domingo, 25 de fevereiro de 2024

A grande diversidade de casos: transexualidade - transgénero - homossexualidade



Um caso : J.B., de 37 anos, casada há 15 anos, com um homem de nome João, parece não ter ficado muito surpreendida quando ele revelou que era um “transgénero” e se identificava como uma mulher. O caso é insólito porque nessa altura, ao saber disso, decide também revelar o seu segredo: que é lésbica. Ora eles têm dois filhos, um de 11 e outro de 13, e decidem continuar o casamento como até ali, exceto João ter mudado o nome para Sara, e ter encetado o processo hormonal para completar a transição. Entretanto, o filho mais velho, aos 15 anos, revelou que se considerava homossexual, e o mais novo começou a ficar confuso.

A maioria das pessoas trans receberam, como toda a gente, o mesmo conjunto de normas, doutrinas, regras, que supostamente fazem deles e delas homens e mulheres heterossexuais. Mas, a certa altura, tomam consciência de que algo não funciona e afirmam‑se gays, lésbicas, trans. Muitas vezes as coisas acontecem, por acaso, se entram em meios apropriados onde existem outras pessoas queer e trans e, conversando, automaticamente passam a identificar-se com elas, tendo vontade de fazer a mesma coisa. É difícil fazer generalizações sobre a transição porque os percursos de cada uma são muito diferentes.

Outro caso : Erina, depois de alguns anos passados em São Petersburgo, onde dava apoio à comunidade homossexual chechena, acabou por ir para Paris com o estatuto de refugiada política. Aí se apaixonou por uma mulher: «Não posso mudar os meus desejos, mas posso mudar quem sou, de certo modo. Quando saía com homens, tinha o cabelo rapado, com roupas muito masculinas. Ainda tenho o hábito de usar o género masculino em russo. Mas percebi a certa altura que não se pode ser nem homem nem mulher se quiser ser atraente para homens ou mulheres. Tinha a escolha de fazer uma transição ou de, então, abraçar o meu lado feminino, ir mais além na minha feminilidade. A minha disforia (o meu problema com relações heterossexuais) era provocada somente por razões sociais e não por um conflito com o meu corpo.»

Erina apaixonou-se por uma mulher trans, que era homem e não se sentia bem como homem heterossexual, e hoje assumem que formam um casal heterossexual. Uma simetria em espelho perfeita, pois Erina também não se sentia bem como uma mulher heterossexual. Ou seja, um casal formado por uma mulher que passou a homem, e um homem que passou a mulher. Diz Erina: «As pessoas procuram ora mulheres, ora homens, e não uma coisa qualquer. Queria ser atraente. Se eu quisesse sair com um homem — porque às vezes me sinto atraída por homens — os heterossexuais tinham medo de mim, porque eu exigia que me tratassem pelo género masculino (coisa impossível, sobretudo para os Russos). Como eu dizia que era do género masculino, até havia homens homossexuais que se sentiam atraídos por mim. Mas depois desistiam, porque o meu corpo não era suficientemente masculino.»

Podem acontecer, nestes meios muito especiais, relacionamentos duplamente cruzados que para uma comum pessoa “cis” se afiguram bizarros, ou até aberrantes. É, por exemplo, o caso de um homem trans (corpo de mulher) poder ter sexo com um homem, mas não ser capaz de uma relação amorosa em que o que conta é a identidade de género para o amor. A pessoa trans é atraente enquanto fetiche, mas não enquanto alguém com quem possa passear orgulhosamente na rua; como algo que pode usar para satisfazer uma qualquer fantasia e não como alguém a quem dá a mão em público e tem vontade de apresentar como namorada ou namorado.

E Erina aprofunda a questão: «Autocensurava a minha sexualidade por não ser uma lésbica normal, com os seus pequenos desejos sexuais, passiva e submissa. O que me conduziu a situações, em termos de consentimento, bastante perigosas e sobretudo a uma sexualidade de modo nenhum satisfatória. Há, claro, homens trans cujo objetivo é tornarem‑se homens e ponto final. Falo dos que estão no meio queer, que fazem a transição para uma aparência e atitude masculinas, mas que não querem ser homens. Que querem aliar esses elementos com a preservação da identidade lésbica de antes da transição, não de modo a mudar de categoria, mas como maneira de se reapropriar do seu corpo, da sua autoconfiança, de se livrarem das contingências do feminino.»

