quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Valores em decadência - Da equanimidade de Spinoza ao multiculturalismo dos Millennials



A sociedade ocidental hoje é mais hedonista e autoindulgente. Por isso, quem apelar ao espírito de sacrifício, honra e atos de heroísmo será olhado com desprezo. Muitos comentadores contemporâneos, mas da velha guarda, argumentam que a sociedade ocidental atual muito focada no hedonismo e no consumo, tornou-se imprevidente e autoindulgente. Aqueles valores de heroísmo que implicava espírito de sacrifício nos antigos, só tem merecido desprezo por parte das novas gerações (Gen Z; Gen Alpha; Gen Beta). É o que dizem os velhos, e sempre disseram das gerações seguintes. 

A Geração Z (Gen Z) diz respeito aos nascidos aproximadamente entre 1997 e 2012. Essa geração cresceu em um mundo altamente digitalizado, sendo a primeira verdadeiramente nativa digital. Eles são conhecidos por sua familiaridade com a tecnologia e as redes sociais, bem como por uma forte atenção em questões sociais e sustentabilidade. A Geração Alpha (Gen Alpha) é a geração de 2013 até, aproximadamente, 2025. Essa geração está crescendo com tecnologias avançadas, como inteligência artificial e dispositivos conectados, e é frequentemente descrita como a mais educada e tecnologicamente integrada da história. Geração Beta (possível nome futuro), ainda não há consenso sobre o nome da geração que virá após a Alpha (provavelmente a partir de meados da década de 2020). Alguns especialistas especulam que o nome seguirá o alfabeto grego (Beta), enquanto outros acreditam que novos critérios podem surgir para batizá-los.

Os Millennials, também conhecidos como Geração Y, antecedem a Geração Z. Eles são geralmente definidos como nascidos entre 1981 e 1996 (embora as datas possam variar ligeiramente dependendo dos autores, do país, ou da escola académica a que pertencem, anglo-saxónica ou outras). Cresceram durante a transição da era analógica para a digital, sendo os primeiros a adotar em massa a internet, smartphones e redes sociais. É considerada a geração mais educada até então, com níveis superiores de escolaridade. Valorizam experiências em vez de posses materiais, têm foco em trabalho com propósito, flexibilidade e questões sociais. Foram moldados por eventos como os ataques de 11 de setembro, a Grande Recessão de 2008 e o surgimento de gigantes da tecnologia como Google, Facebook e Amazon. Já agora, a geração antes dos Millenials foi a Geração X (1965–1980).

O espírito de sacrifício, que em tempos passados era celebrado, muitas vezes aparece hoje diluído em ações superficiais ou caridade performativa, enquanto o heroísmo pode ser desconstruído como uma forma de exibição de ego. Essa abordagem mais cínica da sociedade se conecta à ideia de que o individualismo exacerbado enfraquece os laços comunitários e os valores coletivos. Há quem diga que o desapreço por esses valores indica uma crise de sentido e propósito mais profunda, algo que as sociedades em declínio cultural enfrentam quando a busca por conforto imediato e prazer se sobrepõe a qualquer ética de esforço ou sacrifício pelo bem maior.

A noção de que a civilização pode entrar em decadência quando rompe de maneira drástica com tradições é sustentada por exemplos históricos, como o declínio do Império Romano, onde muitos estudiosos argumentam que a perda de valores tradicionais contribuiu para a sua queda. A "decadência" é, portanto, uma metáfora recorrente para descrever um período de desordem e enfraquecimento dos alicerces culturais e sociais. Enquanto doutrinas como o movimento "woke", são vistas por alguns como um rompimento com valores tradicionais, para os seus adeptos é uma resposta necessária para corrigir injustiças históricas e criar uma sociedade mais igualitária. O conflito entre essas visões pode polarizar a sociedade e contribuir para o que é percebido como uma erosão dos laços comuns que sustentam a coesão cultural.


