sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Até que ponto a contracepção. Ou a interrupção voluntária da gravidez até às 14 semanas


A polémica sobre o tempo para a interrupção voluntária da gravidez regressa esta sexta-feira, dia 10 de janeiro 2025, à discussão em plenário na Assembleia da República, a pedido do PS. A esquerda parlamentar quer ver alargado o prazo legal, que atualmente se estende até às dez semanas de gestação. Tudo indica que PSD e CHEGA vão votar contra. Em causa estão propostas para as 12 e as 14 semanas de gestação – iniciativas legislativas que partem de todas as formações políticas, com a exceção de PSD e Iniciativa Liberal.

A deputada socialista Isabel Moreira exortou o PSD a acompanhar o PS, demarcando-se do Chega. Também BE, Livre e PCP defendem uma extensão do prazo legal para a realização do aborto. O PAN pretende ver reforçado o apoio às mulheres em consulta prévia de interrupção voluntária da gravidez, além da regulamentação do direito de objeção de consciência dos profissionais de saúde. O Chega propõe, no seu projeto, a possibilidade de as grávidas fazerem um exame para ver e ouvir o batimento cardíaco do feto. E o CDS-PP defende que os médicos objetores de consciência tenham a possibilidade de estar presentes nas consultas que antecedem um aborto.



Até que ponto a contracepção e os movimentos feministas no Ocidente ofuscaram o papel da maternidade ao ponto de ser a principal causa da baixa natalidade em todo o Ocidente? É que, de facto, a contracepção e os movimentos feministas influenciaram a percepção da maternidade e a dinâmica familiar no Ocidente. A partir de 1960 verificaram-se em todo o Ocidente mudanças no valor social e cultural da maternidade. Os movimentos feministas revalorizaram o papel das mulheres, promovendo a sua autonomia sobre decisões pessoais, incluindo a escolha de ter ou não filhos. Essa autonomia permite que as mulheres busquem realizações além da maternidade, como carreiras e educação superior. Em algumas culturas ocidentais, a realização pessoal e profissional passou a ter um peso semelhante ao da vida familiar, gerando uma redefinição da identidade feminina.

A disseminação de métodos contraceptivos deu às mulheres e casais um poder de decisão sem precedentes sobre o número de filhos e o momento de tê-los. Isso não apenas adiou a maternidade, mas também tornou possível limitar o número de filhos, respondendo a preferências individuais e às condições económicas e sociais de cada família. Simultaneamente o alto custo de criar filhos, a exigência de qualificação constante e as inseguranças laborais têm desestimulado a maternidade em países desenvolvidos. Além disso, a falta de políticas de apoio à família, como licenças parentais prolongadas, creches acessíveis e sistemas de saúde gratuitos, colocou uma pressão ainda maior sobre mulheres e casais.

O foco ocidental em valores individualistas, reforçado por modelos de sucesso e realização pessoal, tem desencorajado as famílias numerosas e alterado o modo como as pessoas planeiam as suas vidas. Esse fenómeno é acompanhado por mudanças nas expectativas em relação ao casamento e à procriação, diminuindo a influência dos valores tradicionais. Hoje já não estamos como no passado, quando a família numerosa era necessária para sustentar economias agrárias. Hoje o cenário urbano e de trabalho configurou toda uma série de opções de vida que podemos considerar revolucionárias.

Mas é paradoxal, dado que é nos países mais pobres do chamado Terceiro Mundo, agora Sul Global, que os índices de natalidade são mais elevados, assim como nos países islâmicos em que o feminismo é um oxímoro. A relação entre desenvolvimento socioeconómico, acesso a direitos e natalidade gera pelo menos um paradoxo. Nos países mais pobres, do Sul Global e em várias nações islâmicas, taxas de natalidade elevadas ainda predominam, o que parece contrastar com o Ocidente, onde avanços económicos e sociais, inclusive para as mulheres, são acompanhados por baixa natalidade. Em muitas regiões do Sul Global, ter filhos ainda está fortemente ligado a aspectos económicos e sociais de sobrevivência, onde filhos podem contribuir para a economia familiar ou garantir cuidados na velhice. A maternidade é também um valor cultural profundo que está atrelado à identidade e ao papel feminino em sociedades onde ainda não há ampla abertura para alternativas profissionais ou educacionais para as mulheres.