Gosta de homens porque gosta de pénis, ou gosta de pénis porque gosta de homens? A comunidade lésbica tem esta discussão recorrente: é ou não transfóbica uma lésbica não querer ir para a cama com uma mulher transexual? O facto de uma mulher lésbica associar a sua atração por outras mulheres, que obviamente têm vagina, é frequente mulheres transexuais (cujo órgão sexual é obviamente um pénis) apontarem essas lésbicas como transfóbicas. As mulheres transexuais criticam as mulheres lésbicas por pressuporem que todas as mulheres lésbicas devem gostar de vaginas, uma vez que as mulheres heterossexuais obviamente que só gostam de pénis. Asseveram que a coisa é mais complexa.




Um ano depois de passar pela cirurgia de mudança de sexo, vê-se nesta foto Talleen Abu Hanna no palco em HaBima, teatro nacional de Israel em Tel Aviv, 27 de maio de 2016, depois de ter sido anunciado o primeiro lugar no concurso de beleza “Miss Trans Israel”. Nasceu rapaz. E ainda menino, em Nazaré, deixou o caraté para ir fazer balé. Quando adolescente roubava a maquilhagem à mãe e os vestidos à irmã. E um dia teve uma epifania quando conheceu uma senhora "trans" que ao contar a sua história lhe fez abrir os olhos para uma realidade que desconhecia.

A diversidade conceptual à volta do tema é imensa. Todavia, ninguém está livre nos dias de hoje de cometer uma gafe sem perdão, pois cada vez o mundo da identidade de género é mais complexo, e é muito fácil no dia-a-dia não sabermos muito bem qual é a expressão de género, ou a orientação sexual que temos pela frente. Em termos simples: numa pessoa “trans”, a sua identidade de género é diferente da que lhe foi atribuída aquando do nascimento. Estamos de facto a lidar com o sentimento mais profundo do ser de uma pessoa: ser homem, ser mulher, ou "agénero". Uma pessoa "agénero" não se sente nem totalmente masculina, nem totalmente feminina. Assim, estas pessoas ora se identificam com um género, ora com o outro. As pessoas que não se identificam com nenhum género também se definem pelo termo “não-binário”.

Em que é que a mulher é diferente do homem?

O neodarwinismo tem de avançar, embora com cautela, é claro. A diferença entre um homem e uma mulher assente exclusivamente na construção cultural sempre pareceu implausível, por muito amplamente aceite que se tenha tornado durante algum tempo. Dispomos atualmente de provas diretas da existência de diferenças não apenas no aspeto físico, mas também ao nível mental e emocional. E afirmar que os homens e as mulheres são diferentes não significa que tudo esteja preso a sete chaves nos genes. Se a ciência está a mostrar-nos que os homens e as mulheres são diferentes, não é para fazer regredir a constituição dos direitos, nem para justificar a supremacia de um em relação ao outro. Temos apenas o direito de saber que assim é, e não atravancar as nossas mentes com fósseis culturais.

Tudo começa no útero materno, com um banho hormonal por volta da 12ª semana de gestação. Até aí todos os fetos são femininos. E é então que, com hormonas masculinas a banharem o cérebro do feto, a partir de um determinado teor começa a masculinidade. E o cérebro reorganiza-se de forma a definir o género: feminino ou masculino.

É possível que as crianças (rapazes ou raparigas) já nasçam com as suas orientações e preferências, determinadas pelo género que está definido no cérebro. E assim são levadas a procurar diferentes experiências conforme o género. As raparigas, mais expeditas desde o primeiro dia na captação das expressões emocionais, se o desenvolvimento gradual se processar coerentemente, tornar-se-ão provavelmente mais competentes que os rapazes na inteligência socio-emocional. No entanto, se as raparigas estiveram a expostas durante a gestação a níveis desajustados de hormonas masculinas, mais elevados, poderão ser capazes de na fase adulta competir atleticamente com mais vantagem sobre as outras, que pode ser indiciada pela preferência na infância por brinquedos destinados aos rapazes.

Entre os 8 e os 12 anos, temos mais indícios das diferenças, com a emergência das competências espaciais mais robustas nos rapazes. Se, entretanto, não houver condicionamentos na aprendizagem, predomina a preferência orientada pelo instinto. Na realidade, acreditando na seriedade dos trabalhos de investigação científica, é crescente o número de publicações científicas, agora com a utilização de exames facilitados pelas sondas de ressonância magnética de última geração, a atestar consistentemente diferenças na atividade cerebral. Por exemplo, no que concerne a competências linguísticas, a mulher leva a melhor, sobretudo no âmbito do namoro, quando se trata da escolha do parceiro.