Há a crença de que a falta de uma identidade forte e valores unificadores pode deixar espaço para outras tradições ganharem força, especialmente em contextos de imigração e mudança demográfica. Para facilitar o raciocínio, diria que o multiculturalismo não vingou. Não diria polarização, mas pulverização cultural, em que uns são confucionistas, outros são islamistas, outros democráticos liberais secularistas. Em muitos casos, a ideia de multiculturalismo foi idealizada como uma forma de diferentes culturas coexistirem harmonicamente dentro de uma sociedade, enriquecendo-a com diversidade sem comprometer a coesão. No entanto, a prática tem mostrado que, em vez de integração, o que se observa muitas vezes é a "pulverização cultural": comunidades vivendo lado a lado, mas com poucas interações significativas que levem a uma verdadeira mistura ou compartilhamento de valores.

Essa coexistência sem integração pode criar bolsas de culturas distintas que mantêm suas próprias normas e valores, em vez de se fundirem num todo mais coeso. Isso, por sua vez, pode levar a uma fragmentação social, na qual diferentes grupos seguem filosofias e sistemas de valores radicalmente diferentes sem um ponto de interseção comum que promova unidade. O problema de uma sociedade assim pulverizada é que ela pode perder a capacidade de agir de forma coesa em momentos de crise. Sem uma base de valores compartilhados, torna-se difícil construir políticas que atendam a todos, e as tensões entre comunidades podem intensificar o estado de alienação e competitividade, em vez de cooperação. A questão central então se torna como equilibrar o respeito pelas diferenças culturais com a necessidade de um núcleo de valores compartilhados que sustente a sociedade. Um modelo de assimilação moderada em vez de um multiculturalismo puro poderia ser uma solução intermédia.

A equanimidade está a ser muito difícil. Estou a lembrar-me de Spinoza que ainda chegou a pensar ser possível com a sua ideia de conatos (esforço), mas acabou por se desesperançar. Spinoza, depois de morrer, ninguém quis assumir o seu funeral. Naquele tempo um ateu era uma impossibilidade. Baruch Bento ou Benedito, que concebia uma sociedade equânime e racional, estava muito à frente do seu tempo, e por isso era inevitável que tivesse sofrido os obstáculos que sofreu. 

Baruch Spinoza, filósofo judeu-holandês do século XVII, recebeu o nome de "Baruch" em hebraico, que significa "abençoado". Esse era o nome usado no contexto religioso e por seus contemporâneos na comunidade judaica dos Países Baixos. No entanto, após a excomunhão (herem) que a comunidade judaica de Amesterdão lhe infligiu em 1656, ele adotou o nome latino "Benedictus", que também significa "abençoado". Esse nome foi utilizado em seus escritos filosóficos e era a forma pela qual ele era conhecido entre os intelectuais da época. Portanto, podemos dizer que Baruch foi o nome dado pelos seus antepassados e pela comunidade judaica em que nasceu. Bento é o equivalente em português, que poderia ser usado em um contexto de aproximação linguística. Benedictus foi o nome escolhido para marcar a sua inserção em um contexto filosófico e académico mais amplo, desvinculado da ortodoxia judaica. Essa transição de nomes reflete não apenas a multiplicidade cultural e linguística em que Spinoza vivia, mas também a sua posição singular como filósofo que desafiou as tradições religiosas de sua época.

Spinoza sonhava com uma comunidade onde a razão e a ética pudessem guiar as relações humanas, superando paixões irracionais e preconceitos religiosos. No entanto, mesmo ele reconheceu que as limitações humanas tornavam essa utopia difícil de alcançar. Hoje, mesmo com sociedades mais seculares e plurais, o desafio de alcançar uma equanimidade verdadeira continua. A fragmentação cultural e a falta de um conjunto de valores universais que unam diferentes grupos fazem com que essa visão de harmonia racional pareça tão ilusória como na época de Spinoza. O multiculturalismo, que poderia ter sido uma ponte para essa equanimidade, muitas vezes se transforma em uma arena de valores e interesses em competição, em vez de convergência. A história parece mostrar que, assim como Spinoza concluiu, uma equanimidade plena pode ser uma meta nobre, mas longe de ser uma realidade alcançável.


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