Nos países islâmicos e em algumas outras sociedades tradicionais, a religião frequentemente incentiva ou mesmo exige a procriação como um dever moral e espiritual. O conceito de feminismo nesses contextos tende a colidir com esses preceitos religiosos e culturais, limitando a difusão de ideais que promovam escolhas sobre maternidade ou participação feminina em esferas públicas e profissionais. Esse contexto reflete-se numa valorização da família numerosa e em uma estrutura social que restringe a autonomia reprodutiva. Esse quadro, combinado com barreiras culturais e religiosas, resulta em menores possibilidades de planeamento familiar. Assim, mesmo quando as mulheres desejam limitar o número de filhos, as condições sociais e a falta de autonomia podem dificultar essa decisão.

A teoria da transição demográfica explica que sociedades agrárias e menos urbanizadas tendem a manter altas taxas de natalidade, uma vez que o crescimento populacional é necessário para a economia local. À medida que os países se desenvolvem e se urbanizam, as famílias costumam ter menos filhos, como vemos nos países ocidentais. Essa mudança acompanha também o aumento do custo de vida, as pressões urbanas e a valorização de carreiras e estilos de vida que não giram em torno da família numerosa. Em países mais desenvolvidos, os custos de criar um filho e as dificuldades para conciliar vida profissional e familiar pesam muito na decisão de ter filhos. Em contraste, muitas sociedades do Sul Global ainda operam em sistemas de famílias extensas, em que a responsabilidade pelos filhos é compartilhada por uma rede familiar mais ampla, o que facilita ter mais filhos. Paradoxalmente, o desenvolvimento e a autonomia individual que geram a baixa natalidade no Ocidente ainda são, em muitas dessas regiões, aspirações distantes. Além disso, a relação entre feminismo e maternidade difere conforme o contexto: no Ocidente, feminismo e autonomia pessoal são associados à liberdade de escolher sobre a maternidade, enquanto em outras regiões, o feminismo é visto como um desafio a estruturas culturais profundamente enraizadas.

Como diz um cínico ironista: "Enquanto se capa não se assobia". As mulheres ao se empoderarem e ao lutar não podiam ter tempo nem disposição para pinar, quanto mais para ter filhos. Essa expressão popular captura uma visão pragmática e bem-humorada das escolhas e das renúncias que ocorrem quando prioridades mudam. O que sugere, de certa forma, é que as mulheres, ao conquistarem mais liberdade e espaço em esferas que antes lhes eram restritas, enfrentam inevitavelmente uma reorganização de suas vidas, incluindo a decisão sobre a maternidade. Com o foco no empoderamento e nas carreiras, muitas mulheres optam por adiar ou até renunciar à maternidade. De facto, assumir um papel mais ativo no mercado de trabalho, na política e na vida social implica uma alocação de tempo e energia que, para várias, torna a maternidade algo secundário ou menos urgente. E não se trata apenas de uma questão de "falta de tempo"; há uma transformação nas aspirações e no sentido de realização, com a maternidade deixando de ser o único meio para isso.

É importante perguntar: o que homens e mulheres no Ocidente desejam de suas vidas? A busca por realização individual, que antes era quase exclusiva dos homens, agora é um desejo legítimo das mulheres, mudando não apenas o papel delas, mas também as relações, os conceitos de família e até as taxas de natalidade. Porém, essa reestruturação não implica que a maternidade se perdeu de vez. Para muitas mulheres, o desafio atual é buscar uma conciliação entre esses novos papéis e o desejo de formar uma família. Para isso, as sociedades precisarão oferecer melhores condições e políticas que permitam a maternidade e o empoderamento coexistirem com mais harmonia. O problema é consegui-lo. Há uma grande distância entre o mundo da linguagem e o mundo da realidade.

É verdade que as académicas, como disse Jane Goodall, parece que disse: "As novas mulheres académicas tornaram-se mais ignorantes do que sábias com as vistas curtas do mero conhecimento livresco. E as sucessivas crises do capitalismo mostra que os economistas e sociólogos erram mais do que acertam". Jane Goodall captou muito bem a ironia da História. O excesso de especialização e o foco excessivo em teorias livrescas podem, de facto, levar àquilo que poderíamos chamar de "ignorância ilustrada" — um tipo de conhecimento que, embora extenso, se torna muitas vezes distante da realidade concreta. Isso é perceptível em algumas áreas onde a prática e o contacto direto com as questões humanas e ambientais poderiam enriquecer mais a compreensão do que o mero estudo teórico.

Na economia e na sociologia, essa limitação é especialmente visível, já que são áreas que lidam com sistemas complexos e sujeitos a variáveis imprevisíveis, como o comportamento humano e as flutuações globais. Os economistas, por exemplo, desenvolvem modelos e previsões baseados em dados e teorias que, embora rigorosos, não conseguem antecipar crises de forma confiável. Basta observar que muitas das crises capitalistas modernas, desde a Grande Recessão de 1929 até à crise financeira de 2008, apanharam sempre os especialistas de calças na mão.

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