Um outro capítulo que se presta a muita confusão é o da identidade de género e orientação sexual. São dimensões diferentes dos nossos biótipos, que não se confundem, pelo que também temos de os abordar com conceitos distintos. Género é uma categoria social e cultural, remete à forma como as pessoas se autodefinem (como mulheres ou como homens). Sexo é uma categoria biológica, remete para a questão da sexualidade, do desejo, da atração afetivo-sexual por alguém de algum género. A categoria do sexo é definida por aspetos biológicos: sexo feminino e sexo masculino. O conceito de género remete para significados sociais, culturais e históricos, associados aos sexos. O que acontece, na realidade, são pessoas que o seu corpo não é sentido da forma como pensam o género que são. Isso tem a ver com o uso de roupas, objetos, maquilhagem, etc.




Assim, a intersexualidade deve ser assumida como uma variação e não como uma patologia. As pessoas intersexuais apresentam um corpo com variações mistas do biótipo do sexo masculino e feminino. Isto refere-se não só aos órgãos genitais ou gónadas, em que não apresentam um padrão totalmente feminino ou masculino, e que entram na classificação de hermafroditas verdadeiros ou pseudo-hermafroditas. Tal dificuldade só é dirimida pela análise ou cromossómico.

A Assembleia da República já legislou sobre a matéria da Identidade de Género. Hoje, uma pessoa de 16 anos de idade já pode alterar no registo civil o seu nome para se coadunar mais com o tipo de género que se sente, e sem precisar de um atestado médico ou consentimento dos pais. O objetivo é tornar Portugal num país mais respeitador dos direitos humanos das pessoas transexuais e transgénero, bem como a previsão do reconhecimento civil das pessoas intersexo. O direito à autodeterminação de género e à expressão de género, tendo ficado de fora o género neutro. Não está, portanto, relacionado com a orientação sexual.




Crossdressers e/ou travestis não tem nada a ver com transexualidade ou transgénero, ou homossexualidade. É um protótipo para referir pessoas que vestem roupa ou usam objetos associados ao sexo oposto, por qualquer uma de muitas razões, desde vivenciar uma faceta feminina (para os homens), masculina (para as mulheres), motivos profissionais, para obter gratificação sexual, etc. Um travesti pode ser heterossexual, homossexual, bissexual ou assexual. E, por exemplo, o homossexual, ao contrário do ‘trans’ não apresenta disparidade psicológica com o sexo físico/biológico que possui. Portanto, os transformistas fazem parte da população crossdresser, cuja motivação é apenas de índole profissional, atores de espetáculos de transformismo. A expressão "drag-queen" significa DRessed As Girl.

Quando a criança passa do estado de natureza ao estado de sujeito, se, entretanto, interiorizou uma situação de injustiça, admite-se que possa gerar-se um conflito identitário movido pelo sentimento de relação de desigualdade. Até à aquisição do sujeito há uma indiferenciação proto social que não se reconhece como ente sexuado. A identidade é descoberta na sociedade. Não deve ser por acaso que em certas culturas do passado era o pai a levar o filho à iniciação da sua sexualidade.

Instaura-se assim um equívoco em todo o sistema da linguagem por via de uma imagem que não passa de um espectro. O funcionamento da espectralidade funda-se então, na crença da transcendência do corpo físico. Os espectros formam-se quando a imaginação corpórea funciona e age sobre um fundo de nada, uma imagem sem corpo. Para que os corpos continuem são sempre necessários homens e mulheres. Mas os espectros da transcendência são como os deuses, não há géneros puros, como nos mostra a etnologia.

Salvo raras exceções, a identidade de género é atribuída à nascença pelos órgãos genitais. Há casos em que por uma qualquer disjunção assimétrica entre o corpo e o sentimento o indivíduo sente-se num género diferente ao que é ditado pelo corpo. Assim, tal fenómeno é desencadeado como um espectro. O espetro é como um signo de uma coisa não existente. O espectro aparece para significar o que não nasceu por um movimento de disjunção. O espectro será simultaneamente signo e significado, que se atribui parcialmente como um ente que não é. A clivagem na identidade de género vem de um movimento de disjunção assimétrica. O outro género não é o contrário, nem o avesso, nem o inverso. Autoidentifica-se parcialmente como um ente que não é.

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