terça-feira, 16 de janeiro de 2024

O fracasso do Ocidente na história do Médio Oriente



A história do Médio Oriente, desde finais do século XIX, é a história do fracasso do desenvolvimento. A descolonização, meramente formal, nunca se desdobrou em emancipação política, social, económica e cultural das populações. Muito se entenderá se lembrarmos que todas as grandes rupturas foram pontuadas por derrotas. Em 1948, por exemplo, a guerra que envolveu Israel e o Mundo Árabe, sinaliza a falência dos regimes pró-ocidentais em lidar com o desafio de um Estado colonizador. Na verdade, a importância do estabelecimento de Israel enquanto Estado judeu no coração do mundo muçulmano teve motivações que apenas tiveram um valor simbólico. 

O ano de 1956 e a Guerra do Suez marcam o fim da influência de jure do Ocidente em detrimento da afirmação de facto do Mundo Árabe. Ainda assim, os novos regimes fracassaram tanto interna como externamente. Em junho de 1967 ocorre a terceira guerra entre Israel e a frente árabe, a chamada Guerra dos Seis Dias, que simboliza o fracasso da hegemonia árabe. Depois a Revolução Iraniana em 1979 trouxe para a região a verdadeira questão do Médio Oriente, que é o domínio geoestratégico disputado no Mundo Muçulmano entre sunitas e xiitas. A aspiração de um mundo árabe secular foi gorada. O que emergiu foi a velha ideia de Jihad promovida pelos Aiatolá que impuseram no Irão, até aos nossos dias, um verdadeiro regime teocrático. A
 nítida emergência de uma alternativa islamista ao secularismo árabe. Este, porém, vivido como um sinal de esperança pelas massas árabes, acontece fora do próprio mundo árabe. E no lugar de se expandir e trazer o esperado renascimento que outorgaria aos muçulmanos árabes os recursos psicológicos, sociais e militares para se emancipar de imposições estrangeiras (tanto as reais quanto as imaginárias), a exportação da revolução islâmica provocou, no âmbito árabe, somente repressões e novas guerras perdidas.

A Guerra do Golfo de 1990/1991 contra a ocupação iraquiana do Kuwait teve conotações múltiplas. As perdas para o Irã levaram ao aprofundamento das aspirações islamistas, imunes a críticas racionalistas. Foi exatamente esse que cresceu, não obstante as sanções decretadas pelos Estados Unidos da América. Na prática, o Ocidente não conseguiu imprimir uma resposta efetiva.

Entre 1945 e 1967, quase todos os países árabes ainda dominados chegaram à independência política. Contudo, os caminhos para essa liberdade foram dramaticamente diferentes. Os impérios coloniais da França e da Grã-Bretanha seguiram rumos distintos na sua liquidação (que foi estimulada pelas novas superpotências, os EUA e a URSS). O Líbano e a Síria, ocupados conjuntamente pela França e Grã-Bretanha, chegaram à independência em 1943, ainda que desacordos adiassem sua implementação até 1946. Fora da Transjordânia, onde a influência inglesa continuou preponderante, a maior possessão colonial remanescente da Grã-Bretanha após a Segunda Guerra foi a Palestina, cuja administração se tornou cada vez mais inviável devido à luta entre a sociedade autóctone árabe (que logo após a guerra ainda constituía dois terços da população do mandato) e a comunidade sionista de imigrantes. Ambas ambicionavam agora a independência: os palestinos preferindo talvez se fundir a um Estado panárabe futuro, enquanto os sionistas militavam em favor de um Estado judeu separado. Nenhum dos dois aceitou a legitimidade do outro, e em ambos a maioria rejeitou soluções de meio-termo.

A miséria dos sobreviventes judeus do holocausto, aliado ao sentimento de culpa dos Aliados, outorgou em finais dos anos 1940 um crédito de simpatia internacional aos sionistas. Quanto aos palestinos, estes conseguiram tornar seu conflito local uma causa panárabe (e cada vez mais pan-islâmica). Na percepção do mundo árabe, o assentamento judeu da Palestina se confundia com o colonialismo ocidental, ambos destinados à erradicação. Entretanto, a Grã-Bretanha entregou a possessão à ONU, sucessora da Liga das Nações, que ordenou, em 1947, a partilha do território em dois Estados independentes, um para cada comunidade.

