sábado, 13 de agosto de 2022

O que diziam os filósofos no dealbar do fascismo e do comunismo?



Em oposição aos pensadores alemães que projetaram a II Guerra Mundial, quatro exemplos podem ser mencionados, dois dos quais foram alunos de Edmund Husserl, que definiu o núcleo moral da filosofia alemã em crise e demonstrou como ela podia ser desenvolvida: foi o caso de Edith Stein, Hannah Arendt, Karl Jaspers e Dietrich Bonhoeffer. Edith Stein lutou tanto como mulher quanto judia no sistema universitário alemão. Ela se tornou assistente pessoal de Edmund Husserl e prometia tornar-se uma fenomenóloga de destaque, mas se converteu ao catolicismo romano e tornou-se freira. Por algum tempo, ela conseguiu evitar a deportação devido ao estatuto de freira; mas pouco depois de ser transferida para um convento nos Países Baixos, elementos da SS (Schutzstaffel, organização paramilitar criada por Hitler na Segunda Guerra Mundial) encontraram-na (assim como à sua irmã, que estava com ela) deportando-a para Auschwitz, onde morreu em 1942. Seu trabalho sobre a empatia foi influenciado não somente por Husserl e pela tradição agostiniana, mas também por sua experiência como enfermeira assistente na Primeira Guerra Mundial e pelas mortes nesse conflito de pessoas que ela amava. A luta por dominação total de toda a população do mundo, a eliminação de toda a realidade não totalitária concorrente, é inerente aos próprios regimes totalitários.

Karl Jaspers é o herói desconhecido da filosofia de meados do século XX – um "Mahler" para o "Wagner" de Heidegger. Sua filosofia existencialista era, como aquela de Stein e Bonhoeffer, baseada na comunicação por meio do amor e em movimentos empáticos para com o outro. Ele resistiu com firmeza aos nazis e protegeu a sua esposa judia, ao lado da qual sobreviveu à guerra. Também assumiu a supervisão de Hannah Arendt, ex-aluna e amante de Heidegger. Também no trabalho dela, aparece o tema agostiniano do amor. Depois de fugir da Alemanha, e então da França, Arendt fixou-se em Nova York, onde se tornou a mais eminente filósofa política, trabalhando na tradição fenomenológica segundo as modificações realizadas por Heidegger. Em 1948, Jaspers deixou a Alemanha para assumir um cargo em Basileia, onde permaneceu até à morte.

O fascismo, para alguns filósofos e politólogos, é mais uma tendência do que um programa sistemático. Isso não significa que não seja uma ideologia, e que o nazismo não se tenha inspirado nele. O nazismo é mais difícil de tipificar em filosofia política na medida em que foi um fenómeno imanente ao partido nacional-socialista alemão, nascido do inconformismo em relação à humilhação alemã decorrente da sua condição de vencida na Primeira Guerra Mundial 1914/1918. Para os partidos de inspiração marxista - Partidos Socialistas e Partidos Comunistas - o Partido Nacional-Socialista alemão era um partido fascista. O fascismo, da maneira como nasceu a partir de Itália, depois propagou-se a outros países com as respetivas adaptações idiossincráticas de cada país. O resultado do fascismo na Alemanha com o nazismo, é muito diferente da história do fascismo em Portugal ou Espanha. Para os alemães, que sofriam com o peso do Tratado de Versalhes, o fascismo para se implantar utilizou os judeus como bode expiatório.

Quando em 1922 Mussolini se tornou primeiro-ministro, o socialismo já estava maduro desde 1848, quando Karl Marx e Friedrich Engels publicaram em coautoria o Manifesto Comunista que culminou na filosofia política e económica do socialismo. O Manifesto Comunista havia sido escrito no meio do grande processo de lutas urbanas das Revoluções de 1848, chamadas também de Primavera dos Povos, um processo revolucionário de quase um ano que atingiu os principais países europeus. Tinha passado quase um século desde os alvores da chamada Revolução Industrial a partir de 1760. Duas de suas maiores reivindicações foram reformas sociais: a conquista da diminuição da jornada diária de trabalho de doze para dez horas e o voto universal, embora apenas para os homens.

Lenine (1870-1924) foi o primeiro político a implementar o socialismo a sério contra a previsibilidade de Marx, posto em prática pelos bolcheviques na Rússia após a Revolução Russa de outubro de 1917. Marx e Engels viam a organização social como o resultado de relações económicas historicamente determinadas. Para eles, a história do homem moderno era definida pelo conflito entre trabalho e capital, o que necessariamente exigia uma política radical. O paraíso dos trabalhadores que Marx e Engels tinham em mente quando escreveram O Manifesto Comunista provou-se no século XX ser uma utopia. A ascensão de Joseph Stalin (1879-1953) à liderança da União Soviética levou quase 20 milhões de pessoas à morte que para uns resultou pura e simplesmente da fome. Mas é incalculável o número de mortes resultantes dos expurgos e das deportações.

