíduos com características leves ou habilidades funcionais elevadas, como no caso do síndrome de Asperger. Por razões éticas e culturais, muitos adultos nunca foram diagnosticados formalmente, tanto porque a compreensão do espectro autista era mais limitada em décadas passadas, assim como há um estigma associado ao diagnóstico.

Além disso, indivíduos com perfil funcional elevado frequentemente adaptam suas vidas de forma a contornar ou minimizar os desafios, o que dificulta a identificação. No ambiente de trabalho, especialmente em campos que valorizam competências analíticas e técnicas, esses traços podem até ser vistos como qualidades desejáveis, o que diminui ainda mais a possibilidade de um diagnóstico formal. Isso cria uma subdimensão dos números reais, tanto nas estatísticas de saúde como na compreensão pública sobre o espectro autista, já que muitos casos simplesmente não são contabilizados. A questão ética é especialmente delicada, pois o diagnóstico, embora útil para o autoconhecimento e para o acesso a apoio, pode levar a preconceitos e rotulações desnecessárias. Assim, o aumento de diagnósticos nos últimos anos, especialmente entre adultos, tem sido acompanhado de debates sobre até que ponto é benéfico ou necessário a sua maior divulgação, levando em conta os potenciais impactos psicológicos e sociais.

Sem comentários:

Enviar um comentário