O Estado judeu projetado sobrepunha mais ou menos os assentamentos sionistas já existentes. Mesmo assim, incluía uma “minoria” palestina árabe hostil, que na verdade representavam 49% da população. Num território tão exíguo, a proposta só teria alguma chance, evidentemente, se ambas as comunidades se entendessem e se comprometessem a uma estrita convivência. A Agência Judaica aceitou, o lado árabe recusou. Na guerra que se seguiu a comunidade judaica na Palestina derrotou os palestinos, declarou a sua independência e expulsou os exércitos de sete Estados árabes, que imediatamente declararam guerra. Já o Estado independente palestino nunca se tornou realidade. Cerca de 750.000 palestinos fugiram em circunstâncias controversas para os países vizinhos, onde sua presença se perpetuou ano após ano e logo constituiu um problema humanitário e político de grande magnitude. Armistícios foram assinados em 1949, mas a tensão não diminuiu.

O Iémen, a única região relativamente fértil da península arábica, havia sido partilhada no século XIX entre o Império Otomano e a Grã-Bretanha, que quis controlar o Áden, porto de trânsito vital. A parte setentrional do Iémen conquistou a independência após a retirada otomana e se tornou uma monarquia religiosa (xiita zaidita) semelhante ao vizinho sunita saudita. Nos anos 1960, uma guerra civil entre o rei e a oposição republicana modernizadora provocou ali intervenções do Egito de Nasser e da Arábia Saudita. Por fim, estabeleceu-se uma república pouco estável. O sul colonizado pelos ingleses, no entanto, obteve a independência em 1967, mas se radicalizou num curso socialista filo soviético. Esta República Democrática Popular do Iémen, porém, não sobreviveu à implosão do bloco soviético. Ambos os Iémen finalmente se unificaram em 1990.

Nos anos 1950 e 1960, a Guerra Fria teve efeitos internos e regionais, e dividiu o mundo árabe em dois blocos antagónicos de Estados. Os chamados conservadores, tais como a Arábia Saudita, os sultanatos e emirados peninsulares, além da Jordânia e Marrocos, entre outros, constituíam em geral monarquias sob forte influência ocidental – agora, mais precisamente dos EUA, após a retirada britânica e francesa. Por outro lado, houve uma série de regimes ditos progressistas, originários de revoluções antiocidentais. Foi o caso do Egito, Síria, Iraque, Argélia e Líbia, alinhados à URSS, onde se estabeleceram orientações panárabes e “socialistas”. Tais governos tentaram um desenvolvimento estatal, mas os resultados dessas “ditaduras de desenvolvimento” foram desapontadores. Entre esses dois grupos de Estados, não houve amizade. Tentativas para promover a unidade árabe, tais como a Liga Árabe, estabelecida em 1945, foram incapazes de superar as diferenças e suspeitas mútuas. Forças centrífugas também operaram dentro de cada um dos grupos e contrariaram as tendências rumo à unificação.

Os anos 50 testemunharam o auge do pan-arabismo, cuja base social se encontrava no exército. A revolução mais radical ocorreu sem dúvida no Egito, onde o golpe dos Oficiais Livres em 1952 levou à emergência de Gamal Abdul Nasser. Político árabe mais carismático do século XX, Nasser se tornou emblema do pan-arabismo, tanto em seus êxitos quanto em seu fracasso final. Nasser era progressista sem ser antirreligioso nem marxista, mas levou a cabo, de facto, a industrialização e o desenvolvimento económico da agricultura egípcia sem sacrificar um certo ideal de justiça social. Seus planos logo o puseram num curso de colisão contra os velhos interesses imperiais.