Os cidadãos soviéticos tinham trabalho garantido, mas a sua qualidade de vida, em termos de confortos materiais, e dignidade pessoal, estava muito longe do resto do mundo ocidental, onde o capitalismo produzia lucros recordes, inaugurando um novo mundo de prosperidade para os americanos e, com o tempo, também para os europeus. Além disso, enquanto os governos nos Estados Unidos e grande parte da Europa resultavam de eleições livres e democráticas, a liderança na União Soviética era exercida por um Comité Central de um único partido de massas – o Partido Comunista, que se materializava na governação por uma nata desse comité central denominado Politburo. A filiação ao Partido Comunista era restrita a uma minoria privilegiada, e um elaborado Estado Policial mantinha a população agrilhoada a uma ordem totalitária concentracionária por uma polícia política de cariz secreto chamada KGB que sucedeu ao serviço secreto NKVD.

Quando os nazis começaram a perseguir os judeus na Alemanha em 1933, preparando o terreno para os horrores da Segunda Guerra Mundial, tanto os Estados Unidos como a Grã-Bretanha beneficiaram com a chegada em suas terras de filósofos e cientistas que fugiam dos nazis na tentativa de salvarem a pele. Anos depois, os Estados Unidos seriam a primeira nação a desenvolver uma arma nuclear, utilizando a ciência trazida por refugiados alemães, como foi o caso de Einstein (1879-1955). Enquanto os físicos estavam ocupados a explodir o mundo e, ao mesmo tempo descobrindo como se dera a sua existência, biólogos e geneticistas voltavam-se para o mundo interno. Enquanto os físicos exploravam o mundo externo, os filósofos exploravam o mundo interno da mente humana. A biologia – particularmente a genética – ainda estava na meninice a dar os seus primeiros passos. Entretanto, na Alemanha, Mengele, o anjo da morte de Auschwitz, entrava nos corpos para descobrir como eles funcionavam da forma mais infame que a humanidade jamais conheceu.

Daí o medo da genética, com a possibilidade de alterar o que acontece dentro de nossos corpos ao ser manipulado o DNA para a produção de clones, que reúne os blocos de construção de toda a vida. Charles Darwin (1809-82) havia inaugurado uma tendência que teria um impacto sobre a humanidade comparável ao da obra de Karl Marx. Daí o medo dos criacionistas americanos. Se a humanidade evoluiu de acordo com a seleção natural de Darwin, foi um acaso genético e uma necessidade ambiental que criaram as espécies. A divindade ainda pode ser buscada na origem se perguntarmos aos ateístas “porque há algo em vez de nada”. Mas não na origem do Homem. Por mais que embelezemos esta simples conclusão com metáforas e imaginação, ela continua o legado filosófico do último século de pesquisa científica. E. O. Wilson, em “Da natureza humana” (1978) afirma que “A teoria de Darwin”, da seleção natural continua a insuflar debates e a evidenciar a distância que existe entre conhecimento e crença mítica. Essa disjunção gerou um clima anti-intelectual no final do século XX com os ditos criacionistas como arautos da verdade.

Depois da II Guerra Mundial, enquanto a Filosofia cedia espaço à Psicologia, os filósofos foram apanhados pelo tsunami ideológico que viria a ser conhecido por Pós-modernidade. Entretanto u outro movimento de inspiração nas filosofias de cariz orientalista também ia emergindo com a designação "New Age". As preocupações no rescaldo da filosofia existencialista pelo "eu interior" e o comportamento modelado pelas emoções, tornou-se no Alfa e no Ómega da cartilha do multiculturalismo. A Filosofia foi momentaneamente expurgada de todo o perfume metafisico que tanto impregnara a filosofia da Idade Moderna e Iluminista.  Foi, por assim dizer, a captura do Iluminismo por parte do idealismo e o historicismo hegeliano. 

É da tradição filosófica idealista o envolvimento da psicologia em cada pensamento. É a mente que exerce um papel na constituição do mundo para além do sujeito; ela é o suporte do empirismo, na medida em que a mente é o recipiente para as impressões dos sentidos. Para essa transição Sigmund Freud foi fundamental com a descoberta do inconsciente. A contribuição de Freud foi indubitavelmente vigorosa, ao ponto de as suas ondas de choque se terem repercutido também no grupo dos marxistas. Jacques-Marie Émile Lacan foi o filósofo francês psicanalista, que depois dos estudos em Medicina, se orientou numa missão quase impossível de casar o freudismo com o marxismo. Tal assombro desencadeou em filósofos da tradição analítica anglo-saxónica, mais interessados na filosofia da ciência, a necessidade de virem a terreiro insurgirem-se com tanta irracionalidade. 

Karl Popper (1902-1994) foi um desses filósofos que criticou com veemência as teorias de Freud, que considerou que de científico nada tinham. Uma descrição topográfica da mente humana comportando três partes (id, ego e superego), não sendo suscetível de ser falsificável, não podia de modo nenhum ser uma teoria científica. A falsificação de Karl Popper defende que a ciência se diferencia da pseudociência ou da superstição, porque o que caracteriza uma hipótese científica é podermos ser capazes de a invalidar, se não for verdadeira, por meio da observação experimental. 

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