domingo, 26 de janeiro de 2025

Os problemas da Nova Esquerda




Há uma tendência em setores da chamada Nova Esquerda para polarizar os debates, classificando qualquer ajuste ao discurso tradicional como uma cedência à extrema-direita. Isto vem a propósito da última entrevista de Pedro Nuno Santos ao jornal Expresso. O líder do Partido Socialista disse na última entrevista coisas que parece estar a reposicionar o Partido Socialista novamente no velho espaço mais clássico da social-democracia. Social Democracia essa que sempre se preocupou com a justiça social e com as ansiedades das classes trabalhadoras. 

Ora, o que tem vindo a acontecer já há alguns anos é que uma certa Esquerda deixou-se inebriar com os "valores" propalados pela tribo Judith Butler. E deitou para o caixote do lixo as antigas ansiedades da classe dos trabalhadores braçais. Pedro Nuno Santos vem agora fazer uma espécie de autocrítica no bom estilo da clássica Esquerda. Mas caiu logo o Carmo e a Trindade trazido desde logo a público por correligionários seus por estar a ceder ao populismo de direita.

Reconhecer que o tema da imigração é complexo, que exige um equilíbrio entre solidariedade internacional, e a proteção de quem cá vive, sobretudo em relação a direitos sociais que custaram muito a conquistar, não significa que se esteja a fazer um favor aos partidos de extrema-direita. Por conseguinte, é uma simplificação perigosa o que os críticos de Pedro Nuno Santos estão agora a fazer, o que empobrece o debate político.

Afinal, a social-democracia nasceu exatamente dessa preocupação em evitar os extremos, conciliando progresso social com estabilidade política. Parece mais uma estratégia de ataque da Nova Esquerda, que, por vezes, age de forma dogmática, esquecendo que a política exige pragmatismo e capacidade de adaptação. Analisar o que se passa através da dicotomia entre a velha e a nova esquerda é uma abordagem heurística importante para entender as transformações internas da esquerda internacional. A velha esquerda, ancorada em valores marxistas e na luta de classes, tinha como foco principal os direitos e interesses da classe operária e das camadas ditas populares. Ela falava em nome de questões materiais – emprego, salários, segurança social e redistribuição de riqueza.

Já a Nova Esquerda, especialmente a partir da segunda metade do século XX, deslocou parte desse foco para questões culturais, identitárias e outras causas feministas da linha da pós-estruturalista Judith Butler - as questões de género, raça e orientação sexual. Embora essas causas sejam legítimas e tenham trazido avanços importantes, acabaram por alienar partes da base tradicional da esquerda, sobretudo as classes trabalhadoras, que não se identificam com discursos que consideram elitistas e desligados das suas preocupações materiais mais prementes.

Ora, isso criou uma crise de identidade na Esquerda. Em muitos casos, os partidos e movimentos que deveriam representar os interesses das classes populares passaram a adotar agendas tidas como absurdas. Isso abriu espaço para o crescimento do populismo de direita, que se apresenta como o novo defensor das preocupações dos "esquecidos" e que explora a frustração gerada por esse vazio de representação. O excesso de moralismo e polarização, frequentemente dogmático, acabou por impor um certo "policiamento" do discurso e das atitudes, que ao gerar ressentimento provocou uma reação contrária, muitas vezes explorada pela direita populista que acusa a Esquerda de impor uma "ditadura cultural" ou de atacar tradições e valores. Setores mais ligados à velha esquerda marxista, ou mesmo à social-democracia clássica, acusam essa nova orientação de desviar a atenção das questões estruturais e materiais, enfraquecendo a capacidade da Esquerda de articular uma alternativa ao neoliberalismo de modo abrangente.

Por outro lado, a direita aproveita o rótulo "woke" para generalizar, simplificar e atacar qualquer avanço progressista, criando uma caricatura que confunde reivindicações legítimas com exageros. Isso exacerba a polarização, dificultando um debate mais construtivo e aprofundado. A dicotomia entre a velha e a nova esquerda é central para entender as mudanças profundas que a esquerda política sofreu desde o final do século XIX até ao presente. Essa divisão reflete diferenças não apenas de prioridades políticas, mas também de estratégias, valores e grupos sociais que cada vertente busca representar. A velha esquerda emerge no século XIX, com raízes profundas no marxismo e na luta de classes, focada na organização e mobilização da classe operária para desafiar o sistema capitalista. Inspirada por pensadores como Karl Marx, Friedrich Engels e outros socialistas, ela acreditava que o capitalismo gerava desigualdade estrutural e que a solução estava na transformação das relações de produção. E preconizava um Estado forte, intervencionista, que garantisse direitos sociais e económicos, como saúde, educação e previdência. Era a ideia de que a classe trabalhadora era o agente principal de mudança e deveria estar unida em suas reivindicações. É claro que a velha esquerda está cheia de críticas por ter reduzido todas as questões sociais à luta de classes, ignorando outras formas de opressão - género, sexualidade, etnia, religião. Tornou-se dogmática e centralizadora, especialmente nos regimes comunistas, onde o autoritarismo se tornou uma marca.

A Nova Esquerda emerge a partir dos anos 1960/70, em que o Maio de 68 é um marco histórico. Inspirada por movimentos sociais e teóricos das academias dos campus universitários americanos. Mas a chamada "Escola de Frankfurt" foi determinante. As questões económicas foram deslocadas para as questões culturais, identitárias e ambientais. A luta contra o racismo, o sexismo, a homofobia e outras formas de opressão estrutural. A ideia central é que as identidades sociais também são fundamentais para entender as desigualdades. Em suma, os tais direitos civis e sociais.

A tensão tornou-se flagrante, uma das razões pelas quais a Esquerda passou a enfrentar enormes dificuldades junto dos seus eleitorados tradicionais. E os exemplos que decorrem há mais tempo no Centro e  Norte da Europa do que em Portugal são por demais evidentes para Pedro Nuno Santos não perceber isso. Há tensões dentro da Esquerda, com setores mais ligados à velha esquerda a ver essas questões como excessivamente académicas ou alienantes para gente comum. As novas feministas trouxeram para a Nova Esquerda uma atenção especial ao discurso e à linguagem. 
Embora essas práticas tenham como objetivo promover a inclusão, elas frequentemente são vistas como moralizadoras ou elitistas, especialmente por setores mais tradicionais da sociedade. A agenda feminista contemporânea designada por "woke", entrou em choque com outras prioridades da Esquerda. As reivindicações identitárias muitas vezes falam a um público mais urbano, jovem e instruído, alienando trabalhadores que não se identificam com essas causas. O feminismo da Nova Esquerda frequentemente confronta valores religiosos ou tradicionais, o que pode gerar tensões com eleitores de países ou comunidades mais conservadores.

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