Para financiar seus ambiciosos projetos de irrigação no Nilo, Nasser nacionalizou, em 1956, o Canal de Suez, provocando uma aliança entre França, Grã-Bretanha e Israel – este último inclusive sofreu incursões de fedaiyin palestinos de Gaza, apoiados pelo Egito. Na Guerra de Suez, o Egito foi derrotado e a Península do Sinai, ocupada. Porém, a pressão conjunta dos EUA e da URSS logo obrigaram sua devolução. Nasser conseguiu transformar uma derrota militar numa vitória política, e se tornou, da noite para o dia, o ídolo das massas no mundo árabe inteiro. Aproveitando o prestígio, o Egito pouco depois se uniu à Síria na República Árabe Unida (RAU). No entanto, foco de profunda instabilidade política e centro de turbulência panárabe, a Síria se sentiu insatisfeita e desfez a unificação em 1960.

A facilidade com que a guerra fria entre Israel e seus vizinhos se reacendeu ilustra a instabilidade deste quadro: aqui não houve contenção, dissuasão, nem cálculos racionais como os observados entre os EUA e a URSS. Na Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou o Sinai, do Egito; dos restos do Estado palestino definido em 1947 mas nunca erigido, Israel ocupou a Cisjordânia jordaniana (inclusive Jerusalém oriental, terceira cidade sagrada do islão, que foi anexada) e a Faixa de Gaza; e da Síria, ocupou os Montes Golã. Israel sobreviveu e se expandiu, mas ficou com um milhão de palestinos atravessados no caminho, cuja presença no decorrer dos anos reanimou o dilema insolúvel entre Estado democrático e Estado judaico – dilema que a “limpeza étnica” dos árabes palestinos de 1948, com a retirada dos palestinos do território de Israel, parecia ter evitado.

Os Estados árabes reagiram se armando novamente e preparando a próxima investida. Esta veio em 1973, com a Guerra de Outubro (Guerra de Yom Kipur). A primeira guerra onde os árabes não foram derrotados abriu espaço psicológico para uma acomodação com Israel. Começando pelo Egito, as elites chegaram gradativamente à conclusão de que o conflito com Israel era caro demais e impossível de ser ganho. Em 1977, Sadat iniciou o processo de paz que lhe custaria a vida (ele seria assassinado em 1981, por islamistas egípcios). Suas ações individuais afetaram a solidariedade árabe e conduziram ao isolamento temporário do Egito. Aos poucos, no entanto, outros líderes árabes, vulneráveis demais para uma atuação pioneira, seguiriam seus passos.

A OLP (Organização para a Libertação da Palestina) tornou-se famosa pelas ações – entre militares e terroristas – de comandos palestinos: atentados e sequestros vistosos, mas militarmente impotentes. Politicamente, portanto, os palestinos conquistaram um lugar no mapa; militarmente, eles nunca ameaçaram Israel. O que de facto afetou Israel (e ainda apenas marginalmente) foram os contatos políticos de israelitas com líderes palestinos dos territórios ocupados. Tendo aprendido essa lição, a OLP de Yasser Arafat se engajou cautelosamente no caminho político; mais uma vez, cautelosamente e devagar demais para frear a radicalização de Israel, que se alimentou dos próprios atos terroristas palestinos que nunca cessaram completamente.

Uma combinação de circunstâncias favoráveis proporcionou, em 1991, a oportunidade para negociar um processo de paz oficial. Não obstante, ao longo de seu caminho, os palestinos tiveram que deixar de lado boa parte de sua bagagem ideológica. O que a liderança propunha já não era mais a libertação inteira da pátria árabe perdida, mas um pequeno Estado que provavelmente seria bastante dependente de Israel. Junto aos seus princípios ideológicos, os generais palestinos moderados perderam boa parte dos seus militantes. Para os mais radicais, o ganho possível no novo programa político era pequeno demais e parecia não justificar a perda do ideal e da honra implicada nas duras negociações com o adversário. O resultado foi que uma fração mais extremista tanto entre os palestinos quanto entre os israelitas estava pronta a se utilizar da violência para descarrilar o processo de paz. Estes indivíduos e grupos foram recrutados maioritariamente entre os fundamentalistas de ambas as religiões.

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